terça-feira, 30 de outubro de 2012

A piracema progressista em Carta Maior

Vista a partir de retinas embaçadas de cansaço ou ideologia, a transformação social parece uma impossibilidade aprisionada em seus próprios termos: as coisas não mudam, se as coisas não mudarem; e se as coisas não mudarem, as coisas não mudam...

O sistema de produção baseado na mercadoria cria e apodrece previamente as pontes das quais depende a travessia para uma sociedade justa e virtuosa.

Rompe-se o lacre da fatalidade no pulo do gato das sinapses entre condições objetivas e subjetivas, diz a concepção materialista da história. Mas a dialética dura das transformações não é uma mecânica hidráulica. Não é maquinaria lubrificada, autopropelida a toque de botão.

A história é um labirinto de contradições, uma geringonça que emperra e se arrasta, desperdiça energia e cospe parafusos por onde passa. Para surgir um 'Lula' desse emaranhado tem que sacudir muito a estrutura. Greves, levantes, porradas, descaminhos etc. Dói. Demora. Décadas, às vezes séculos.

Uma liderança desse tipo - e aquelas ao seu redor; 'uma quadrilha', diz o vulgo conservador - constitui um patrimônio inestimável. Mesmo assim, é só o começo; fica longe do resolvido.

A 'pureza' política pretendida por alguns juízes do STF é pouco mais que uma bobagem de tanga disfarçada de toga diante do cipoal da história.

A cada avanço, não regredir já é um feito Quarenta milhões passaram a respirar ares de consumo e cidadania após 11 anos de governos progressistas no país. É uma espécie de pré-sal de possibilidades emancipadoras. Como evitar que essa riqueza venha a se perder nesse sorvedouro de futuro escavado por júniores & virgílios ?

Lula talvez tenha intuído o ponto de esgotamento do cardume ao final da piracema histórica impulsionada pelos grandes levantes operários do ABC paulista, nos anos 70/80.

Ao final de uma piracema, a 'rodada' do conjunto exaurido leva uma parte à morte; outra se deixa arrastar por correntezas incontroláveis; um pedaço sucumbe a predadores ferozes.

Lula precisava de um novo e gigantesco laboratório forrado de desafios e recursos para gerar contracorrentes, revigorar, sacudir e renovar a piracema progressista brasileira.

São Paulo tem o tamanho da alavanca necessária para fazer tudo isso e irradiar impulsos talvez tão fortes quanto aqueles derivados das assembleias históricas que dirigiu no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo.

Haddad, os intelectuais engajados, os movimentos sociais e as lideranças mais experientes do campo progressista terão que movê-la a partir de agora e pelos próximos quatro anos.

Está em jogo o próximo ciclo de mudanças da sociedade brasileira.

Colunistas sabichões dizem que 'se isolarmos São Paulo', Lula fracassou.

Eles não sabem do que estão falando; apenas ruminam líquidos biliares da derrota na forma de desculpas para a explícita opção pela água parada do elitismo.

Topam um Serra cercado de malafaias & telhadas. Mas abjuram a correnteza de um PT - 'sujo pela história', na sua ótica. Testam versões para abduzir a derrota esmagadora da água podre na figura do delfim decaído, José Serra , em São Paulo.

Na Folha desta 3ª feira as rugas das noites mal dormidas recebem o pancake daquilo que se anuncia como sendo "uma onda oposicionista que mudou a cara do poder no Brasil".

A manchete traz a marca do jornalismo conservador cada vez mais ancorado em 'pegadinhas' à altura dos petizes que brincam nesse tanquinho de areia tucano.

Desta vez, a Folha induz o leitor ao erro de considerar 'oposicionista' como de oposição ao governo federal e ao PT. Na verdade, o texto trata das reviravoltas em que prefeitos e seus candidatos foram batidos por adversários locais.

Mas a isenção se dispensa de fornecer ao leitor o conjunto abrangente que relativiza a parte privilegiada. Aos fatos então:

a) o PT foi o partido que fez o maior número de prefeitos (15) no segmento de cidades grandes, com 200 mil a um milhão de habitantes;

b) o PT vai governar 25% do eleitorado nesse segmento;

c) juntos, os partidos da base federal, PMDB, PSB e PDT, fizeram outros 20 prefeitos nessa categoria das grandes cidades;

d) vão governar 26% desse eleitorado;

d) no conjunto, a base federal terá sob administração mais da metade dos eleitores desses municípios.

Os colunistas da Folha exageram nas cambalhotas para induzir o leitor a 'enxergar' como foi horrível o desempenho do partido, 'se excluirmos', dizem eles, a 'vitória isolada' em SP.

Em eleições anteriores, o esforço era para decepar o Nordeste 'atrasado' do mapa relevante da política nacional e, desse modo, rebaixar a crescente hegemonia do PT.

Agora que o PT refluiu de fato em capitais do Norte e Nordeste (saldo esse que inspira preocupação) é a vez de desdenhar da vitória na praça paulistana, que reúne 6% da demografia nacional e 11% do PIB.

A narrativa da vitória 'isolada', como se São Paulo fora um ponto fora da curva no deserto eleitoral petista, não é verdadeira sob quaisquer critérios.

Sozinho, o PT administrará o maior contingente de eleitores de todo o país (1/5 do total) e a maior fatia de orçamentos municipais (22%).

A vitória em SP tampouco foi um feito solitário no estado-sede do PSDB.

Bombam a derrota em Diadema, mas além da capital, o partido manteve e reforçou o chamado cinturão vermelho. Venceu em Guarulhos, Santo André, Mauá, Jundiaí, S.José dos Campos, Osasco e São Bernardo.

Nos próximos quatro anos, com uma eleição presidencial pelo meio, o PT governará 45% do eleitorado do Estado de SP, contra 19,3% do PSDB.

O cardume subsiste numeroso. O que se discute é outra coisa: a qualidade, a força e a direção do impulso que irá dotá-lo de fôlego transformador nos próximos anos. É disso que se trata. E isso é muito mais sério do que as cambalhotas da razão nos tanquinhos de areia do dispositivo midiático conservador.
Postado por Saul Leblon às 15:17
Fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1125
 

domingo, 28 de outubro de 2012

A VITÓRIA EM SÃO PAULO DEVE SER VISTA APENAS COMO UMA NOVA FASE DE ORGANIZAÇÃO DO PT.

Relações promíscuas do governo FHC com a elite financeira

Ligações perigosas

 

O caso Econômico acabou contribuindo para expor ainda mais a teia de relações promíscuas existente entre governo, instituições financeiras do Estado e instituições financeiras privadas. Em março de 1995, o jornal Correio Braziliense publicou longa matéria denunciando o presidente do Banco Central, na época, Pérsio Arida, de vazar informações privilegiadas sobre o câmbio para especuladores e de manter amizade estreita com o banqueiro Fernão Bracher, ex-presidente do BC, um dos principais atuantes do mercado de câmbio, por intermédio do Banco BBA Credintastalt.

Três meses depois da saída de Pércio Arida, a consultoria MCM, do ex-ministro Maílson da Nóbrega divulgou, através de um serviço de telemensagens da empresa, o nome de Gustavo Loyola, como o novo presidente do Banco Central, duas horas antes do anúncio oficial do Governo. Gustavo Loyola era sócio de Maílson da Nóbrega na MCM.

Entre janeiro e fevereiro de 1997, foram divulgados os balanços dos principais bancos em atuação no mercado financeiro. O BBA, banco pertencente a ex-diretores do Banco Central, obteve os maiores lucros, chegando a 49,7% em relação ao patrimônio líquido.

A ex-diretora do BNDES, encarregada da área de privatizações, Elena Landau, esposa do ex-presidente do Banco Central, Pércio Arida, passou a trabalhar no Banco Opportunity, do qual o seu marido é um dos sócios. Em seguida o Opportunity passou a fazer parte de consórcios que compraram empresas estatais do sistema Telebrás.

O Opportunity é um dos bancos de investimentos que mais participou das privatizações brasileiras, em articulação com grandes grupos estrangeiros. Seu principal acionista, Daniel Dantas, foi quem apresentou o diagnóstico sobre o mercado brasileiro na reunião que estabeleceu o Consenso de Washington, realizada na capital norte-americana em novembro de l989, com membros do FMI, Banco Mundial e do governo dos Estados Unidos.

Em 1995 Antonio Carlos Magalhães, PFL/BA pediu a seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães, PFL/BA, para consultar Daniel Dantas sobre a crise do Banco Econômico. Dantas sugeriu a estatização temporária do banco pelo governo da Bahia com desapropriação das ações de Calmon de Sá. A proposta foi acatada, só que o Banco Central resolveu agir e se antecipou, decretou a intervenção, usou dinheiro do Proer para comprar a parte podre e vendeu a parte sã para o banco Excel e depois pelo grupo espanhol Bilbao Viscaya.

