quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Lições de democracia da professora Marilena Chauí.

I. Democracia e autoritarismo social


Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.

Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.

Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:

1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;

2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?

3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.

4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.

5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;

6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;

7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que afirma a ciência política) não significam mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.

Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.

Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação — o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.

Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.

A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.



II. Os meios de comunicação como exercício de poder

Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.

Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc..

No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.

A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.

A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.

Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de institui-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida. O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros — em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.

Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de valores e idéias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.

Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do Terror, durante a Revolução Francesa, Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a sociedade democrática.



III.

Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.

As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos, mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.

Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.

Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura do narcisismo.

Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável Os fatos cedem lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.

Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.

Não é casual, mas uma conseqüência necessária dessa privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.

É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.

Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.

É possível perceber três deslocamentos sofridos pela idéia e prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da idéia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo escreveu que o povo estava contra a opinião pública!

O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).

O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, freqüentemente, inexata – o modelo conhecido como News Letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalista passam, assim, o ocupar o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e, além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas dos jornais.

Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:

1) uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento real ;

2) os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a idéia de opinião pública. Hoje, porém, os conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.

Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e plausibilidade. Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública.

De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no tempo.

Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.

Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão.

Como operam efetivamente os noticiários?

Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em seqüência, apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as idéias de ordem e segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.

Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e as conseqüências dos fatos noticiados, não podemos compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.

Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.

A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia a própria realidade fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.

Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar, desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.

Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações. Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação, pois tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já coletados.

sábado, 25 de agosto de 2012

A praga do “pensamento único” - Carta Capital

Por Claudio Bernabucci


John K. Galbraith, um dos mais importantes economistas do século XX, pronunciou-se algumas vezes sobre a “imbecilidade dos capitalistas”. A observação factual da crise sistêmica que o mundo está vivendo, sem perspectiva de solução equilibrada dentro das regras existentes, levaria a pensar que a afirmação do economista canadense tivesse fundamento.
No entanto, do ponto de vista das ideias, devemos reconhecer que, nas últimas décadas, o capitalismo neoliberal teve a capacidade de exercer uma hegemonia ímpar sobre todas as atividades humanas. Sofisticados instrumentos teóricos e culturais permitiram a esta nova ideologia eliminar qualquer resistência e crítica significativas, a ponto de se configurar como um “pensamento único”. Só recentemente, diante dos graves escândalos no coração do sistema, este primado começou a ser posto em discussão de forma incisiva.

Já mencionamos a batalha de ideias em curso e a relação de forças existentes. Vale a pena reiterar que estamos assistindo a uma autêntica guerra global dentro do sistema capitalista, da qual o neoliberalismo sairá derrotado ou vencedor. No último caso, podemos estar certos: o que resta da democracia no planeta estaria seriamente comprometido. Neste quadro, a circulação das ideias em escala planetária é fundamental para a definição do resultado. Somente por meio da difusão de pensamentos plurais e antitéticos ao dominante, poderão ser conquistadas as mentes e os corações habilitados a criar uma nova civilização para superar as injustiças de um mundo onde minorias não eleitas decidem o destino de bilhões de seres humanos.

A ferramenta principal é a mídia. A livre difusão da internet – com a grave exceção da China –, apesar de limitada, permite uma informação de baixo para cima que tem aberto brechas importantes no monólito do pensamento único. Os jornais independentes sempre foram minoria e, na chamada grande imprensa, as vozes autônomas são escassas, relegadas aos espaços de debates: espécie de reserva indígena-intelectual, que visa demonstrar o pluralismo de um jornal, enquanto a informação transmitida em todas as outras páginas defende pura e simplesmente a ordem existente. Mundo afora, o cidadão é informado sobre a crise econômico-financeira de forma predominantemente mecanicista, tecnicista e distorcida. As causas principais das convulsões em curso são eludidas: in primis a desregulamentação insensata do sistema financeiro, origem de fraudes e falências.
As análises de economistas e jornalistas alinhados ao neoliberalismo, e que ainda são maioria, chegam de hábito a um beco sem saída, a um porto das névoas, quando tocam o tema “mercados”. Neste ponto, as dúvidas desaparecem, as perguntas se extinguem – Ipse dixit! – em obséquio aos inomináveis e onipotentes titereiros donos dos “mercados”.

