quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

VOTOS DE ANO NOVO: UMA JORNADA PARA NOSSA DEMOCRACIA

No começo da década de 90, no bojo de uma grande reflexão intelectual que tomou expressão em críticos e pensadores como Fritjof Capara, Ken Wilber, Karl Pribram, Renée Weber, Pierre Weil, Roberto Crema, tendo ainda como inspiração a fenomenologia de Teilhad de Chardin, o teólogo Leonardo Boff apontou o caminho da democracia ecológica.
“ Há uma exigência política de uma educação ecológica, para que todos os seres humanos aprendam a conviver com todos os seres, animados e inanimados, como cidadãos de uma mesma sociedade. É a democracia ecológica-social-cósmica.(Boff, Leonardo 1993- p.91)
Dentro destas reflexões, ou em profunda parceria com a holo-ecologia surge o que vem sendo chamado de Economia Solidária ou Economia Social, na vertente de pensamento e práticas desenvolvida pelo professor Paul Singer (Singer, Paul -2000 – p.11). Segundo o professor Singer a economia solidária, entendida como um modo de produção, possui feição revolucionária e emancipadora, ao buscar sistemas de organização da economia em empresas autogestionárias e cooperativas, como uma prática de superação do capitalismo O “locus” da ética desta ação é agora, potencializada pela as empresas de tratamentos de resíduos e reciclagem, em um momento de grande crise mundial originária no esgotamento do recursos naturais, na base da exploração do modo capitalista de ser e viver o espaço coletivo.
As saídas individualistas como nos propõem o mercado, caíram no desespero do niilismo ou criaram espaço para uma fuga ao passado, como âncora de verdades eternas. O planeta terra está com seus dias contados. Isto não é nenhuma praga divina. É o resultado do nosso medo de romper o processo de destruição da vida. De encarar o desafio ecológico não como modismo, mas dentro de um horizonte ético, de entender esta ligação profunda de todos os habitantes (vivos e não vivos) do berço natal de nossa espécie.
Leonardo Boff nos fala de uma práxis cristã que consiga superar o burocratismo da hierarquia de poder da Igreja Católica ou de qualquer outra Igreja, que se estabeleça numa relação de poder com seus fiéis.
Este é um exemplo para uma autocrítica do PT. Ou melhor, da militância do PT. Uma militância que se resgate como legítimo sujeito da história e apenas por sua ação viva um partido político e uma estrutura do Estado se legitima. Quando falamos desta nova perspectiva estamos tratando de buscar a superação da democracia representativa pela democracia participativa. Os movimentos sociais e ação local constituem a base desta nova práxis. Mas não só. É preciso clarear o horizonte de uma democracia ecológica, como passamos a expor a seguir. Estas reflexões já ganharam corpo dentro do próprio PT, mas tiveram sua grande força na nova organização social, potencializado pelo Fórum Mundial Social.
Assim o primeiro desafio que nos defrontamos com a presente tarefa é a identificação de um fio condutor, que permita reconhecer a natureza das diversas contribuições, compartilhadas nos diversos fóruns políticos, que se inicia com uma visão dos seres humanos, ao longo da história. Se trabalharmos com esta visão, precisamos antes de tudo relembrar o significado de cultura, como um sistema de símbolos, normas, preceitos, cujo significado só existe para os humanos. E o sentido do sagrado, que do ponto de vista de uma construção científica tem sua melhor expressão na busca da transcendência, conceituada como metamotivação, na versão mais abalizada de Maslow.
Os humanos são antes de tudo singulares por dois fatores fundamentais: a) representam a possibilidade do universo se observar, sabendo que se sabe; b) é um ser que cria o próprio universo e constrói utopias.