O grupo Opportunity adquiriu participações na Vale do Rio Doce, Cemig e empresas do sistema Telebrás. No leilão da Telebrás o Opportunity teve expressivas vitórias através de consórcios formados com a Telecom Itália e a canadense Telesystem International Wireless, em parceria com os maiores fundos de pensão brasileiros, como Previ (BB) e Funcef (Caixa Econômica).

Na banda B da telefonia celular o Opportunity, a canadense Telesystem, a Bell Canada, o Citibank, Banco do Brasil e fundos de pensão integraram o consórcio que criou a Americel, operando nas regiões Centro-Oeste e Norte. Com esses mesmos sócios o Opportunity opera na Telet, do Rio Grande do Sul.

Participou também do consórcio Solpart (com Telecom Itália, Previ e fundos de pensão de estatais) que comprou a Tele Centro-Sul (10 operadoras de 10 estados do Sul e Centro-Oeste), a menor das três holdings de telefonia fixa.

Na telefonia celular (banda A) participou do consórcio que comprou a Telemig Celular (de Minas Gerais) e a Tele Norte Celular (Maranhão, Pará, Roraima e Amazonas). Nessas duas empresas o Opportunity passou a ser o segundo maior acionista, com 27% do capital, depois da Telesystems, com 49%, e seis fundos de pensão, com 24%.

No leilão da Tele Norte-Leste, que abrange telefônicas do Rio ao Amazonas, o Opportunity participou de um consórcio com a Telecom Itália, esta associada com a família Marinho, dona da Rede Globo. Toda essa trama, captada em gravações clandestinas, vieram à tona no escândalo “Grampo do BNDED”. Nas conversas grampeadas entre o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ex-presidente do BNDES, André Lara Resende, eles discutiram como favorecer esse consórcio. A TV Globo pediu a cabeça de Luiz Carlos Mendonça de Barros, porque ele articulou mal o favorecimento, deixando o leilão ser vencido pela Telemar, que se tornou a maior companhia de telefonia fixa do país, com 16 subsidiárias estaduais, incluindo a Telerj.

O Opportunity associou-se também à americana Sprint Corporation (terceira maior empresa de telefonia dos EUA) no consórcio que perdeu o leilão da Embratel, vencido pela americana MCI. O banco participa ainda com 60% das ações do consórcio Metrô Rio, em associação com a argentina Cometrans.

No leilão da Flumitrens, o Opportunity integrou o consórcio Rio Express, liderado pela Construtora Andrade Gutierrez, com participação também da Regie Autonome des Transports Parisiens, operadora do metrô de Paris. Era o consórcio favorito, mas perdeu para o consórcio Bolsa 2000, formado por duas empresas espanholas, Banco Pactual e Banco Prosper.

O Opportunity cresceu extraordinariamente ao longo dos anos. Em 1994 detinha patrimônio líquido de US$ 100 milhões. Em 1995, US$ 700 milhões. Em 1996, US$ 1,2 bilhão. Segundo a assessoria do banco, o patrimônio líquido dos fundos administrados pelo banco, em 2008, era de R$ 13,87 bilhões.

Dantas foi preso pela Polícia Federal na Operação Satiagraha no dia 8 de julho de 2008. Segundo a PF, Dantas seria o líder de uma organização criminosa especializada em crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e que teria criado o Opportunity Fund, uma offshore localizada no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe.

Dois dias após a deflagração da operação, o banqueiro foi libertado beneficiado com um habeas corpus concedido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Vários processos correm contra ele na justiça.

Esses exemplos demonstram que há muito mais curto-circuito do que se imagina na teia que ligava o Banco Central aos bancos privados, corretoras e outras arapucas que sugam há anos a seiva deste País. O Banco Opportunity é o mais bem lapidado fenômeno de enriquecimento de tecnocratas que se movimentam entre suas empresas de consultorias, corretoras e os órgãos públicos responsáveis pelas finanças do país.

Tornou-se comum ver autoridades da área financeira estatal ao mesmo
tempo serem donas ou sócias de empresas de consultorias que prestam serviços a empresas que atuam no mercado financeiro. Evidentemente, não é um fenômeno novo mas, nas décadas 80 e 90, talvez pelo fato da edição de sucessivos planos econômicos de cunho monetarista, essa situação se intensificou e o tráfico de influências e de informações privilegiadas se transformou numa fonte de enriquecimento de muita gente. Os escândalos na área financeira se multiplicaram.

De todos os escândalos que caracterizam a promiscuidade da relação entre as instituições financeiras estatais e as demais do setor privado, o que mais chocou a sociedade brasileira foi o ocorrido em janeiro de 1999, na crise cambial.

Antes da desvalorização do real, no dia 11 de janeiro, apenas no mercado flutuante, segundo dados do Banco Central da época, estavam vendidos US$ 821 milhões de dólares. No dia 12, um dia antes da desvalorização do real, houve uma mudança brusca do mercado e esse mesmo mercado inverteu completamente suas posições, passando a comprado em US$ 206 milhões de dólares. Ou seja, de um dia para o outro, as instituições financeiras trocaram posições, apenas no mercado de câmbio, da ordem de US$ 1 bilhão de dólares. Isso sem mencionar a Bolsa de Mercadorias e Futuros e o mercado futuro de câmbio, que é onde se operam as grandes transações desse mercado.

Quando se iniciou a desvalorização, no dia 13, o movimento de compra se volatizou, em razão da percepção dos especuladores da sobrevalorização do câmbio; uma desvalorização feita fora de hora, quando as reservas do Brasil estavam baixas e o cenário internacional desfavorável. O momento da desvalorização não poderia ter sido pior. Havia uma crise de confiança, os credores cortaram as linhas de crédito comercial de curto prazo, o financiamento das linhas de importação estavam praticamente paralisadas, o que acabou acelerando a fuga de capitais, superando US$ 48,5 bilhões de dólares. O Banco Central tentou introduzir a banda-diagonal-endógena, não durou 24 horas. O mercado cambial disparou a comprar dólar, chegando a US$ 1,74 bilhões de dólares, no dia 13 e, no dia 14, saltou para mais de US$ 2,1 bilhões de dólares.

Havia, evidentemente, naquele momento um franco processo de desestabilização da taxa cambial, mas o que o Banco Central não conseguiu explicar, de forma convincente, é, porque um dia antes da desvalorização, só no mercado de câmbio, houve uma mudança tão brusca de posição de US$ 1 bilhão de dólares, num mercado que vinha vendendo há algum tempo e tornara-se comprador. O então deputado Aloizio Mercadante, PT/SP, denunciou esse fato na Câmara dos Deputados com uma análise detalhada do que realmente aconteceu na crise cambial.

Mercadante recomendou ao Banco Central uma rigorosa investigação em nove bancos que estiveram com suas posições alteradas às vésperas da desvalorização do Real. São eles: o BBM, Morgan, ING, Banco de Boston, Banco Garantia, Banco Pactual, Citibank, Banco do Estado de Alagoas e Matrix.

Alguns órgãos de imprensa na época noticiou que o Banco FonteCindan e o Banco Marka, teriam comprado dólares no dia 14 de janeiro a R$ 1,32, quando a moeda já estava a R$ 1,47, com o Real em franca desvalorização. O Banco Central chegou a vender dólar a R$ 1,27, quando o dólar já estava a R$ 1,32, para, segundo os diretores, impedir a quebra dos bancos.
Fundamentado nos dados apresentados o deputado Aloizio Mercadante afirmou que houve vazamento de informações de dentro do Banco Central para beneficiar um grupo de bancos e corretoras, fato esse confirmado posteriormente pelas investigações. Após esperar um mês por uma explicação do Banco Central, sem sucesso, Mercadante encaminhou à Mesa da Câmara dos Deputados um requerimento, com mais assinaturas do que as cento e setenta e uma necessárias, para instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, destinada a investigar o caso.

Mas o Presidente da Câmara, Michel Temer, PMDB/SP, não se mobilizou para viabilizar a CPI. Os líderes dos partidos da base governista e o presidente da República preferiram montar uma "operação abafa", passando a pressionar os parlamentares aliados a retirarem as assinaturas de apoio e conseguiram mais uma vez barrar a instalação de uma CPI para investigar outro escândalo financeiro.

Parte da imprensa informou que na véspera da desvalorização o ministro da fazenda, Pedro Malan esteve no Banco Central durante à tarde em reunião com diretores do BC. À noite, Fernando Henrique, Pedro Malan e Francisco Lopes, na época presidente do Banco Central, jantaram juntos. Evidentemente, essas autoridades não falaram somente de vinhos, queijos picanhas, com o país em pleno ataque especulativo.