Sendo assim, os cortes sociais realizados pelos governos europeus, alvos de ataques especulativos, são descritos mecanicamente como respostas obrigatórias, para satisfazer às exigências ou aos humores dos “mercados”. Obviamente, isso é feito sem informar quais grupos de interesses e forças concretas estão por trás dos tais “mercados”. As imponentes transferências de riquezas provocadas pela gangorra dos spreads ou negociatas das bolsas de valores, a existência de imensas fortunas escondidas nos “paraísos fiscais”, são fatos descritos de forma fria e tecnicista, incompreensível para o cidadão comum, oferecendo uma representação da realidade absolutamente surrealista, sem análise alguma sobre as causas e consequências.
A situação da mídia brasileira cabe perfeitamente neste quadro, com algum agravante. O “pensamento único” da chamada grande imprensa é bem mais extenso aqui do que em outros países de democracia madura. A esse aspecto acrescenta-se um partidarismo acentuado, unilateralmente antigovernamental, que contrasta com uma concepção da informação como serviço pluralista à cidadania. O governo brasileiro não pode ser isento de críticas, mas o mérito de ser um dos poucos no mundo que na última década conseguiram crescimento econômico e diminuição das desigualdades, deveria ser reconhecido em homenagem aos fatos.

Em suma, a opinião pública mundial padece de uma informação parcial ou distorcida, que esconde a realidade de um planeta onde a desigualdade sem freios e a avidez do lucro estão comprometendo as possibilidades de construir um futuro comum. Esta “cegueira” é na maioria das vezes fruto de partidarismo ideológico, que esconde interesses oligárquicos supranacionais; outras vezes é consequência da incapacidade de sair do esquema prefixado de pensar e agir. Para reverter esse quadro perigoso, é preciso que se difunda o pensamento crítico, hoje minoritário. O papel da mídia independente é de informar sobre os fatos e ideias que os outros não querem ou não podem contar.
Fonte: Carta Capital

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A quem cabe o passo seguinte da história? A falácia dos mercados auto-regulados.

por Saul Leblon

O economista Carlos Lessa costuma dizer que o Estado brasileiro inventou o keynesianismo em 1930, antes de Keynes, com Getúlio Vargas. O Brasil é uma criação do Estado, ironizava Celso Furtado sobre a esquálida capacidade de iniciativa da sempre festejada 'iniciativa privada'. A verdade é que em praticamente todo os ciclos de crescimento coube ao Estado brasileiro determinar o nível de investimento, fixar prioridades, induzir e financiar a participação privada no arranjo macroeconômico. Por que seria diferente agora? Ou melhor, porque é tão difícil agora reproduzir a mesma alavanca, quando seu papel contracíclico mais que nunca é necessário face ao colapso da ordem neoliberal?

A interrogação perpassa o pacote de concessões de infraestrutura lançado pelo governo Dilma nesta 4ª feira. Nele alguns enxergaram 'a rendição à lógica das privatizações'; mas há uma novidade importante. Junto com investimentos da ordem de US$ 65 bi , a metade a ser ativada nos próximos cinco anos para deslanchar 7,5 mil kms de rodovias e 10 mil kms de ferrovias, a Presidenta Dilma anunciou a criação de uma estatal, a EPL , Empresa de Planejamento e Logística. Caberá a ela, a partir de agora, a responsabilidade de: ' realizar estudos da logística brasileira, articular investimentos, constituir e estruturar projetos'.

Ou seja, formular um leque estratégico de possibilidades para que o governo possa atrair, induzir e coordenar a iniciativa privada e/ou estatal na execução de obras do interesse do país. Por incrível que pareça, isso é novidade no Brasil do século XXI. O que subsistia até agora eram planos episódicos, encomendas de interesses privados, visões fracionadas do país desenvolvidas em escritórios de grandes empreiteiras.Portanto, desprovidas da abrangência do interesse público, à margem da constituição de um quadro estatal de técnicos de alta qualificação, capazes de pensar o conjunto e o futuro brasileiro.

Nem sempre foi assim.

O Brasil já teve uma empresa de planejamento estratégico, o Grupo Executivo para a Integração da Política de Transportes. Criado em 1965, o Geipot foi substituído em 1973 pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, não por acaso extinta no governo FHC , em 2002. Antes de sermos brindados com a revelação da autossuficiência dos mercados, graça revelada pelos governos tucanos nos anos 90, prescindir do planejamento público era algo desconhecido entre nós.

