domingo, 6 de janeiro de 2008

Mas afinal, a que vieste sr Nietzsche?

Mas afinal, a que vieste, sr Nietzsche?

Por uma questão de delicadeza – de tão pouca afeição aos seus modos – concedo-te do direito da dúvida, iniciando estes apontamentos com uma pertunta sua:
1 - “Em quais condições o homem inventou os juízos de valor expressos nas palavras bem e mal e que valor possuem tais juízos? Estimularam ou barraram o desenvolvimento até hoje? São signos de indigência, de empobrecimento, de degeneração da vida?"
2 - Tentar acompanhar estes questionamentos sugere um camimho de investigação da alma deste filósofo. E é o que pretendemos fazer
3 - A dificuldade é localizar o construtor dentro do demolidor. As críticas de Nietzsche são procedentes e virtualmente ajudam ao demonste de uma ética e de um padrão moral que deste a tradição racionalista afastou os humanos deles mesmos. Fundamentalmente temos que fazer escolhas. E é possível que a natureza nos dê poucos recursos para balizar estas escolhas. Nossas escolhas e assim nossos juizos, nascem de certa solidão da condição humana. Relembremos o momento dramático de Adão e Eva, renegando o estado "oceânico" (no sentido freudiano) para iniciar uma jornada de incertezas, sofrimento e dor, mas sofretudo de liberdade. Toda a psicalálise está acentada em dois princípios pulsão de visa e pulsão de morte (Dionísio e Apolínio): extase e razão. Então Nietzsche parece estar menos preocupado com a história, do que com estados mentais. É como se ele usasse a história como uma permanente metáfora da formação da consciência e sua individuação (busca de sua inteireza). O debate prossegue
4 – “O fraco, o manso, o covarde, o conciliador” - Estas referências em Nietzsche não conceitos históricos ou estados mentais? Qual é o grande esforço do marxismo pela emancipação senão demolir a introjeção da fraqueza no espírito dos esplorados? Todos estes traços de covardia e mansidão não são traços mesmos da alienação?
A emancipação acontece com toda a desconstrução de uma ética herdada de um tipo de racionalismo que legitimou muitas formas de opressão

5 - Dionínio e Apolínio são estruturas de nossa psique, quando elas se expressam de forma não dividida. A história da filosofia foi uma permanente exclusão destas duas dimensões: ora um, ora outro. Epicuro X Estoicos: prazer e flagelo do prazer e um moral estoica, que em muitos momentos transformou-se em neurose. Nietzsche não parece fazer concessões a um tipo de moralismo e conspira contra a vida (Eros)
6 - Dois mil anos de cultura judaico-cristã criaram em nós uma matriz, através da qual formulamos todos nossos juizos valorativos. E um bom exemplo é o conceito de Deus. Veja como nos sentimos desconfotável com a expressão de Nietzche: Deus está morto. Qual o efeito de dizermos: Tupã está morto! Ou Oxalá está morto! No fundo nossa reação a uma expressão de Nietzche tem mais a ver com a dimensão do sagrado que está morto em nós. Na minha estada na UNIPAZ um aprendizado que tive foi sobre nosso processo de crescimemento espiritual, que acontece exatamente quando aceitamos a morte dos apegos que temos as muitas imagens do divino, que vamos introjetando via cultura. O Bem e o Mal não devem ser diferentes. E entendo que é desta morte que nos fala Nietzche
7 - Quero voltar a esta idéia de morte em Nietzsche. Muitos filósofos, Nietzsche inclusive, poderiam afirmar uma noção de ser, desprovido de qualquer sentido daquilo que associamos a uma idéia de Deus: transcendência, totalidade, criação, etc. Ele poderia se declarar ateu e ponto. Mas não me parece ser esta a formulação de Nietzsche. Ele revela estar mais incomodado com uma determinada cultura, que poderia ser fonte de muitos sofrimentos, como a idéia de culpa, punições eternas para seres finitos, etc. E creio (estou declarando que suponho) que Nietzsche identificava em alguns valores como a compaixão e a solidariedade como sinais de fraqueza. De qualquer sorte há um processo de descontrução (detesto este neologismo). E deste processo resultam outras reflexões que podem não ter qualquer referência no filósofo em questão, mas que ele foi catalizador. O sistema organizado do Cristianismo como Igreja estimulou uma forma de crença, que resultava mais em apego à imagem do divino, do que uma experiência do sagrado. E alguns homens se identicam de tal forma a este apego, que experimentam a aniquilação deste modelo de crença como uma morte interior. Em sí esta experiência poderia resultar em um salto para frente, conduzindo a um novo patamar de espiritualidade. Todavia o que vemos são formas de regressões patológicas. Aniquilada a crença surge um enorme vasio que passa a ser preenchido com o consumo (de qualquer coisa). Entendo desta forma o cenário denunciado por Nietzsche, admitindo que possa ser um tremendo equívoco meu
8 - E parece precisamente ser esta ousadia que nos assusta. O curioso é que Marx é bem mais contundente na crítica à moral burguesa e na descontrução dos padrões de verdade herdados desde a antiguidade grega. A herança de Marx continua presente como uma denúncia a este padrão de moralidade, enquanto a contribuição de Nietzsche parece ter se refugiado em algum sistema como a psicanálise.
9 - Marx fala do homem como categoria social e histórica (quem respeita quem é definido segundo esta categoria);