Como as evidências do escândalo financeiro ganharam as páginas dos jornais o ex-senador Jader Barbalho, na época presidente do PMDB, principal partido aliado do governo, apresentou no Senado um requerimento pedindo a instalação de uma CPI para investigar o caso. Na Câmara dos Deputados já havia um requerimento com mais assinaturas do que o necessário e era de CPI mista, isto é, de deputados e senadores. A iniciativa de Jader foi articulada com o Planalto e era uma demonstração clara de manobra para isolar das investigações o ministro da Fazenda, Pedro Malan e o Presidente da República. No Senado os governistas, com esmagadora maioria na CPI, não investigaram o que deveriam, enveredaram-se por derivadas, desviando o foco das investigações. Não convocaram sequer os banqueiros representantes das grandes corporações que participaram do ataque especulativo.

A CPI no máximo conseguiu criar fatos pitorescos como a prisão do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, por se recusar a depor. Em novembro de 1999 a CPI concluiu os trabalhos. O relatório final apenas apontou supostos crimes no socorro aos bancos Marka e FonteCindan e um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos. O documento da CPI trata genericamente da necessidade de investigar supostos crimes praticados por dirigentes e servidores do Banco Central. Líderes dos partidos aliados do governo utilizaram termos genéricos no relatório da CPI para favorecer a aprovação do nome de Tereza Grossi Togni, à época candidata a diretora do Departamento de Fiscalização Bancária, do Banco Central. Tereza Grossi Togni teve seu nome aprovado pelo Senado para ocupar a diretoria do Banco Central, mas respondia na justiça a processos movidos pelo Ministério Público.

No momento de tensão, na crise cambial, o Banco Marka recebeu R$ 1,2 bilhão de reais para não falir e faliu. O mesmo aconteceu com o Banco FonteCindan. As operações foram registradas na Bolsa de Mercadorias e Futuros em 15 de janeiro, com data retroativa a 14 de janeiro. O dono do Banco Marka, Salvatore Alberto Cacciola, em entrevista à imprensa disse que ele teve acesso a informações privilegiadas e apontou o economista Rubens Novaes como intermediário entre o Banco Central e os bancos privados.

A proposta de venda de dólares no mercado futuro, na Bolsa de Mercadorias e Futuros, foi formalizada pelos diretores de Assuntos Internacionais do Banco Central, Demósthenes Madureira Pinho, e de Fiscalização Bancária, Cláudio Mauch, segundo eles declararam à imprensa, para proteger instituições com dificuldades financeiras. O voto, de número 006/99, submetido à Diretoria do BC foi aprovado em 14 de janeiro e não se referia a qualquer instituição específica. Na justificativa do voto, Demósthenes Madureira e Cláudio Mauch relatam uma carta encaminhada ao Banco Central pelo superintendente-geral da BM&F, Dorival Rodrigues Alves, datada do dia 14 de janeiro, solicitando providências para que fosse evitada uma "crise sistêmica". Curioso é que a carta do presidente do Banco Marka, Salvatore Caciola, pedindo ajuda do Banco Central para reverter as posições vendidas no mercado futuro de dólares, também tem a mesma data, coincidentemente, do mesmo dia da aprovação do voto que permitiu a venda de dólares. O Banco FonteCidan não formalizou pedido de ajuda por carta ou fax, informou diretamente ao Banco Central, por telefone, sobre as condições de mercado, a situação a respeito das posições assumidas no mercado futuro e tratou diretamente com o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes e com Cláudio Mauch. A data desse contato telefônico foi o dia 14 de janeiro, conforme documentos e informações prestadas à CPI dos Bancos no Senado Federal. Francisco Lopes foi acusado de fornecer informações sigilosas para a Macrométrica, empresa de consultoria de sua propriedade.

O fato é que, no dia seguinte, após a desvalorização do real, em 14 de janeiro, o Banco Central vendeu dólares ao Banco Marka por R$ 1,27 reais, quando a moeda americana já estava sendo negociada a R$ 1,32 reais. Sérgio Bragança e Luiz Augusto Bragança, ex-sócios da consultoria Macrométrica, de propriedade de Francisco Lopes à época, Presidente do Banco Central, foram acusados de vender informações privilegiadas ao banqueiro Salvatore Cacciola.

O Banco do Brasil vendeu 110 mil contratos no mercado futuro de câmbio, o que corresponde a US$ 11 bilhões de dólares. Na esteira dessa crise, o Banco do Brasil perdeu US$ 7,89 bilhões de dólares na especulação com dólar futuro, devido ao pânico criado por boatos espalhados em todo o país. Houve uma corrida de correntistas às agências para sacarem dinheiro.

O Brasil perdeu US$ 42 bilhões de dólares de reservas cambiais, e todos que remeteram dólares baratos para fora do país, trouxeram de volta com realização de lucros de até 80% a mais em reais. O governo sabe que 24 bancos ganharam R$ 10 bilhões de reais especulando contra o real, na BM&F. O Ministério da Fazenda e o Banco Central preferiram silenciar-se e manobrar juntamente com líderes dos partidos da base governista para que a CPI não chegasse a todos os responsáveis pelos crimes financeiros.

Enquanto presidia o Banco Central e mesmo no período em que foi diretor da área econômica do banco, Francisco Lopes não deixou de despachar no escritório da sua empresa no Rio, a Macrométrica, que tinha o Banco Marka como um dos seus clientes. Isso aconteceu de janeiro de 1995 a janeiro de 1999. Durante as investigações foi encontrado na casa de Francisco Lopes um bilhete de Sérgio Bragança, datado de 04 de agosto de 1996, e endereçado à mulher de Francisco Lopes, Araci Pugliese, onde estava escrito: "Venho declarar que Francisco Lopes tem sob minha custódia US$ 1,675 milhão depositado em minhas contas no exterior."

Convocado para depor na CPI dos bancos no Senado, Francisco Lopes, orientado pelo seu advogado e possivelmente pelo governo, se recusou a prestar qualquer esclarecimento aos senadores da CPI. Por esse ato inesperado, Francisco Lopes foi preso, pagou fiança, foi liberado e repetiu o mesmo na Delegacia de Combate ao Crime Organizado e de Inquéritos Especiais da Polícia Federal. Nessa delegacia, Francisco Lopes se recusou a apresentar provas que derrubassem as suspeitas de ter US$ 1,675 milhão de dólares no Exterior, na conta de seu ex-sócio, Sérgio Bragança. Francisco Lopes se negou a fazer exames grafotécnicos e acabou indiciado por evasão de divisas.

O banqueiro Salvatore Cacciola, do Banco Marka, e Luiz Augusto Bragança, da Macrométrica, foram presos pela Polícia Federal, ficaram dois meses detidos, mas foram soltos, beneficiados por um Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, concedido pelo ministro Marco Aurélio Melo, hoje um carrasco no julgamento do “mensalão”. Cacciola fugiu para a Itália. O governo italiano negou extradição do banqueiro, uma vez que ele possuía cidadania italiana.

A Justiça brasileira, em 2005, o condenou a 13 anos de prisão em primeira e segunda instâncias, mas só foi preso em 2007, quando localizado pela Interpol em Mônaco. Cacciola foi extraditado ao Brasil em meados de 2008 e esteve preso no Rio de Janeiro. Um caso raro em que a justiça brasileira manda prender um ricaço.

Em agosto de 2011, deixou a prisão após a Justiça conceder liberdade condicional. Cacciola recebeu o beneficio por cumprimento de um terço da pena, por ter mais de 60 anos e por bom comportamento.

A situação dos tecnocratas do Banco Central se complicou ainda mais devido divulgação da informação de que em 28 de fevereiro de 1998, um ano antes de ocorrer a quebra do banco, foi concluída uma inspeção Geral Consolidada, depois de sete inspeções feitas anteriormente, onde sete inspetores do Banco Central, durante três meses dentro do Banco FonteCindan, confirmaram que o banco estava extremamente alavancado, sujeito a riscos e com administração temerária. O Banco Central sabia da situação do Banco FonteCindan seis meses antes da desvalorização. Tereza Grossi, diretora do BC, em seu depoimento na CPI dos bancos, negou que soubesse da situação do FonteCindan, não deixou que o processo sobre o banco chegasse à CPI e o BC não providenciou a intervenção no Banco FonteCindan.

As suspeitas de tráfico de informações entre o Banco Central e as instituições financeiras privadas são antigas, mas no período da política monetarista se intensificaram. A partir de 1986 o Brasil foi submetido a cinco planos econômicos elaborados pela tecnocracia, para tentar solucionar a crise econômico-financeira. Esses planos, destinados ao controle da inflação, na sua grande maioria, são ancorados na moeda. Somando-se a isso as novas tecnologias de informação, o ambiente se tornou propício para a especulação financeira.

