terça-feira, 29 de dezembro de 2009

RECEITA DE ANO NOVO, POEMA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

LULA: UMA DAS PERSONALIDADES QUE MOLDARAM A DÉCADA, DIZ O FINANCIAL TIMES.

Um dos traços amargos do preconceito é a dificuldade em abordar a realidade não convencional, aquela realidade que não se encontra nos manuais acadêmicos. Esta mesma dificuldade é expressa na grande mídia. E o melhor exemplo deste tipo de ocorrência refere-se ao presidente Lula. É dificil para todos os tipos de conservadores, para a direita ideológica e para alguns meios acadêmicos reconhecer o extraordinário valor de homem que construiu seu saber fora dos sistemas convecionais de ensino. Desta forma a avaliação contrária vem de fora,de um dos principais jornais britânicos, o Financial Times. Veja abaixo um pequeno resusmo:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi escolhido pelo jornal britânico "Financial Times" como uma das 50 personalidades que moldaram a última década. Segundo o diário, Lula entrou na lista porque "é o líder mais popular da história do Brasil".

"Charme e habilidade política sem dúvida contribuem (para sua popularidade), assim como a baixa inflação e programas de transferência de renda baratos, mas eficientes", diz o jornal.

"Muitos, inclusive o FMI, esperam que o Brasil se torne a quinta maior economia do mundo até 2020, trazendo uma mudança duradoura na ordem mundial."

domingo, 27 de dezembro de 2009

”A Desglobalização Começou".

“A desglobalização já começou”, assegura o sociólogo Richard Sennett (Chicago, 1943). A saída da crise será lenta, e de jeito nenhum voltaremos ao “ancient régime”, à espumosa paisagens das duas últimas décadas, nas quais o sistema estava criando seu próprio colapso porque tinha “abandonado a economia real, que se nutre de trabalhadores qualificados, de artesãos”.

A reportagem é de J. M. Martí Font, publicada no jornal El País, 22-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“El artesano” [O artesão] (Ed. Anagrama) é justamente o título de seu último livro, o primeiro volume de uma trilogia dedicada, segundo suas palavras, à “cultura material”. Para esse discípulo de Hannah Arendt que esteve nesta segunda-feira em Barcelona, “fazer é pensar”, e a palavra artesanato (craftmanship) designa “um impulso humano, duradouro e básico, o desejo de realizar bem uma tarefa, sem mais”.

Isso supõe, explica, dedicação para aprender e para desenvolver as habilidades, para crescer como um trabalhador competente, um conceito que se destacou por sua ausência nestes últimos 20 anos, nos quais não se investiu nos trabalhadores; o que se fazia, ao invés, era comprar o mais barato que havia. O resultado, conclui, é que, quando chegou o colapso, “a economia real não tinha nenhum tipo de resistência para enfrentar a explosão financeira”.

Mas quando fala de artesãos, Sennett não se refere só ao estereótipo do trabalhador altamente qualificado de uma empresa tecnológica, mas sim aos conhecimentos adquiridos, por mais simples ou banais que pareçam, que formam a própria textura da sociedade e da economia. Um dos efeitos do sistema imperante nestas últimas décadas, denuncia, foi “a cegueira” diante das habilidades das pessoas que denominamos como pouco qualificadas, mas de cujas capacidades somos “socialmente dependentes”.

“Se você é cuidador em um hospital ou trabalha na limpeza, sua ficha laboral lhe definirá como não qualificado, mas não está certo. Trata-se de pessoas com muitas habilidades: conhecem o hospital, sabem a quem chamar quando há uma emergência, sabem como conservar o lugar limpo, inclusive detectam se alguém piorou subitamente e chamam o médico ou a enfermeira. Há muitos trabalhadores assim. Parece muito simples, mas isso vai sendo adquirido com tempo e dedicação, e não é valorizado. A visão neoliberal consistia basicamente em que o trabalho era uma série de tarefas sem relação. As qualidades podem ser simples, mas as instituições são complexas. A quem chamar quando alguma coisa quebra? Isso é artesanato. Esquecer isso é esquecer que a vida tem uma narração, que a competência em algo é uma narração, não só para o indivíduo, mas também para a sociedade”.