Eu gostaria de enfatizar este dois pontos, referidos acima e retomá-los trazendo um pouco da reflexão de um pensador, cientista e teólogo, que já mencionamos no nascedouro da Ação Popular (AP), o padre Pierre Telhard de Chardin, que construiu uma fascinante obra sobre a trajetória da consciência, até esta alcançar o estágio humano e continuar como “filum” evoluindo na direção da mais-consciência (ou noosfera). Os dois pontos que eu havia citado sobre os humanos: a) representam a possibilidade do universo se observar, sabendo que se sabe; b) é um ser que cria o próprio universo e constrói utopias. Chardin – pesquisador e pensador brilhante disse:“No mais fundo de si mesmo o mundo vivo é constituído por consciência revestida de carne e osso. Da Biosfera à Espécie, tudo é, pois, simplesmente imensa ramificação de psiquismo que se busca através das formas.” (O Fenômeno Humano – trad. Leon Bourdon e José Terra, Herder, S. Paulo, 1965)
Os humanos, como ponto avançado da evolução, são coadjuvante de uma aventura, que prossegue, na formação da “Teia da Vida”(Capra).
Mas este filum que nos fala Chardin possui uma história e muitas culturas e um dos grandes desafios da antropologia é retirar os muitos véus que encobrem nossa visão, fazendo com que nosso olhar selecione apenas uma parte desta diversidade como a humanidade se mostra. Ao longo da história temos sido prisioneiros de um etnocentrismo, que nos impede de reconhecer a muitas faces de nossa trajetória.
Por que só conseguimos enxergar a humanidade como história do ocidente (e a história oficial do ocidente)? Creio que ao longo de nossa vivência adquirimos alguns vícios, que a antropologia clama para que nos libertemos dele. Mesmo no ocidente pouco ou nada conseguimos enxergar das chamadas populações aborígines (chamados índios). No Brasil, quando o país foi ocupado por Europeus tínhamos uma população superior a 1 milhão de habitantes, com seus hábitos, suas teogonias, suas crenças, etc. Se incluirmos todas as Américas este número deve quadruplicar. Excluímos os humanos e civilizações andinas, da região do México e de toda a América do Norte. Do Oriente, então nem falar: como era visto os humanos da China, produtores de uma grande cultura, da Índia e de toda a África. Nossa visão da humanidade é fortemente européia. Assim como nossa visão da Teologia. Mesmo hoje quando falamos de globalização, como esta experiência impacta na África, por exemplo?E de diversos outros povos que se mantiveram sobre o julgo do colonialismo europeu? Qual a face desta parte da humanidade? O que provavelmente há de comum entre estes humanos é a sua condição de opressão.
Mas qual o ser que ocultamos na opressão? Qual a sua face?
Segundo o pedagogo Paulo Freire o lado mais cruel da opressão é precisamente o estágio que opressor opera um massacre psicológico e cultural no oprimido, destruindo sua auto-estima e levando-o a compartilhar (aceitar) valores que não são seus. Esta é a grande alienação que nos falava Marx: em todas as épocas da história, o servo, o escravo, o trabalhador assalariado interioriza de tal forma a dominação que perde sua capacidade de reagir e passa a aceitar a opressão como vontade de Deus, ou subjugado pelo que eu chamo de uma depressão sócio-cultural que mina a força do excluído. E nós, os produtores da opressão, fomos extremamente competentes: eliminamos a capacidade do excluído se emancipar e o acusamos de mendicância. Eliminamos toda sua auto-estima e ficamos indignados quando este excluído prefere ficar dormindo sobre viadutos do que morar em um albergue. Minamos a fé do sertanejo - por séculos seguidos de dominação, fazendo-o crer que seu sofrimento lhe abrirá as portas do Céu e depois não entendemos sua resistência a ações modernizadoras de irrigação, construção de açudes e outros. O sertanejo violentado em sua alma e convencido da vontade de Deus pelo seu sofrimento, reage como coisa do “demo”, a ações de modernização.(lembremos que Lampião no cangaço era monarquista, em plena era republicana).Violentamos por séculos seguidos os negros escravos (estamos há pouco mais de cem anos da abolição da escravatura), convencendo-o da inferioridade de sua cultura. Porém estranhamos quando este reproduz padrões de consumo da sociedade branca.(para buscar sua inclusão desenvolve métodos de branqueamento) Incutimos no escravo a idéia que existe um processo natural de civilização, em que a condição tribal é inferior à condição societária, sem atentarmos que trata-se tão somente de organizações sociais diferentes. E pretendemos acreditar que uma dita civilização que construiu todos os instrumentos de destruição em massa seja chamada de civilização superior.