Apenas para efeito de ilustração, no fechamento do primeiro semestre de 1999, após o ataque especulativo, os bancos tiveram os maiores lucros de suas histórias. Um período dramático para a produção industrial, que registrou uma redução de produção da ordem de 3,2% em relação ao mesmo período de 1998.

A consultoria Austin Assis fez um estudo baseado em 15 balanços publicados e constatou que o lucro líquido sobre o patrimônio dos bancos foi de 35,35%, sendo que no mesmo período no ano anterior foi de 11,02%. O lucro líquido declarado dos 15 bancos foi de R$ 2,560 bilhões de reais, contra R$ 194,5 milhões no primeiro semestre de 1998. Em resumo, o crescimento foi de 1.216%.

Os bancos estrangeiros que participaram ativamente do ataque especulativo, em janeiro de 1999, tiveram lucros fantásticos. São eles: o J. P. Morgan, o Morgan Garanty Trust e o Chase Manhattan. O J.P. Morgan com patrimônio no Brasil de R$ 65,43 milhões de reais, em 1998, obteve lucro de R$ 243,61 milhões no primeiro trimestre de 1999 e multiplicou seu patrimônio líquido por 2,3 vezes, em dólar.

Portanto, aí está a contradição da política econômica do governo Fernando Henrique. Enquanto o sistema financeiro obtém lucros fantásticos com a especulação financeira a indústria, o setor de serviços, o comércio e a agricultura ostentam recordes de desemprego e a crise social se alastrou. O presidente da República, de salão em salão, pelo mundo afora, falava de um Brasil que só existia na cabeça dele e na cabeça dos tecnocratas que o assessoram. Um Brasil gestado na redoma do Palácio do Planalto, completamente desconectado da realidade.

(*) Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.
Fonte:http://entrancodeviceversa.blogspot.com.br/2012/08/relacoes-promiscuas-do-governo-fhc-com.html

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A VERTIGEM DO SUPREMO

Raimundo Rodrigues Pereira é um herói do jornalismo brasileiro, que criou o jornal Movimento e enfrentou a ditadura militar. Agora, ele abre uma nova frente de combate, desta vez com o Supremo Tribunal Federal, ao demonstrar que o desvio de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão, simplesmente não ocorreu. Leia em primeira mão a reportagem de capa da revista Retrato do Brasil, que vai às bancas em 1º de novembro e que, nesta semana, estará disponibilizada no site da revista, amparada também em documentos:

A VERTIGEM DO SUPREMO

Os ministros do STF deliraram: não houve o desvio de 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão. Acompanhe a nossa demonstração
Por Raimundo Rodrigues Pereira, da revista Retrato do Brasil