Homem de esquerda, desencantado com a prática política dos partidos socialistas europeus e concretamente do trabalhismo britânico pelo qual deixou de militar, Sennett considera que em nossas sociedades existe uma profunda desconfiança com relação às classes dirigentes. No trabalho de campo que ele está realizando para o segundo livro dessa trilogia, ele entrevistou trabalhadores de níveis médios da Wall Street em greve. “Os chefes não têm nenhuma autoridade”, descobriu, “são muito ricos, mas aqueles que trabalham para eles na sala de máquinas acreditam que são muito incompetentes, que não sabiam o que estavam fazendo e também não lhes importava, contanto que continuasse entrando dinheiro”.

No entanto, o poder político, incluindo a esquerda, denuncia ele, continua pensando “que tudo continua igual aos anos loucos do boom, e que o mais importante é salvar o setor financeiro, porque é aquele que faz a economia real funcionar. Há uma ironia em tudo isso. Acredito que a esquerda deve se centrar muito mais nas empresas locais, é preciso desglobalizar, focalizar-se nos pequenos negócios. Vamos entrar em um longo período de atividade econômica deprimida, e essa história de que uma vez que os banqueiros recuperem seus bônus a economia se reativará é uma fantasia que é vendida às pessoas”.

UMA FOTO POR MIL PALAVRAS



O trabalho é do fotografo Quim Drummond, meu querido irmão. Trata-se de um dos e-mail que recebí de felicitações, neste período do ano que reiteramos compromissos e revisamos alternativas. Faço uso desta foto como símbolo de felicitações para todos os meus amigos conhecidos e desconhecidos, todos os companheiros de caminhada, a toda a minha família e, em especial à Lenir e aos meus filhos Fabricio e Diego.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Em Copenhague: Autofagia do Capitalismo.

O texto abaixo foi publicado a edição de hoje, do jornal Folha On-line.Independente da perfomance de líder internacional, assumida (e reconhecida mundialmnte) pelo presidente Lula, o que aconteceu em Copenhague compõe o ambiente da autofagia do capitalismo. Neste momento a grande tarefa cabe aos paises que estão mais avançados na construção da Economia Social. Os próximos anos terão que compor um novo patamar de articulaçõs internacionais: o capitalismo não é ético por natureza. Então, por ai, nada a esperar, quando os lucros de curto prazo estão ameçados. O capitalismo não dará solução aos desequílibrios ambientais: este modo de produção faz parte deste desquilíbrio. Todavia, repito, uma mova ordem está sendo construida.

Nenhum dos líderes que subiu ontem ao púlpito do Bella Center, o centro que abrigou a malfadada conferência do clima da ONU, foi tão aplaudido como Luiz Inácio Lula da Silva.

Por cerca de dez minutos, 119 chefes de Estado e de governo, reunidos para tentar salvar um acordo no último minuto, ouviram um Lula tão frustrado quanto eloquente. Falando de improviso, chamou a atenção dos países desenvolvidos por falharem no que poderia ser o acordo do século e lamentou as consequências do fracasso para os países mais vulneráveis.
Lula disse que está frustrado por falta de acordo e oferece ajuda para fundo climático
Quatro longas salvas de palmas pontuaram o momento, que em nada lembrou a morna fala da véspera, quando o brasileiro elencara boas intenções sem surpreender nem cativar.
E, diferentemente da quinta-feira, Lula pôs um trunfo na mesa para tentar destravar o impasse fermentado nos últimos 12 dias: uma oferta de contribuição em dinheiro para um fundo global do clima, como a Folha havia adiantado já na quarta-feira que o Brasil faria.
"Se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para ajudar os outros países", disse, sem detalhar. "Estamos dispostos a participar do financiamento se nós nos colocarmos de acordo numa proposta final, aqui."
Mas, após uma reunião com outros líderes que adentrou a madrugada e que continuaria horas depois, o presidente se mostrava sem esperança. "Se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e colocará na nossa cabeça a inteligência que faltou até agora."

A fala catalisou os ânimos no evento. Minutos depois Barack Obama assumiria o púlpito com um discurso cheio de senões, em que repassou aos chineses a responsabilidade pelo fracasso que, para a maioria das delegações, cabia a ele.

Mediação

A performance de Lula contrastou não só com a do presidente americano, mas com a de sua chefe de delegação, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que sumiu de cena quando o presidente chegou. Desde suas primeiras horas em Copenhague, Lula encarnou o papel de articulador entre ricos e emergentes.

Recebeu em seu hotel Nicolas Sarkozy (França), Angela Merkel (Alemanha) e Gordon Brown (Reino Unido), além do premiê chinês, Wen Jiabao. Os europeus, segundo o Itamaraty, procuraram Lula em busca de mediação com o G-77, dos países em desenvolvimento. Depois, o brasileiro faria a ponte entre Obama e Wen, na busca de uma linguagem adequada para atender aos dois antagonistas no texto final.