A ordenação estatal foi decisiva na etapa de substituição de importações, incluindo-se os '50 anos em 5' de JK, com suas 30 diretrizes articuladas em um Plano de Metas. A 31ª meta-síntese era a construção de Brasília.Ponto de amarração sistêmico e logístico da malha de estradas voltadas para a interiorização e o desenvolvimento regional, cujo marco foi a criação da Sudene, em 1959, dirigida por Celso Furtado. Mesmo durante a ditadura, que tutelou a substituição de importações na indústria de base, articulada a grandes obras públicas, os PNDs, planos nacionais de desenvolvimento, tiveram papel importante. O então BNDE e o próprio Ipea --que paradoxalmente abrigava intelectuais progressistas-- foram núcleos pensantes desse processo. Na tradição brasileira cada ciclo de desenvolvimento semp re teve a sua usina de refexão estratégica.

O vazio herdado dos governos tucanos --coerente com a ausência deliberada de projeto para o país-- não foi superado até hoje de forma orgânica. O ministério do Planejamento teve essa dimensão destruída e nunca mais recomposta. A Casa Civil,com Dilma Rousseff no governo Lula, acumulou atribuições de planejamento estratégico e assim permanece até hoje. É evidente que faltam braços,cérebros, estruturas e fôlego orçamentário para sair da improvisação, prever salvaguardas ambientais e até mesmo fiscalizar o que se licita, a tempo de evitar interrupções e gargalos inesperados.

O atraso desconcertante numa obra de baixa complexidade como a da integração da bacia do São Francisco --basicamente cavar canaletas, construir passagens de nível e concretar-- é sugestivo de uma engrenagem travada. Nos anos 90, o esgotamento das bases financeiras e políticas dos ciclos articulados em torno da coordenação estatal deslocou o pêndulo de forma drástica. Saturada a capacidade de endividamento externo, que quebrou o país e resultou em dramático desequilíbrio fiscal, procedeu-se ao desmonte do Estado brasileiro. O 'pensamento estratégico' passou a ser função das 'cartas de intenção' impostas pelo FMI, com metas de arrocho para pagar os credores.

Ao ciclo de privatizações e liquidações de estatais --para honrar acordos e atrofiar o 'gasto público'-- correspondeu um desmembramento de estruturas e quadros que subtraiu ao aparelho público, deliberadamente,repita-se, a capacidade de pensar, coordenar, propor e debater com a sociedade os rumos do seu desenvolvimento.

Não é pouco o que se perdeu.

Tome-se o impulso industrializante representado hoje pelo investimento da Petrobrás no pré-sal. São US$ 236 bilhões até 2016. A exigência de conteúdo nacional saltou de 45% há 10 anos para 65% hoje. E vai aumentar. Esta semana a Petrobrás e o BNDES lançaram um novo programa de financiamento de R$ 3 bi.O objetivo é rastrear e viabilizar novas oportunidades de produção nacional, que atendam a demandas ainda importadas.

Isso seria impossível se a Petrobrás não tivesse escapado de se tornar a Petrobrax tucana; assim como ficou inviável na área mineral com a privatização da Vale, por exemplo. Quem não se lembra dos sucessivos e infrutíferos apelos de Lula ao então big boss tucano da Vale, Roger Agnelli, 'o herói dos acionistas', para investir numa fábrica de trilhos no Brasil --cuja demanda era e é atendida pela produção chinesa feita com minério de ferro brasileiro?

Mais importante que arguir a distinção entre concessão e privatização, como se empenham colunistas tucanos, seria refletir se a criação da EPL é suficiente para dar ao governo na área da infraestrutura, o mesmo torque indutor que a Petrobras lhe proporciona na esfera da energia.

Tudo indica que não.

Mas o passo dado não será irrelevante se corresponder a um salto efetivo de desassombro diante de um mundo que mudou. O colapso da ordem neoliberal impõe uma profunda transformação na agenda do desenvolvimento. O Estado e o planejamento democrático --não aquele do autoritarismo-- devem substituir a prerrogativa dos mercados desregulados na condução da economia e dos destinos da sociedade.

Não se trata de um cacoete exclamativo. Trata-se de substituir um tempo histórico por outro. Requer, entre outras coisas, repactuação de forças, novas ferramentas e reordenação de prioridades orçamentárias. Causa espécie que na agenda de negociações entre o governo e o funcionalismo público em greve, nenhuma palavra nesse sentido tenha sido pronunciada dos dois lados.