Mas como tratar esta brutalizarão da cultura e do espaço sagrado dos de grande parcela da humanidade, no espaço desta disciplina?
Considero sempre fundamental não esquecermos que o presente debate ocorre no espaço que lida com a cultura do sagrado, ou com a dimensão do sagrado no âmbito de nosso ser cultural. Lembrar isto permite circunscrever o campo de debate.
A primeira refere-se à proposição do debate, que permite a seguinte releitura: a sociedade capitalista promove a desvalorização do humano no ser humano, o que significa o próprio processo de alienação e reificação. Na sociedade capitalista os humanos são mais um dos muitos insumos. Seu trabalho é mercadoria, negociado como outras mercadorias, assim como os recursos naturais. A produção da mais valia se dá pelo sobre-trabalho e sua apropriação é uma expropriação: o dono do capital se apossa de algo que não lhe pertence. E assim se processa o início de uma história de exploração, degradação e exclusão do humano da sua condição fundamental de humano. Podemos promover nossa emancipação de tais relações, eliminando de nossa cultura, de nossa psiquê, de nossa história a herança perversa de um sistema que se afirma pelo supremo valor do Capital? Não é tarefa fácil, nem simples. Os caminhos não são muitos, mas existem. No espaço da Teologia da Libertação, da construção de modos de produção alternativo (economia solidária), na afirmação da ecologia profunda vislumbramos alguns caminhos.
O mais recente livro de Fritjof Capra, A Teia da Vida, retoma a visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra e da qual fazemos parte, de forma fundamental. Em muitos pontos, este pode ser o livro mais profundo dos já escritos por Capra. Ele nos apresenta seu conceito de Ecologia Profunda neste livro, um termo que, para ele, é mais apropriado que o termo holístico, já bastante gasto por pessoas que se apropriaram erroneamente deste termo para comercializá-lo. Nada melhor, então, do que lermos o próprio Capra O novo paradigma que emerge atualmente pode ser descrito de várias maneiras. Pode-se chamá-lo de uma visão de mundo holística, que enfatiza mais o todo que as suas partes. Mas negligenciar as partes em favor do todo também é uma visão reducionista e, por isso mesmo, limitada. Pode-se também chamá-lo de visão de mundo ecológica, e este é o termo que eu prefiro. Uso aqui a expressão ecologia num sentido muito mais amplo e profundo do que aquele em que é usualmente empregado. A consciência ecológica, nesse sentido profundo, reconhecer a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção profundamente ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto dentro como fora da ciência. O paradigma ecológico é alicerçado pela ciência moderna, mas se acha enraizada numa percepção existencial que vai além do arcabouço científico, no rumo de sua consciência de íntima e sutil unidade de toda a vida e da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. Em última análise, essa profunda consciência ecológica é espiritual. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência em que o indivíduo se sente ligado ao cosmo como um todo, fica claro que a percepção ecológica é espiritual e política em sua essência mais profunda, e então não é surpreendente o fato de que a nova visão da realidade esteja em harmonia com as concepções das tradições espirituais da humanidade.