Mas os resultados do esforço não satisfizeram o presidente, que saiu do Bella Center, sem falar à imprensa, direto para o aeroporto. As pistas de seu estado de espírito transpiraram da plenária: "Todos poderíamos oferecer um pouco mais se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos períodos."

Lula cedeu na questão financeira e, sobretudo, propôs reduções ambiciosas nas emissões de gases-estufa pelo país. Só não recuou no que o Brasil sempre pôs como inegociável: assinar um acordo que desmontasse o Protocolo de Kyoto, único documento legal contra o aquecimento global, que fixa diferenças nas responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele expira em 2012.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Modelo social-desenvolvimentista, na visão de Pochmann.

Posso até não concordar com todas as teses do Pochmann, mas existem mais pontos de convergências do que de divergência entre nossas posições. No artigo abaixo Pochmann fala de um novo modelo social-desenvolvimentista. Eu tenho defendido a emergência de um modo de produção fundado em um sistema de Rede social e econômica solidário. Dois pontos são fundamentais neste modelo: o papel do Estado democrático, de hegemonia popular e a organização sócio-econômica da produção e distribuição fundada nos princípios do cooperativismo legítimo. Não vejo que minhas teses encontrem-se em qualquer antagonismo com o texto que reproduzimos a seguir.


O esgotamento do projeto desenvolvimentista imposto pela crise da dívida externa no início da década de 1980 não tornou o País órfão de um modelo econômico e social por muito tempo. A partir do fim dos anos oitenta do século passado, o Brasil internalizou gradualmente o modelo neoliberal.

O entendimento de que o Estado faria parte apenas dos problemas existentes levou à formulação de diversas profecias que não foram realizadas com o passar dos anos. Exemplo disso foi o próprio comportamento econômico durante os anos de hegemonia neoliberal. Pelo lado internacional, constatou-se que a opção pela inserção passiva e subordinada gerou grande fragilidade externa. Cada instabilidade externa produzia internamente a interrupção da expansão produtiva e enormes consequências sociais negativas.

Com isso, a variação média anual do Produto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 2,3%, favorecendo a financeirização da riqueza como medida de compensação crescente à tendência de baixa na taxa média de lucro do setor produtivo.

Assim, coube ao Estado a submissão plena ao regime de ajustes fiscais permanentes por meio do contingenciamento ao gasto público, da privatização do setor produtivo estatal e da elevação da carga tributária.

A opressão do gasto público se revelou necessária à eficácia da macroeconomia financeira, responsável pela transferência média anual de mais de 6% do PIB na forma de pagamento de juros aos segmentos rentistas. Mas o ajuste fiscal permanente trouxe, em consequência, o desajuste social, uma vez que as regiões metropolitanas mantiveram a taxa de pobreza acima de 2/5 da população, e mais de 1/3 dos brasileiros submetidos à condição de baixa renda.

Ao disciplinar 19% do PIB para o gasto social, a experiência neoliberal comprimiu a expansão real do salário mínimo, bem como manteve menos de 14% da população receptores de medidas de garantia mensal de renda. A desigualdade na renda do trabalho manteve-se próxima de 0,6 no índice de Gini, enquanto a participação do rendimento do trabalho ficou abaixo de 40% da renda nacional.

Nos últimos anos, contudo, o Brasil passou a acusar importantes sinais de transição para o modelo social-desenvolvimentista. A identificação básica de que o Estado faz parte das soluções dos problemas existentes não implicou reproduzir os traços do velho modelo nacional desenvolvimentista vigente entre as décadas de 1930 e 1970. Pelo contrário. De um lado, pela reafirmação da soberania nacional, o que exigiu uma profunda reorientação da inserção internacional, com a passagem da condição brasileira de devedor para a de credor de organismos multilaterais (FMI), a formação de significativas reservas externas e o redirecionamento do comércio externo e cooperação técnica para o âmbito das relações Sul-Sul. Assim, as crises externas deixaram de expor a sociedade brasileira às mesmas dificuldades observadas durante a vigência passada do modelo neoliberal.

De outro lado, os compromissos firmados com o avanço do sistema produtivo permitiram a expansão econômica nacional anual na média de 4,2%, bem como a queda da despesa pública com a financeirização da riqueza para quase 2 pontos percentuais do PIB inferiores aos vigentes durante o predomínio do modelo neoliberal. Com isso, houve tanto a ampliação no gasto social para 22% do PIB (quase 3 pontos percentuais a mais do que nos anos 1990) como o atendimento de mais de 1/3 da população brasileira com mecanismos de garantia mensal de renda.