A tese do mensalão como um dos maiores crimes de corrupção da história do País foi consagrada no STF. Veja-se o que diz, por exemplo, o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, ao condenar José Dirceu como o chefe da “quadrilha dos mensaleiros”. O mensalão foi “um projeto de poder”, “que vai muito além de um quadriênio quadruplicado”. Foi “continuísmo governamental”, “golpe, portanto”. Em outro voto, que postou no site do tribunal dias antes, Britto disse que o mensalão envolveu “crimes em quantidades enlouquecidas”, “volumosas somas de recursos financeiros e interesses conversíveis em pecúnia”, pessoas jurídicas tais como “a União Federal pela sua Câmara dos Deputados, Banco do Brasil-Visanet, Banco Central da República”.
Britto, data vênia, é um poeta. Na sua caracterização do mensalão como um crime gigante, um golpe na República, o que ele chama de Banco do Brasil-Visanet, por exemplo? É uma nova entidade financeira? Banco do Brasil a gente sabe o que é: é aquele banco estatal que os liberais queriam transformar em Banco Brasil, assim como quiseram transformar a Petrobras em Petrobrax, porque achavam ser necessário, pelo menos por palavras, nos integrarmos ao mundo financeiro globalizado.
De fato, Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, responsável, no Brasil, pelos cartões emitidos com a chamada bandeira Visa (hoje o nome fantasia mudou, é Cielo). Banco do Brasil-Visanet não existia, nem existe; é uma entidade criada pelo ministro Britto. E por que, como disse no voto citado, ele a colocou junto com os mais altos poderes do País - a União Federal, a Câmara dos Deputados e o Banco Central da República? Com certeza porque, como a maioria do STF, num surto anti-corrupção tão ruim quanto os piores presenciados na história política do País, viu, num suposto escândalo Banco do Brasil-Visanet, uma espécie de revelação divina. Ele seria a chave para transformar num delito de proporções inéditas o esquema de distribuição, a políticos associados e colaboradores do PT, de cerca de 50 milhões de reais tomados de empréstimo, de dois bancos mineiros, pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No dia 13 de julho de 2005, menos de um mês depois de o escândalo do mensalão ter surgido, com as denúncias do deputado Roberto Jefferson, a Polícia Federal descobriu, no arquivo central do Banco Rural, em Belo Horizonte, todos os recibos da dinheirama distribuída. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, um empresário de publicidade mineiro, principais operadores da distribuição, contaram sua história logo depois. E não só eles como mais algumas dezenas de pessoas, também envolvidas no escândalo de alguma forma, foram chamadas a depor em dezenas de inquéritos policiais e nas três comissões parlamentares de inquérito que o Congresso organizou para deslindar a trama.
Todos disseram que se tratava do famoso caixa-dois, dinheiro para o pagamento de campanhas eleitorais, passadas e futuras. Como dizemos, desde 2005, tratava-se de uma tese razoável. Por que razoável, apenas? Porque as teses, mesmo as melhores, nunca conseguem juntar todos os fatos, sempre deixam alguns de lado. A do caixa-dois é razoável. O próprio STF absolveu o publicitário Duda Mendonça, sua sócia Zilmar Fernandes e vários petistas, que receberam a maior parte do dinheiro do chamado valerioduto, porque, a despeito de proclamar que esse escândalo é o maior de todos, a corte reconheceu tratar-se, no caso das pessoas citadas, de dinheiro para campanhas eleitorais. E a tese do caixa-dois é apenas razoável, como dissemos também, porque fatos ficam de fora.
É sabido, por exemplo, que, dos 4 milhões recebidos pelo denunciante Roberto Jefferson - que jura ser o dinheiro dele caixa dois e o dos outros, mensalão - uma parte, modesta é verdade, foi para uma jovem amiga de um velho dirigente político ligado ao próprio Jefferson e falecido pouco antes. Qualquer criança relativamente esperta suporia também que os banqueiros não emprestaram dinheiro ao PT porque são altruístas e teria de se perguntar porque o partido repassou dinheiro ao PTB, PL e PP, aliados novos, e não ao PSB, PCdoB, aliados mais fiéis e antigos. Um arguto repórter da Folha de S. Paulo, num debate recente sobre o escândalo, com a participação de Retrato do Brasil, disse que dinheiro de caixa-dois é assim mesmo. E que viu deputado acusado de ter recebido o dinheiro do valerioduto vestido de modo mais sofisticado depois desses deploráveis acontecimentos.
O problema não é com a tese do caixa-dois, no entanto. Essa é a tese dos réus. No direito penal brasileiro, o réu pode até ficar completamente mudo, não precisa provar nada. É ao ministério público, encarregado da tese do mensalão, que cabe o ônus da prova. E essa tese é um horror. No fundo, é uma história para criminalizar o Partido dos Trabalhadores, para bem além dos crimes eleitorais que ele de fato cometeu no episódio. O escândalo Banco do Brasil-Visanet, que é o pilar de sustentação da tese, não tem o menor apoio nos fatos.
Essencialmente, a tese do mensalão é a de que o petista Henrique Pizzolato teria desviado de um “Fundo de Incentivo Visanet” 73,8 milhões de reais que pertenceriam ao Banco do Brasil. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Valério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público.
Essa história já existia desde a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Foi encampada pelos dois procuradores-gerais da República, Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, que fizeram os trabalhos da acusação. E foi transformada num sucesso de público graças aos talentos do ministro Joaquim Barbosa na armação de uma historinha ao gosto de setores de uma opinião pública sedenta de punir políticos, que em geral considerada corruptos, e ao surto anticorrupção espalhado por nossa grande mídia, que infectou e levou ao delírio a maioria do STF.
Por que a tese do mensalão é falsa? Porque o desvio dos 73,8 milhões de reais não existe. A acusação disse e o STF acreditou que uma empresa de publicidade de Valério, a DNA, recebeu esse dinheiro do Banco do Brasil (BB) para realizar trabalhos de promoção da venda de cartões de bandeira Visa do banco, ao longo dos anos 2003 e 2004. E haveria provas cabais de que esses trabalhos não foram realizados.
A acusação diz isso, há mais de seis anos, porque ela precisa de que esse desvio exista. Porque seria ele a prova de serem os 50 milhões de reais do caixa dois confessado por Delúbio e Valério inexistentes e de os empréstimos dos bancos mineiros ao esquema Valério-Delúbio serem falsos e decorrentes de uma articulação política inconfessável de Dirceu com os banqueiros. Ocorre, no entanto, que a verdade é oposto do que a acusação diz e o STF engoliu. Os autos da Ação Penal 470 contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os 73,8 milhões de reais.
No nosso site na internet, RB está apresentando, a todos os interessados em formar uma opinião mais esclarecida sobre o julgamento que está sendo concluído no STF, um endereço onde pode ser localizada a mais completa auditoria sobre o suposto escândalo BB-Visanet. Nesse local o leitor vai encontrar os 108 apensos da AP 470 com os trabalhos dessa auditoria. São documentos em formato pdf equivalentes a mais de 20.000 páginas e foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005 e depois estendido com interrogatórios de pessoas envolvidas e de documentos coletados ao longo de 2006.
A auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia. Mas, ao analisar o caso, não o fez da forma interesseira e escandalosa da procuradoria geral da República e do relator da AP 470 Joaquim Barbosa, empenhados em criminalizar a ação do PT. Fez um levantamento amplo do que foram as ações do Fundo de Incentivo Visanet (FIV) desde sua criação em 2001.
Um resumo da auditoria, de 32 páginas, está nas primeiras páginas do terceiro apenso (Vol. 320). Resumindo-a mais ainda se pode dizer que:
* As regras para uso do fundo pelo BB têm duas fases: uma, de sua criação em 2001 até meados de 2004, quando o banco adotou como referencial básico para uso dos recursos o Regulamento de Constituição e Uso do FIV da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP); e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o BB criou uma norma própria para o controle do fundo.
*Entre 2001 e 2004, a CBMP pagou, por ações do FIV programadas pelo BB, aproximadamente 150 milhões de reais – 60 milhões nos anos 2001-2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto; e 90 milhões nos anos 2003-2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E, nos dois períodos, sempre 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco.
*O BB decidiu, em 2001, por motivos fiscais, que os recursos do FIV não deveriam passar pelo banco. A CBMP pagaria diretamente os serviços através de agências contratadas pelo BB. A DNA e a Lowe Lintas foram as agências, no período 2001-2002. No final de 2002 o BB decidiu especializar suas agências e só a DNA ficou encarregada das promoções do FIV. Os originais dos documentos comprobatórios das ações ficavam na CBMP, não no BB, em todos os dois períodos.
*O fato de o BB encomendar as ações mas não ser o controlador oficial das mesmas fez com que, nos dois períodos, 2001-2002 e 2003-2004, fossem identificadas, diz a auditoria, “fragilidades no processo e falhas na condução de ações e eventos”, que motivaram mudanças nos controles de uso do fundo. Essas mudanças foram implementadas no segundo semestre de 2004, a partir de 1 de setembro.
*O relatório destaca algumas dessas “fragilidades” e “falhas”. Aqui destacaremos a do controle dos serviços, para saber se as ações de promoção tinham sido feitas de fato. Os auditores procuraram saber se existiam os comprovantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas. **Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Descobriram que, para os dois períodos 2001-2002 e 2003-2004 igualmente, somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, tinha-se quase metade dos recursos despendidos.
**Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP, que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação e dos documentos originais de comprovação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena - em proporção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, 0,1% em 2002, 0,4% em 2003 e 1% em 2004.
*Dizem ainda os auditores: com as novas normas, em função das mudanças feitas nas formas de controlar o uso do dinheiro do FIV pelo BB, entre janeiro e agosto de 2005 foram executadas sete ações de incentivo, no valor de 10,9 milhões de reais e se pode constatar que, embora ainda precisassem de aprimoramento, as novas regras fixadas pelo banco estavam sendo cumpridas e os “mecanismos de controle” tinham sido aprimorados.
Ou seja: o uso dos recursos do FIV pelo BB foi feito, sob a gestão do petista Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzolato ao banco. E mais: foi sob a gestão de Pizzolato, em meados de 2004, que as regras para uso e controle dos recursos foram aprimoradas.
Mais reveladora ainda é análise dos apensos em busca das evidências de que os trabalhos de promoção dos cartões Visa vendidos pelo BB foram feitos. E essas evidências são torrenciais. Uma amostra dessas promoções que devem ser do conhecimento de milhares e milhares de brasileiros estão no quadro abaixo.
Em toda a documentação da auditoria existem questionamentos, são apresentados problemas. Mas de detalhes. Não é disso que se tratou no julgamento da AP 470 no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer apresentar os 73,8 milhões gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como diz o ministro Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”. Essa conclusão é um delírio. As campanhas de promoção não só existiram como deram resultados espetaculares para o BB tendo em vista os objetivos pretendidos. O banco tornou-se o líder nos gastos com cartões Visa no Brasil.
Em 2003, o banco emitiu 5,3 milhões desses cartões, teve um crescimento de cerca de 35% no seu movimento de dinheiro através deles, tornou-se o número um nesse quesito entre os associados da CBMP. No final do ano, 18 de dezembro, às 14h30 horas, em São Paulo, no Itaim Bibi, rua Brigadeiro Faria Lima 3729, segundo andar, sala Platinum, de acordo com ata do encontro, os representantes dos sócios no Conselho de Administração da CBMP se reuniram e aprovaram o plano para o ano seguinte. Faturamento esperado nas transações com os cartões Visa para 2004, 156 bilhões de reais. Dinheiro do FIV, ou seja: recursos para as promoções dos cartões pelos vários bancos associados, 0,10%, ou seja 1 milésimo, desse total: 156 milhões. Parte a ser usada pelo BB, que era, dos 25 sócios da CBMP, o mais empenhado nas promoções: 35 milhões de reais.
Pode-se criticar esse esquema Visanet-BB. O governo está querendo que as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais pelos uso dos cartões sejam reduzidas. Na conta feita no parágrafo anterior, dos 156 bilhões de reais a serem movimentados pelos cartões em 2004, o dinheiro que iria para o esquema Visanet-BB seria de 4% a 6% desse total, ou seja, ficaria entre 6 a 10 bilhões de reais (ou seja, a verba programada para o fundo de incentivos na promoção dos cartões foi pelo menos 40 vezes menor). A procuradoria da República e o ministro Barbosa sabem de tudo isso. Se não o sabem é porque não quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados.

domingo, 14 de outubro de 2012

Fábio Comparato: PARA ENTENDER O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

Fábio Konder Comparato




Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.
Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.
No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político.
Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.
Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.
No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.
Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.
Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.
Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos, e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.
E o Judiciário nisso tudo?
Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.
Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e queda.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.
Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados.

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento.
Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.
Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”.
Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/10/14/comparato-e-os-juizes-do-stf-sao-culpados/

Vai terminando a geração que deu luz aos tucanos como partido e protagonizaram seu auge – o governo FHC "

por Emir Sader, no seu blog


Os tucanos nasceram de forma contingente na política brasileira, apontaram para um potencial forte, tiveram sucesso por via que não se esperava, decaíram com grande rapidez e agora chegam a seu final.

Os tucanos nasceram de setores descontentes do PMDB, basicamente de São Paulo, com o domínio de Orestes Quercia sobre a secção paulista do partido. Tentaram a eleição de Antonio Ermirio de Morais, em 1986, pelo PTB, mas Quércia os derrotou.

Se articularam então para sair do PMDB e formar um novo partido que, apesar de contar com um democrata–cristão histórico, Franco Montoro, optou pela sigla da social democracia e escolheu o símbolo do tucano, para tentar dar-lhe um caráter brasileiro.

O agrupamento foi assim centralmente paulista, incorporando a alguns dirigentes nacionais vinculados a esse grupo, como Tasso Jereisatti, Álvaro Dias, Artur Virgílio, entre outros. Mas o núcleo central sempre foi paulista – Mario Covas, Franco Montoro, FHC .

A canditadura de Covas à presidência foi sua primeira aparição pública nacional. Escondido atrás do perfil de candidatos como Collor, Lula, Brizola, Uysses Guimarães, Covas tentou encontrar seu nicho com um lema que já apontava para o que terminariam sendo os tucanos – Por um choque de capitalismo.

O segundo capítulo da sua definição ideológica veio no namoro com o governo Collor, que se concretizou na entrada de alguns tucanos no governo – Celso Lafer, Sergio Rouanet. Se revelava a atração que a “modernização neoliberal” tinha sobre os tucanos. O veto de Mário Covas impediu que os tucanos fizessem o segundo movimento, de ingresso formal no governo Collor – o que os teria feito naufragar com o impeachment e talvez tivesse fechado seu posterior caminho para a presidência.