Vale aqui recordar experiências recentes, considerando como se processa em cada um de nós o que se convencionou chamar na emergência do paradigma holístico. Não iremos teorizar sobre isto, apenas fazer alguns registros de nossas experiências. A maioria de nós vive de alguma forma as angústias de nossas fragmentações internas. Não conseguirmos nos perceber como unidade. Basta um simples exercício para constatarmos isto. Se alguém nos pede para apontarmos algo da natureza logo nos apressamos a apontar uma arvore, o céu ou qualquer elemento exterior. Dificilmente apontamos para nós mesmos. Ou seja, não nos percebemos como a própria natureza. Isto é conhecido como Fantasia da separatividade. Esta ilusão, pôr si mesmo fragmentadora, gera outra mais grave ainda: a Fantasia da separação entre o nosso próprio corpo, nossas emoções e o nosso espírito. Isto é tão evidente que criamos uma ciência para o corpo e uma ciência para o espírito. Psicologia e biologia caminham separadas como tratassem de assuntos distintos. A medicina fragmenta-se nas múltiplas especializações, tratando de doenças, perdendo cada vez mais o sentido da unidade do ser. Conheci este enfoque com o Professor Pierre Weil, um mestre da abordagem holística:“ Quebramos a unidade do conhecimento e distribuímos os pedaços entre os especialistas. Para os cientistas , demos a natureza; aos filósofos, a mente; aos artistas, o belo; aos teólogos, a alma. Não satisfeitos, fragmentamos a própria ciência, espalhando-a pelos domínios da matemática, da física, da química, da biologia, da medicina e de tantas outras disciplinas. O mesmo ocorreu com a filosofia, a arte e a religião, cada um desses ramos se subdividindo ao infinito. Como conseqüência, o mundo do saber tornou-se uma verdadeira ‘Torre de Babel’, onde os especialistas falam cada qual a sua língua e ninguém se entende. A mais ameaçadora de todas as fragmentações, no entanto, foi a que dividiu os homens em corpo, emoção, razão e intuição, porque ela nos impede de raciocinar com o coração e de sentir com o cérebro.(...)”( in A Arte de Viver em Paz ).
As recentes preocupações com a ecologia mostraram-nos o quanto estamos próximo de uma liquidação do nosso planeta. O estágio que alcançou o capitalismo, reforçando o conceito de exploração literalmente de tudo, lembra-nos a lição da própria dialética: a reação à todo tipo de exploração é a nova síntese que se constrói mundialmente. Existe uma pedagogia para esta reação: a ecologia não é algo exterior nem aos indivíduos, nem às suas organizações e à sociedade.
Assim se constrói a busca de um diagnóstico para o que chamaremos de
a) Ecologia interior;
b) Ecologia social e
c) Ecologia ambiental.
O valor que permeia este diagnóstico é a compaixão e ação a solidariedade. O espaço da ação é o nosso espaço; o locus do nosso cotidiano. Onde moramos, onde aprendemos e principalmente, como ensinamos e como aprendemos. Ninguém pode se dá ao luxo do pessimismo e se ausentar desta tarefa. A pedagogia da Ecologia Interior ou Pessoal envolve desde as práticas religiosas, como exercícios de equilíbrio do tipo da yoga, restauração de práticas de revitalização da família, dos amigos e todos os laços afetivos. Na Ecologia Social o grande desafio é a construção da Economia e da Vida Solidária e todo modelo educacional voltado para este desenvolvimento e ações políticas, através de grupos de pressão, sindicatos, partidos políticos, etc. Na Ecologia Ambiental a ação pode volta-se para o estudo da biodiversidade, das tecnologias genéticas e no âmbito mais cotidiano para pressões que busquem estancar o consumo do planeta Terra. As ações de reciclagem, a pesquisa da biomassa como fonte de energia, a pressão pelo uso do transporte não predador, são apenas alguns exemplos de ações a serem desenvolvidas. O Partido dos Trabalhadores em qualquer processo de refundação terá que se defrontar com tais desafios e ser capaz de incorporar as novas demandas, que formulada no FMS pode sintetizar o espaço de uma nova esperança: um outro mundo é possível.

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