O resultado social se mostrou evidente, com a queda na taxa de pobreza para menos de 1/3 da população e a desigualdade de renda do trabalho abaixo de 0,40 do índice de Gini nas regiões metropolitanas.

A recente volta da mobilidade social, que inclui no consumo de massa milhões de brasileiros e transforma a antiga figura da pirâmide social numa nova, parecida com uma pera, mostrase fruto do avanço do ainda incompleto socialdesenvolvimentismo.

Os próximos anos, se este modelo for mantido e aprofundado, poderão indicar o quanto pode ser reduzida a distância que separa o país real daquele que os brasileiros acreditam realmente que possa vir a ser.

*Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).


Fonte:http://www.fpabramo.org.br/portal/

sábado, 12 de dezembro de 2009

Percuária: um vilão no efeito estufa, no Brasil.

A metade dos gases responsáveis pelo efeito estufa emitidos no Brasil procede da pecuária, segundo um estudo apresentado neste sábado em Copenhague, à margem da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática.

Ao analisar as emissões totais do Brasil "foi possível observar que o conjunto das emissões procedentes desta atividade (pecuária) corresponde, aproximadamente, à metade das emissões do Brasil", destaca o trabalho, liderado por Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília. Os pesquisadores brasileiros concluíram que das 2,2 gigatoneladas de equivalente do dióxido de carbono (CO2) emitidas oficialmente pelo Brasil em 2005, segundo dados do ministério brasileiro de Ciência e Tecnologia, aproximadamente 1.055 gigatoneladas correspondem à pecuária.

As emissões geradas pela pecuária incluem o desmatamento para a formação de pastos, queimadas para a renovação do capim e a fermentação intestinal bovina, que gera importantes quantidades de metano, um dos gases de maior efeito sobre o aquecimento global, disse Roberto Smeraldi, especialista da associação Amigos da Terra-Amazônia Brasileira.

Admitindo que a pecuária "é parte do problema da mudança climática", Smeraldi destacou que "ela também deve ser considerada como parte da solução" nas negociações em Copenhague sobre um novo acordo internacional para combater o aquecimento global. Smeraldi disse que é preciso fazer a pecuária evoluir, controlando o desmatamento para a formação de pastos, acabando com a impunidade dos crimes climáticos e dando incentivos econômicos aos criadores.

O Brasil possui o maior rebanho bovino do mundo, com mais de 190 milhões de cabeças.As emissões brasileiras de gases do efeito estufa cresceram 62% entre 1990 e 2005, e mais da metade deste aumento corresponde ao manejo da terra.O Brasil decidiu em Copenhague adotar um "compromisso voluntário" de reduzir suas emissões de CO2 entre 36% e 39% sobre a previsão de emissões para 2020, e mais da metade desta redução procederá da queda no desmatamento da selva amazônica. O restante dependerá de ações nos setores agropecuário, industrial, energético e siderúrgico
Fonte:http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/afp/2009/12/12/brasil-apresenta-pesquisa-que-culpa-pecuaria-pelo-efeito-estufa.jhtm

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Ecoeficiência: a ambiguidade deste debate.