Mas o modelo que definitivamente eles seguiram veio da Europa, da conversão ideológica e política dos socialistas franceses no governo de Mitterrand e no governo de Felipe Gonzalez na Espanha. A social democracia, como corrente, optava por uma adesão à corrente neoliberal, lançada pela direita tradicional, à que ela aderia, inicialmente na Europa, até chegar à América Latina.

No continente se deu um fenômeno similar: introduzido por Pinochet sob ditadura militar, o modelo foi recebendo adesões de correntes originariamente nacionalistas – o MNR da Bolívia, o PRI do México, o peronismo da Argentina – e de correntes social democratas – Partido Socialista do Chile, Ação Democrática da Venezuela, Apra do Peru, PSDB do Brasil.

Como outros governantes das correntes aderidas ao neoliberalismo – como Menem, Carlos Andres Peres, Ricardo Lagos, Salinas de Gortari -, no Brasil, os tucanos puderam chegar à presidência, quando a América Latina se transformava na região do mundo com mais governos neoliberais e em suas modalidades mais radicais.

O programa do FHC era apenas uma pobre adaptação do mesmo programa que o FMI mandou para todos os países da periferia, em particular para a América Latina. Ao adotá-lo, FHC reciclava definitivamente seu partido para ocupar o lugar de centro do bloco de direita no Brasil, quando os partidos de origem na ditadura – PFL, PP – tinham se esgotado. (Quando o Collor foi derrubado, Roberto Marinho disse que a direita já não elegeria mais um candidato seu, dando a entender que teriam que buscar alguém fora de suas filas, o que se deu com FHC.)

O governo teve o sucesso espetacular que os governos neoliberais tiveram em toda a América Latina no seu primeiro mandato: privatizações, corte de recursos públicos, abertura acelerada do mercado interno, flexibilização laboral, desregulamentações. Contava com 3/5 do Congresso e com o apoio em coro da mídia. Como outros governos também, mudou a Constituição para ter um segundo mandato.

Da mesma forma que outros, conseguiu se reeleger, já com dificuldades, porque seu governo havia projetado a economia numa profunda e prolongada recessão. Negociou de novo com o FMI, foi se desgastando cada vez mais conforme a estabilidade monetária não levou à retomada do crescimento econômico, nem à melhoria da situação da massa da população e acabou enxotado, com apoio mínimo e com seu candidato derrotado.

Aí, os tucanos já tinham vivido e desperdiçado seu momento de glória. Estavam condenados a derrotas e à decadência. Se apegaram a São Paulo, seu núcleo original, desde onde fizeram oposição, muito menos como partido – debilitado e sem filiados – e mais como apêndice pautado e conduzido pela mídia privada.

Derrotado três vezes sucessivas para a presidência e perdendo cada vez mais espaços nos estados, o PSDB chega a esta eleição aferrado à prefeitura de São Paulo, onde as brigas internas levaram à eleição de um aliado, que teve péssimo desempenho.

Os tucanos chegam a esta eleição jogando sua sobrevivência em São Paulo, com riscos graves de, perdendo, rumarem para a desaparição política. Ninguém acredita em Aécio como candidato com possibilidade reais de vencer a eleição para a presidência, menos ainda o Alckmin.

Vai terminando a geração que deu luz aos tucanos como partido e protagonizaram seu auge – o governo FHC – que, pela forma que assumiu, teve sucesso efêmero e condenou – pelo seu fracasso e a imagem desgastada do FHC e do seu governo – à desaparição política.

sábado, 13 de outubro de 2012

Tarso Genro: "E o principal erro que poderemos cometer será utilizar esta jurisprudência contra os adversários da revolução democrática em curso, desejando e propagando que eles devem ser condenados sem provas, com linchamentos prévios pela mídia".

O processo judicial em curso, pela massiva campanha condenatória que o precedeu, tornou-se um processo político e altamente politizado. Foi anulado o significado pedagógico e moral, que ele poderia ter para o futuro democrático do país, se o princípio da presunção da inocência fosse observado e o espírito de linchamento não tivesse sido disseminado, como foi. Não se trata de “defender” Genoino e Dirceu. Trata-se de avaliar como chegamos a uma situação que lembra a hipotética ou real manchete de um jornal soviético, na era stalinista: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov.” O artigo é de Tarso Genro.
por Tarso Genro, em Carta Maior