Sobretudo, porém, é inútil desperdiçar energia política com medidas protelatórias, aguardando o retono a uma 'normalidade' que não existe mais. Os livres mercados levaram o mundo ao desastre atual. Não porque os banqueiros sejam demônios adornados de gravatas italianas. Mas porque a lógica segundo a qual a exacerbação dos interesses unilaterais leva à ' harmonia eficiente' é esfericamente falsa. As perdas e danos da crise não nos deixam mentir.

'Vamos reforçar a capacidade do Estado de planejar, organizar a logística, e compartilharemos com o setor privado a execução dos investimentos e a prestação dos serviços", disse a presidente, após o anúncio desta quarta-feira. Oxalá isso não signifique apenas a criação simbólica de uma bem-vinda empresa estatal de planejamento. Um bom dissipador de dúvidas seria divulgar um orçamento à altura do desafio histórico e nomear um grupo de intelectuais e lideranças sociais de peso para formar o conselho dessa usina de desenvolvimento. A ver.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

"Os tucanos perderam a virgindade na ânsia de matar o Dirceu (e o Lula e a Dilma)"

A fúria Golpista para condenar Dirceu (e Lula e Dilma) terá um efeito saudável, além da absolvição de Dilma, Lula e Dirceu.


(Nunca é demais insistir que o mensalão não passa de uma tentativa de Golpe para rever o resultado das eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. Se Caixa Dois desse cadeia, o Congresso Nacional seria um deserto.)
O melhor da Cruzada ensandecida do PiG (*) será um fato político irrecorrível.
Os tucanos perderam a inocência.
Não são mais réus primários.
Por mais que a “opinião pública” ignore os crimes do PSDB, de Cerra e FHC – os que o Miro enumerou -, torna-se inevitável uma certa isonomia.
A imagem completa do elefante, como sugeriu o Safatle, que não se deixa contaminar pela companhia, ao lado, na página dois da Folha (**)
A opinião pública e a Magistratura serão induzidas à isonomia.
A Magistratura tem um déficit de legitimidade que só essa isonomia poderá corrigir.
O Daniel Dantas pode ser poupado no mensalão tucano de Minas ?
O Cavendish é corrupto em Goiás e um santinho do pau oco na marginal (sic) de São Paulo ?
A ponte aérea Goiânia-Guarulhos leva à conversão, à virtude ?
A hipocrisia – como demonstrou a Carta Maior – dos mensaleiros, sonegadores e Dantas ficou mais difícil de se sustentar.
O Zezinho 30, por exemplo.
Sua carreira foi tisnada 25 anos atrás por Flavio Bierrembach, quando ainda servia ao “imaculado” Governo Montoro, em São Paulo.
De que vive o Cerra ?
Da aposentadoria na Unicamp ?
Dos proventos da Câmara, do Senado ?
Quem paga os jantares no Café Bouloud em Nova Iorque ?
As viagens de taxi aéreo ao Acre ?
A filha ? O genro ? O Mr Big ?
Essa inimputabilidade foi longe demais.
A hipocrisia – dele e do PiG – se desconstruiu na própria Cruzada merválica pelo pescoço do Dirceu (e do Lula e da Dilma).
Como é que a “opinião pública” e a Magistratura podem ser mobilizadas durante sete anos para tratar de um mensalão que não se prova, e ficar calada diante da Privataria Tucana, a maior Privataria de uma Privataria latino-americana ?
Os tucanos perderam a virgindade na ânsia de matar o Dirceu (e o Lula e a Dilma).

Paulo Henrique Amorim

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

2 de Agosto de 2012 - Julgamento do Mensalão? Embate ideológico entre esquerda e direita? O que ficará na História do Brasil?

2 AGOSTO DE 2012

TEM INÍCIO O JULGAMENTO DO QUE FICOU CONHECIDO COMO "MENSALÃO", TENDO COMO PRINCIPAIS ACUSADOS POLÍTICOS HISTÓRICOS DO PT.

A maior pegunta que está posta: trata-se de julgamento de um crime ou do embate ideológico entre esquerda e direita, ao sabor da pressão da grande mídia?

Será bom, realmente, que este espisódio conte a verdadeira história do Brasil. Seja qual for.