10 - O conceito de Deus que você cita brevemente parece mais com a noção de Spinoza (Deus imanente). Se for isto, também a noção de Spinoza representa uma grande ruptura em relação ao conceito judaico-cristão que "organizou" a matriz ocidental da visão do bem e do mal.

11 - Nietzsche nascido na Alemanha viveu entre 1844 e 1900; Marx, também alemão, viveu entre 1818 e 1883. Os dois filósofos viveram ambientes culturais semelhantes ("A Europa estava se afogando nas rivalidades de suas maiores potencias, e questionava alguns movimentos - o nacionalismo e o anti-semitismo"). Efetivamente se havia algum pensamento com poder de dinamite, este pensamento foi o marxista. Mas em Marx temos o demolidor e o arquiteto/construtor. A crítica de Marx ao papel alienante da Igreja foi mais contundente. O homem em Marx é um ser social que possui vontade política libertadora. O Super-Homem em Nietzsche é um arquétipo e seu poder emancipador trafega sobretudo no espaço psicológico. Em que momento da história da filosofia estes dois mestres se encontram?
12 - Toda obra de Friedrich Nietzsche é profundamente perdubadora. Sua leitura nos conduz a sentimentos antagônicos: estamos de ante de um gênio? De um louco, irresponsável? Qualquer categoria que pretendemos enquadrar o pensamento deste filósofos parece nos escapar. Em um monmento prenunciamos um existencialista armagurado, em outro um romântico ensandecido, mas em todos os momentos sentimos o incômodo de alguém que nos fala de algo sobre a qual não podemos ficar indiferente. Nos próximos três dias pretendo avançar em meus comentários sobre este filósofo e para isto reproduzí o comentário integral do texto postado no Wikipedia, como se segue:
13 - A Genealogia da Moral ( é o nome de uma obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, publicada em 1887, que complementa e clarifica uma obra anterior, Para Além do Bem e do Mal ) tece uma critica a moral vigente a partir do estudo da origem dos princípios morais que regem o Ocidente desde Sócrates. Nietzsche é contra todo tipo de razão lógica e científica, e por isso leva a cabo uma crítica feroz à razão especulativa e a toda a cultura ocidental em todas as suas manifestações: religião, moral, filosofia, ciência e arte, por exemplo
14 - No começo da década de 70 participávamos de um seminário no Centro Acadêmico de Ciências Sociais na USP e claramente conseguíamos distinguir três grupos de opinião: um formado por todas as tendências próximas do pensamento marxista (os ativistas europeu, passando depois por Mao e indo a Che - sem excluir a Teologia da Libertação); o segundo grupo identificavasse como o existencialismo de Sartre (o Sartre ativista) e podíamos identificar adminiradores de Bertrand Russel ("Três paixões, simples mas irresistivelmente fortes, governam minha vida: o desejo imenso de amar, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade."B. Russel), os bicho grilo de McLuhan e outros menos notórios. Entre os existencialista alguns se aproximavam mais de Nietzsche. Naquele meio, marcadamente politizado e ideologizado mostrar admiração por Nietzsche era uma grande ousadia. Neste ambiente o que nos ficou foi um legado ambivalente: um filósofoso nos qual se apoiavam todos os que buscavam saidas no niilismo, no pessimismo e no individualismo. E é este o legado que ficou. Mas há um segundo legado: a contribuição de Nietzsche para a teoria psicanlítica. É curioso que hoje, ao lê-lo, vejo em seus conceitos mais metáforas do que uma visão sociológica do poder, da ideologia e da privação da liberdade. O que é por exemplo Vontade de Poder? Vontade pode se equivaler a desejo? Super homem pode ser visto como Meta-homem? Como uma arquético de uma humanidade amadurecida? A respostas se embaraçam e não consigo construir qualquer juizo sobre o padrão ético que emerge do pensamento de Nietzsche. Assim é!