Em alguns momentos da história o Direito é testado a respeito da sua verdadeira força constitutiva na vida das pessoas, de um grupo social determinado ou de uma nação. Compartilhei com o Supremo alguns destes debates, na condição de ministro da Justiça e lembro-me de dois deles, que foram lapidares. Testaram os limites do projeto democrático em curso que, como se sabe, não partiu de uma ruptura do regime militar, mas de um acordo “pelo alto”, legitimado pelo processo constituinte, que consagrou as liberdades políticas e produziu a vigorosa Constituição de 88.
O “teste” da importância da Constituição na vida de um povo é tanto político, como jurídico. O teste mais forte, no entanto, sempre faz o “político” e o “jurídico” convergirem para o que grandes juristas designam como “força normativa da Constituição”. Esta força normativa é a síntese entre a “Constituição real” (pela qual o direito realiza-se orientado não somente pela lei, mas também pela força do dinheiro, da cultura, da possibilidade que os grupos e classes tem de influenciar os tribunais), e a “Constituição formal”, ou seja, com aquelas influências limitadas no disposto como direito positivo, declarado pelo poder constituinte.
A demarcação da “Raposa Serra do Sol” e o debate que ficou conhecido como “revisão da Lei da Anistia” (a mídia propagou errônea e deliberadamente que pretendíamos a “revisão” da Lei e não a sua “interpretação”), foram dois destes casos. Ambos poderiam ser decididos livre e coerentemente, na sistemática legal atual, para qualquer lado: poder-se-ia decidir que o território era contínuo e assim beneficiar as comunidades indígenas (que foi a decisão do STF), ou dizer que o território indígena deveria ser descontínuo e segmentado e, desta forma, beneficiar-se-ia os que ali se localizavam de boa fé, cometendo crimes ambientais e ocupando terras da União.
Tanto no primeiro como no segundo caso, dois valores se opunham. No caso “Raposa” o direito imemorial dos indígenas, de um lado e, de outro, a posse de boa fé, das famílias instaladas para produzir para o mercado e para a sua subsistência. No segundo caso (“Anistia para os torturadores”), dois valores também estavam claramente em oposição: o respeito pleno, integral e imprescritível aos direitos humanos, por qualquer estado em qualquer circunstância, de um lado e, de outro, um suposto contrato político na transição. Este contrato, segundo o caminho então tomado pelo Supremo, permitira – “legalmente” – que os promotores ou, no mínimo, os coniventes com as torturas, pudessem “contratar” a anistia para os que torturaram e mataram nos cárceres do estado. E o fizeram contra custodiados indefesos, fora do cenário da luta revolucionária, na qual estes já estavam militarmente derrotados.
A dupla e às vezes múltipla possibilidade de interpretação de um dispositivo constitucional gera oportunidades de escolha do intérprete, a partir de valores que estão pré-supostos na sua história individual e social. Nos casos de grande repercussão sobre os “fundamentos do estado de direito” (igualdade perante a lei e inviolabilidade dos direitos), estas escolhas são sempre de natureza política e balizadas pelas grandes questões históricas que o país enfrenta. Vejamos um caso interessante e muito apropriado, para se refletir sobre o que está acontecendo no país com o chamado julgamento do “mensalão”.
É um caso de direitos civis, famoso na jurisprudência da Suprema Corte Americana (109 U.S. – 1883), no qual a interpretação da Lei dos Direitos Civis de 1875 – que outorgara o direito dos negros americanos usarem hospedarias, teatros, transportes públicos e outros espaços públicos e privados – opunha dois valores bem nítidos: o sistema federal, em construção dolorosa depois de uma sangrenta guerra civil, de um lado, e, de outro, a dignidade da pessoa humana sustentada pela Lei dos Direitos Civis. Principalmente no sul do país, com a reação dos remanescentes racistas e escravagistas – cuja força política persistiu até a década de 60 do século XX – vários estados se negavam à aplicação da Lei dos Direitos Civis e se amparavam no “pacto federativo”, cujas cláusulas permitiriam a independência “interpretativa” sobre o alcance das referidas normas de proteção dos direitos civis.
Nesta atmosfera tensa, a Suprema Corte sentenciou que a 14ª. Emenda não havia dado um mandato claro ao Congresso para “proteger” os direitos civis, “senão o poder para corrigir os abusos dos Estados”. Esta decisão, que diferencia “proteção”, de “correção de abusos”, no caso concreto – das polícias, dos brancos e dos governos – contra os negros, mostra a brutal distinção na aplicação da lei e da Constituição, que pode se originar dos valores que orientam a interpretação de um Tribunal.
O Juiz Bradley – relator do processo – escolheu a visão da processualidade que, segundo ele, estaria contida na 14ª Emenda, pois estava convicto que deveria ocorrer “algum estágio” na transição do ser humano, de ‘coisa’ (o negro), para que todos chegassem à condição do ‘ser humano’ (branco), estatuto reservado para parte da população naqueles estados. O Juiz Harlan, que divergiu, denunciou a trama interpretativa: “Não posso resistir à conclusão que a substância e o espírito da recente Emenda à Constituição tem sido sacrificados pela crítica verbal, hábil e engenhosa”.
O valor “federalismo”, naquele caso concreto, foi escolhido para fundamentar uma decisão racista, “atenuando” os efeitos da 14ª Emenda, que respaldara abertamente os direitos civis e sintetizara uma “revolução democrática”, em curso na nação americana.
O Ministro Celso Mello (Relator da Extradição 633-9, República Popular da China – Pleno – DJ 16.02.01-unânime) já passou por situação análoga, na qual negou a extradição de cidadão chinês, acusado de crimes graves naquele país, porque ali os Tribunais “não levam em consideração os argumentos da defesa, nem consagram o princípio da presunção da inocência”. Neste julgamento o Ministro Celso Mello optou claramente – na escolha entre valores que se apresentam em cada processo concreto – por um valor fundante do Direito Penal, nas sociedades democráticas: “a presunção da inocência”. Ou seja, entre o valor “aplicação correta e formal do direito interno chinês”, de um lado (que seria uma das possibilidades para dar legitimidade à extradição) e, de outro lado, o valor “princípio da presunção da inocência” (que serviria para negar a extradição) o princípio da “presunção da inocência” teve o peso decisivo.
O Ministro Lewandowsky, que escolheu o princípio da presunção da inocência e o fundamentou, nos casos de Genoino e Dirceu, tem sido hostilizado, não só na imprensa como em alguns lugares públicos. O ministro Joaquim Barbosa, guindado à condição de herói nacional pela revista Veja, tem sido aplaudido e incensado pela imprensa em lugares públicos. Conhecendo e respeitando a integridade de ambos, imagino que mesmo em situações – que são meramente conjunturais – diferentes, devem estar se perguntando porquê tudo isso. Ambos cumpriram os seus deveres como Ministros da Corte mais alta da República, mas recebem reações diferenças, na sociedade e na imprensa. Não pende, sobre nenhum dos dois, qualquer mancha moral e ninguém duvida dos seus conhecimentos e da sua capacidade como juristas, mas eles têm um tratamento jornalístico e social desigual. Por quê?
Quero opinar um pouco sobre isso, porque creio estarmos num momento importante da vida democrática nacional. E a minha opinião não é sobre fatos e condutas, que determinaram o processo judicial em julgamento, porque, a não ser a respeito de Genoino, de quem fui amigo pessoal por décadas (poderia depor a respeito da sua integridade moral e sua honestidade e sobre a convicção de que não teve nenhuma conduta dolosa), não convivi, não conheço a personalidade, a vida pessoal e mesmo política de maneira suficiente, de nenhum dos outros réus. Sobre José Dirceu e os demais réus, não posso ter juízo “jurídico” sobre os fatos que ensejaram a ação penal, mas posso afirmar, também sobre José Dirceu -que é a personalidade mais forte do julgamento – que certamente foi condenado sem obediência ao princípio da presunção da inocência.
O processo judicial em curso, pela massiva campanha condenatória que precedeu o julgamento, tornou-se um processo político e altamente politizado. Foi anulado dramaticamente o significado pedagógico e moral, que ele poderia ter para o futuro democrático do país, se o princípio da presunção da inocência fosse observado e o espírito de linchamento não tivesse sido disseminado, como foi. Não se trata, em conseqüência, de “defender” – como foi inculcado no senso comum – Genoino e Dirceu. Ou de atacar, tal ou qual grupo de comunicação, ou mesmo de discutir os argumentos do Procurador Geral ou da defesa dos réus, por dentro do processo: o verdadeiro julgamento foi no paralelo político.
Trata-se, portanto, de avaliar como chegamos – em plena democracia política – a uma situação que lembra a hipotética ou real manchete de um jornal soviético, na era stalinista: “Hoje serão julgados e condenados os assassinos de Kirov.”
Lewandowky e Joaquim Barbosa estão sendo eventualmente recebidos de maneira diferente, nos lugares que freqüentam, pelos mesmo motivos: os réus já tinham sido julgados. Um, pelas suas convicções, disse que a sentença midiática estava -vejam bem- apenas parcialmente errada. Outro, pelas suas convicções, disse que ela estava totalmente certa. O julgamento judicial foi um julgamento político e a síntese, que resultou do embate entre valores pré-supostos na interpretação, foi doce para a direita política irracional que dominou a mídia, mas amarga para a esquerda que vem governando o país dentro da democracia.
O embate de valores, que ocorreu neste julgamento, é exemplar para a reforma democrática que nos desafia de imediato, foi o seguinte: de um lado o “princípio da presunção da inocência” e, de outro, o controle “unilateral da formação da opinião”, que, ao não conseguir provas suficientes para condenação, enquadrou o senso comum e o próprio Supremo, na certeza de que o julgamento é feito antes e “por fora” dos Tribunais. E, assim, serão incensados os que aceitarem este controle e serão amaldiçoados os que se rebelarem contra ele.
Talvez este julgamento tenha uma virtude: sirva para coesionar um campo democrático amplo, para atacar a principal chaga da democracia brasileira, que é o sistema político atual, fundado no financiamento privado das campanhas e nas alianças regionais sem princípio. Se não atentarmos para isso, rapidamente, merecemos este julgamento, no qual a presunção da inocência foi sacrificada no altar da “teoria do domínio funcional dos fatos”.
Na verdade, como o julgamento foi principalmente político, embora dentro de todos os parâmetros da legalidade constitucional, ele não terminará em breve. Vai continuar. E o principal erro que poderemos cometer será utilizar esta jurisprudência contra os adversários da revolução democrática em curso, desejando e propagando que eles devem ser condenados sem provas, com linchamentos prévios pela mídia. Aliás, isto é impossível, porque eles é que tem o domínio funcional dos fatos através da grande mídia.
Tarso Genro é advogado e governador do Rio Grande do Sul. Foi ministro da Justiça no governo Lula.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Para Genuino: entre a lei e a justiça, fico com a justiça

Uma  lembrança de Carlos Drummond: "A Leis não bastam. Os Lírios não nascem da Lei."


