segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O Voo da Coruja de Frederico Drummond

Um livro sobre realidades paralelas
Mani Alvarez*
Um dia, em Campinas, reencontrei inesperadamente um antigo amigo de infância. Eu não sabia que era ele que havia se matriculado no meu curso a distância sobre psicologia Transpessoal e agora vinha para o nosso encontro presencial. E com ele vinha junto parte da minha história, em Sete Lagoas. Foi uma alegria muito grande reencontrá-lo.
Me lembro bem, havia um muro que dividia nossas casas, e por lá transitávamos sempre que queríamos burlar as proibições maternas. Desse muro eu chamava Wanda, sua irmã e minha amiga para compartilhar minha enorme revolta, porque minha mãe não havia me deixado sair para brincar. Tudo que vivíamos era de forma absoluta. Ali, cada uma do seu lado do muro, equilibrando num toco de madeira, nós planejávamos nossa fuga, nossa vingança, nosso sonho de justiça... aquele era o nosso muro das lamentações...
Quando, anos mais tarde, reencontrei o Frederico em Campinas, ele não era mais aquele menino que jogava mamona nas meninas nem zombava de nossa rebeldia feminina. Pelo contrário, trazia em sua bagagem uma rica trajetória pessoal de consciência intelectual e política.
Durante o curso de psicologia Transpessoal pude conhecer um homem adulto, sofrido, profundamente marcado por experiências dolorosas em sua vida. Mas, persistente na sua ânsia por experimentar a ‘magia da jornada humana’.
Penso que, em algum momento de sua vida, surgiu a inquietação para buscar, ‘no cotidiano seus melhores materiais para um novo soneto, e assim nasceu o poeta e o seu Vôo da Coruja. Impossível lê-lo sem se deixar tomar pelo espanto. A mente racional entra em colapso. Quem é quem, afinal? Que tempo/espaço é esse? Na (des)ordem dos fatos a ordem das lembranças. “De que universo estamos falando? Que território é este em que o mistério é a norma?”
Sim, Áries, um personagem onírico, o instruiu para seguir sempre sua intuição. E assim ‘teve início uma jornada, sem mapas, sem destino. Na mala o medo e algumas vezes a esperança’.
E o poeta avança: ‘O medo como doença. O medo como poesia. O medo como regente de inumeráveis matizes das palavras e sons da fala humana. O medo de Deus’.
Ás vezes, um lampejo, e ele fala da ‘felicidade como um composto químico’.  Logo em seguida, um sentimento de ‘falência e incompetência’. Ao se lembrar de antigos companheiros de militância que foram mutilados pela ditadura, e que, ‘se hoje não falam, não é porque lhes subtraíram a língua, não falam porque lhes subtraíram a alma’. Todo seu livro é uma revivência do luto profundo que envolveu sua alma por longos anos.
 Mas o menino Frederico trazia ainda na memória o riso de um tempo em que se acreditava invencível. E é com esse riso travesso que ele vai conduzindo o leitor em suas memórias de militância política, quando vivia a utopia messiânica de igualdade e justiça na Terra, quando aprendeu novas formas de economia solidária e cooperativa, quando mergulhou na magia da realidade xamânica e pôde questionar as crenças limitantes das (ditas) verdades-acadêmicas.
É bem verdade que suas leituras de física quântica o haviam preparado para essa aventura poética de lançar-se para além de tudo e de todos. Mas foi uma coruja que o colocou à prova, desafiando-o a voar para além do espaço e do tempo. E reencontrar a si mesmo com outras vestes. E se ver cara a cara com a morte, e viver todas as nuances do medo. “Decifra-me ou devoro-te’.
E foi assim que Frederico ‘experimentou paz ao descobrir que podia viver sem respostas’. Afinal, se tudo que conhecera em sua vida -- ‘meus medos, minhas inquietações, minhas buscas era tudo uma miragem?’ – não havia mais a que se apegar.
Depois de desconstruir e reconstruir a realidade de mil formas, ele encontra, finalmente, a estrada do Caminho Sagrado, aprende a honrar os valores da Grande Mãe e a compreender que seu corpo/território, suas águas, suas riquezas, não podem jamais serem demarcados, comercializados, explorados.
A coruja é o espírito que rege a filosofia. Sei que, de algum lugar ela o adverte, contudo: sim, há um solo que é sagrado. Isto é real? Ou é produto de minha imaginação?

*Mani Alvarez
doutora em Filosofia da Educação pela Unicamp
e Especialista em picologia Transpessoal

manialvarez44@gmail.com