15 - Vou propor uma entrada neste debate a partir de uma experiência pessoal. Minhas leituras sobre o dogmatismo e sobre o ceticismo suscitavam, à medida que lia dúvida e mais dúvidas, de tal forma eu não conseguia me satisfazer com uma determinada proposição. Então eu me deparei com uma definição de um teólogo chamado David Steindl-Rast, que expressou suas idéias em um livro intitulado “Pertencendo ao Universo – Exploração das Fronteiras da Ciência da Espiritualidade”, escrito em parceria com o físico Fritjof Capra (Editora Cultrix, São Paulo, 1991). O dogma seria um juízo assumido como verdadeiro, até o momento que fortes evidências pusessem este juízo em questão. Neste caso o dogmatismo seria antes uma estratégia, para permitir a elaboração de novos conhecimentos. Descartes, com sua noção de juízos provisórios para a moral, enquadra-se bem nesta vertente. Qual o lado sombrio desta visão: perdermos o momento de superação do dogma, gerando alguma forma de fundamentalismo. Mas aqui já podemos afirmar que nem todo dogmatismo é fundamentalista. De certo modo os empreendimentos humanos partem de alguma forma de certeza não questionada: isto vale para a ciência, para a experiência religiosa e para a vida cotidiana. Os axiomas são verdades assumidas de per si e nem por isto a matemática deixou de evoluir. Os insights científicos (forma de conhecimento direto, não mediado pela experiência) constitui, em determinado momento, juízos não sujeitos à dúvidas.Um cético, para ser coerente, com sua visão filosófica pode rejeitar juízos provisórios, uma vez que eles (os juízos) supõe alguma forma de conhecimento. Mas a própria rejeição é uma forma de juízo que pode ter forte carga dogmática. E isto nos leva a uma observação em círculo, até que o ceticismo se perceba como uma forma de fundamentalismo. Na história tais situações têm seu ápice numa forma de crise do modelo de conhecimento, também identificado como uma ruptura paradigmática.






Referências Bibliográficas:

1- NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003

2 - NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000

3 - NIETZSCHE, F – Para Aém do Bem e do Mal, São Paulo: Editora Martin Claret, 2007
4 – Ferry, Luc – Aprender a Viver, Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006
5 - David Steindl-Rast, “Pertencendo ao Universo – Exploração das Fronteiras da Ciência da Espiritualidade”, escrito em parceria com o físico Fritjof Capra, São Paulo Editora Cultrix, 1991