Miruna Genoino: A coragem é o que dá sentido à liberdade

por Miruna Genoino
Com essa frase, meu pai, José Genoino Neto, cearense, brasileiro, casado, pai de três filhos, avô de dois netos, explicou-me como estava se sentindo em relação à condenação que hoje, dia 9 de outubro, foi confirmada.
Uma frase saída do livro que está lendo atualmente e que me levou por um caminho enorme de recordações e de perguntas que realmente não têm resposta.
Lembro-me que quando comecei a ser consciente daquilo que meus pais tinham feito e especialmente sofrido, ao enfrentar a ditadura militar, vinha-me uma pergunta à minha mente: será que se eu vivesse algo assim teria essa mesma coragem de colocar a luta política acima do conforto e do bem estar individual? Teria coragem de enfrentar dor e injustiça em nome da democracia?
Eu não tenho essa resposta, mas relembrar essas perguntas me fez pensar em muitas outras que talvez, em meio a toda essa balbúrdia, merecem ser consideradas…
Você seria perseverante o suficiente para andar todos os dias 14 km pelo sertão do Ceará para poder frequentar uma escola? Teria a coragem suficiente de escrever aos seus pais uma carta de despedida e partir para a selva amazônica buscando construir uma forma de resistência a um regime militar? Conseguiria aguentar torturas frequentes e constantes, como pau de arara, queimaduras, choques e afogamentos sem perder a cabeça e partir para a delação? Encontraria forças para presenciar sua futura companheira de vida e de amor ser torturada na sua frente? E seria perseverante o suficiente ao esperar 5 anos dentro de uma prisão até que o regime político de seu país lhe desse a liberdade?
E sigo…
Você seria corajoso o suficiente para enfrentar eleições nacionais sem nenhuma condição financeira? E não se envergonharia de sacrificar as escassas economias familiares para poder adquirir um terno e assim ser possível exercer seu mandato de deputado federal? E teria coragem de ao longo de 20 anos na câmara dos deputados defender os homossexuais, o aborto e os menos favorecidos? E quando todos estivessem desejando estar ao seu lado, e sua posição fosse de destaque, teria a decência e a honra de nunca aceitar nada que não fosse o respeito e o diálogo aberto?
Meu pai teve coragem de fazer tudo isso e muito mais. São mais de 40 anos dedicados à luta política. Nunca, jamais para benefício pessoal. Hoje e sempre, empenhado em defender aquilo que acredita e que eu ouvi de sua boca pela primeira vez aos 8 anos de idade quando reclamava de sua ausência: a única coisa que quero, Mimi, é melhorar a vida das pessoas…
Este seu desejo, que tanto me fez e me faz sentir um enorme orgulho de ser filha de quem sou, não foi o suficiente para que meu pai pudesse ter sua trajetória defendida. Não foi o suficiente para que ganhasse o respeito dos meios de comunicação de nosso Brasil, meios esses que deveriam ser olhados através de outras tantas perguntas…
Você teria coragem de assumir como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político honrado? Acharia uma excelente ideia congregar 200 pessoas na porta de uma casa familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um procedimento cardíaco? Dedicaria suas energias a colocar-se em dia de eleição a falar, com a boca colada na orelha de uma pessoa, sobre o medo a uma prisão que essa mesma pessoa já vivenciou nos piores anos do Brasil?
Pois os meios de comunicação desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais.
Hoje, nesse dia tão triste, pode parecer que ganharam, que seus objetivos foram alcançados. Mas ao encontrar-me com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que apenas deram forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história de garra, HONESTIDADE e defesa daquilo que sempre acreditou.
Nossa família entra agora em um período de incertezas. Não sabemos o que virá e para que seja possível aguentar o que vem pela frente pedimos encarecidamente o seu apoio. Seja divulgando esse e/ou outros textos que existem em apoio ao meu pai, seja ajudando no cuidado a duas crianças de 4 e 5 anos que idolatram o avô e que talvez tenham que ficar sem sua presença, seja simplesmente mandando uma palavra de carinho. Nesse momento qualquer atitude, qualquer pequeno gesto nos ajuda, nos fortalece e nos alimenta para ajudar meu pai.
Ele lutará até o fim pela defesa de sua inocência. Não ficará de braços cruzados aceitando aquilo que a mídia e alguns setores da política brasileira querem que todos acreditem e, marca de sua trajetória, está muito bem e muito firme neste propósito, o de defesa de sua INOCÊNCIA e de sua HONESTIDADE. Vocês que aqui nos leem sabem de nossa vida, de nossos princípios e de nossos valores. E sabem que, agora, em um dos momentos mais difíceis de nossa vida, reconhecemos aqui humildemente a ajuda que precisamos de todos, para que possamos seguir em frente.
Com toda minha gratidão, amor e carinho,
Miruna Genoino
09.10.2012

Dirceu: "Não abandonarei a luta. Não me deixarei abater."

A SOLIDARIEDADE DESTE BLOB AO COMPANHEIROS ZÉ DIRCEU:


AO POVO BRASILEIRO

No dia 12 de outubro de 1968, durante a realização do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, fui preso, juntamente com centenas de estudantes que representavam todos os estados brasileiros naquele evento. Tomamos, naquele momento, lideranças e delegados, a decisão firme, caso a oportunidade se nos apresentasse, de não fugir.

Em 1969 fui banido do país e tive a minha nacionalidade cassada, uma ignomínia do regime de exceção que se instalara cinco anos antes.

Voltei clandestinamente ao país, enfrentando o risco de ser assassinado, para lutar pela liberdade do povo brasileiro.

Por 10 anos fui considerado, pelos que usurparam o poder legalmente constituído, um pária da sociedade, inimigo do Brasil.

Após a anistia, lutei, ao lado de tantos, pela conquista da democracia. Dediquei a minha vida ao PT e ao Brasil.

Na madrugada de 1º dezembro de 2005, a Câmara dos Deputados cassou o mandato que o povo de São Paulo generosamente me concedeu.

A partir de então, em ação orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT e seu governo, fui transformado em inimigo público numero 1 e, há sete anos, me acusam diariamente pela mídia, de corrupto e chefe de quadrilha.

Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção de inocência.

Hoje, a Suprema Corte do meu país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência. O Estado de Direito Democrático e os princípios constitucionais não aceitam um juízo político e de exceção.

Lutei pela democracia e fiz dela minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei. Continuarei a lutar até provar minha inocência. Não abandonarei a luta. Não me deixarei abater.

Minha sede de justiça, que não se confunde com o ódio, a vingança, a covardia moral e a hipocrisia que meus inimigos lançaram contra mim nestes últimos anos, será minha razão de viver.

Vinhedo, 09 de outubro de 2012
José Dirceu

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Vitória em São Paulo, vitória em Caracas: o eleitor resolver "meter o bico" - de Carta Maior

Foi um domingo para não esquecer. A história rugiu, rangeu e se mexeu; repôs certas correlações entre a nervura social e o voto; entre o discernimento popular e o legado histórico de projetos e propostas antagônicas. As urnas falaram e, como é natural, em escrutínios municipais marcados por peculiaridades locais, emitiram vereditos ecumênicos.

Mas certas linhas se destacaram: primeiro, o PT superou o PMDB e se tornou o partido mais votado no país, com 17,3 milhões de votos; cresceu 4% sobre 2008. Seu rival, o PSDB perdeu 4%.; em segundo lugar: o PT ganhou 627 prefeituras (14% mais que em 2008) e disputa o 2º turno em seis das maiores cidades do país. Não só.

Ali onde a natureza da disputa incorporou a tensão do conflito entre dois grandes blocos de interesses contraditórios -- não apenas no âmbito local, mas nacional e também no plano da crise global-- a resposta do voto desautorizou o prognóstico conservador. Ou seria melhor dizer a torcida e, em alguns casos, a quase fraude?

O domingo mostrou que o mundo seria perfeito para o conservadorismo se a democracia pudesse ser resolvida no campo das 'ilações', tão a gosto de certas togas e dos interesses aos quais elas se oferecem, sendo por eles obscenamente desfrutadas. Se bastassem as 'ilações' do Datafolha, por exemplo, Serra iniciaria hoje um passeio pelo segundo turno para desmontar o frágil Russomano.

O Datafolha modelou esse cenário; insistiu nele até o último instante, reservando a Haddad uma 3ª colocação algo desanimadora. Em 24 horas, tudo mudou: o candidato do PT saltou dos 19% que lhe eram atribuídos pelo instituto dos Frias e encostou nos 29%. Como um instituto que se pretende isento não capta um migração de votos dessas proporções?

Se Haddad fosse um furacão e o Datafolha um serviço de meteorologia, que destino caberia aos responsáveis por tão clamorosa falha?

As ''ilações' tampouco se revelaram pertinentes na tarefa de derrotar Chávez neste domingo. Maciçamente apresentado como uma ruína política pelo jornalismo conservador --incluindo-se os mervais brasileiros - o 'autoritário' Chávez venceu Henrique Capriles, num pleito difícil, mas limpo, por uma diferença da ordem de 10 pontos (54% a 44%).

Domingo memorável esse em que o eleitor resolveu 'meter o bico' em São Paulo, em Caracas e outras praças, para horror daqueles que não suportam 'estrangeiros' em seus currais. Mas também uma jornada recheada de advertência às candidaturas de esquerda que seguem para o 2º turno: é hora de vestir a camisa do bloco progressista ao qual pertencem, se quiserem obter os votos que --tradicionalmente-- a eles se destinam. A ver.
Postado por Saul Leblon às 07:19

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Leonardo Boff: Justiça ou preconceito jurídico?

04/10/2012




Leonardo Boff, no Brasil de Fato

Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos forem comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.
Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Aí é ineludível a feira das vaidades, o vezo ideológico que perpassa sobre a maioria dos discursos.

Desde A Ideologia Alemã de Marx/Engels (1846) até Conhecimento e Interesse de J. Habermas (1968 e 1973) sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente podemos dizer que aideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses. Pois assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar politica e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?

A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.

Em alguns discursos como os do Ministro Celso de Mello o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o “mensalão” seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão que as lideranças do PT e até Ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocupar com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.

Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.

A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz dos outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros, como aliás parece ter sido o primeiro trabalho do Ministro Joaquim Barbosa no STE. Mas nunca como Presidente.

Ouve-se no plenário ecos vindos da Casa Grande que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.

Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então sim se fará justiça nesta país.

Leonardo Boff é professor aposentado de Ética da UERJ

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Nunca vão aceitar que o operário tomou o poder"

A frase foi dita pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, numa referência ao governo Lula, num jantar de desagravo a José Dirceu, na casa do escritor Fernando Morais. Mais magro, e de cabelos longos, o réu que começa a ser julgado nesta quarta-feira, se emocionou ao ouvir do embaixador: “Entre nós aqui há quem tenha lutado com mais vigor e com mais sofrimento para diminuir nossas inaceitáveis desigualdades. Sofreram e ainda sofrem”; destino de Dirceu pode ser, novamente, a prisão

3 de Outubro de 2012 às 06:44