Em nossa avaliação o conceito de ecoeficiência possui sérias restrições para dar conta de um projeto ambiental inclusivo. Afirmamos mesmo que o conceito está revestido de ambigüidades. Lembrando as palavras de Stephan Schmidheiny o prefixo "eco" refere-se tanto à economia como à ecologia. Todavia em sua própria definição a ecoeficiência tem muito pouco de ecologia, estando mais associada aos princípios ambientais de inserção neoliberal.
Este aliás foi um expressivo campo de tensão nas disputas hegemônicas entre o pensamento neoliberal e os conceitos ecológicos presentes no pensamento marxista.
Vale lembrar que o empresariado de maior estatura internacional adotou a cartilha do novo modelo, pactuado na Segunda Conferência Mundial da Indústria sobre Gerenciamento Ambiental, organizada pela Câmara Internacional do Comércio. Através da assinatura de um catálogo de diretrizes intitulado “Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável”, esta conferência, que ocorreu no ano de 1991, também estimulou a adoção de práticas administrativas que efetivem esta nova estratégia de progresso econômico. A adoção imediata dos pressupostos do Relatório Brundtland pelas nações mais poderosas e pelo empresariado internacional não ocorreu por mudança de prioridades: o Desenvolvimento Sustentável nasceu no âmago do pensamento da classe dominante, e utiliza os pressupostos do conservacionismo juntamente com um ensinamento do universo econômico de gestão de negócios: o “Princípio da Precaução”. Este Princípio foi percebido como uma oportunidade inigualável de superar o risco e a incerteza através de investimentos e estudos localizados. O consumo mais eficiente de energia, a redução de poluição nas escalas global e local e o uso racional de matéria-prima fornecem a chance da criação de novas técnicas mais lucrativas e estimulam transformações econômicas mais virtuosas, em lugar da aceitação sectária dos problemas existentes.
Descartado como inadequado o conceito de ecoeficiência conforme o modelo neoliberal, pretendo discuti-lo como uma estratégia de eficiência ecológica, no espaço da economia solidária.
Os princípios da gestão cooperativa e os processos associados conduzem a um nível mais elevado de comprometimento geral com todas as etapas dos processos de produção e circulação dos produtos. Melhora o nível de eficiência econômica e ambiental. Mais do que isto: desenvolve um aprendizado holístico e sistêmico das relações e processos de trocas entre todos os subsistemas, incluindo naturalmente os recursos naturais. A sustentabilidade está precisamente no surgimento de um tipo de organização cooperativa em todos os níveis da ecologia. Neste modelo estão presentes processos competitivos, mas estes não constituem a natureza fundamental das relações, que são predominantemente cooperativas. Neste sentido a eficiência é holística e sistêmica.
Entretanto esses grupos para sobrevivência no mercado, na qual estão inseridos, necessitam, também atender aos padrões e exigências deste, para os seus produtos e serviços. Pois apesar do modo produtivo internamente ser diferenciado, ao inserir seus produtos e serviços no mercado, estes são tratados como as demais empresas. Para isso precisam combinar procedimentos democráticos e cooperativos com processos de produção de forma que possam ser compatíveis.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

"Nós estamos sentados sobre escombros de paradigmas falidos"

"Nós estamos sentados sobre escombros de paradigmas falidos, como o neoliberalismo, o socialismo, a social-democracia", diz Sachs, em muito bom português, aprendido nos anos que morou no Brasil, de 1941 a 1954.

PERGUNTA - O pior da crise passou?
IGNACY SACHS - Tem gente enterrando a crise rápido demais. E, ao dizer que tudo passou, que tudo está bem, que o que houve foi um pequeno acidente de percurso, nós não estamos aproveitando a oportunidade para melhorar nada, rediscutir as coisas, aprender com os erros.

PERGUNTA - O que é possível aprender?
SACHS - Estamos sabendo que, sem uma intervenção forte do Estado, vamos para o brejo. O Estado tem de estar numa posição de propor.

PERGUNTA - O que é o seu projeto "Crise & Oportunidade"?
SACHS - Há necessidade de fazer três coisas. A primeira é ampliar a rede universal de serviços sociais, ou seja, de educação, saúde, saneamento e, quem sabe, habitação popular, porque essa rede atua no bem estar da população sem a mediação do mercado. A segunda é ampliar, dentro da economia de mercado, o perímetro daquilo que vocês no Brasil chamam de "economia solidária" e de cooperativas, aquela parte do mercado que não se rege pelo princípio de apropriação individual do lucro. A terceira é uma parte da crise da qual não vamos escapar: mudar de rumo no que diz respeito às estratégias produtivas, para mitigar as mudanças climáticas. Ou seja, partir para a construção de uma civilização de baixo carbono, com uma biocivilização moderna, porque biomassa é alimento, é ração animal, é adubo verde, é energia, são fibras, são todos os produtos da biorrefinaria. E tudo isso é captado pela energia solar. Definitivamente, não podemos contin uar com o desperdício das energias fósseis.

PERGUNTA - Um dos efeitos da crise não é um novo equilíbrio geopolítico, com novos atores no centro das discussões?
SACHS - Nós não tivemos uma crise só, tivemos três crises interconectadas. A bolha especulativa dos loiros de olhos azuis, para citar o presidente Lula, que era uma crise aguda do sistema financeiro de Wall Street, se espalhou rapidamente como crise social e econômica de âmbito mundial. O importante é que ela mostrou as incoerências do sistema baseado numa grande assimetria entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. E esse problema permanece: como reconstruir esse sistema internacional?

PERGUNTA - Brasil, Índia e China, por exemplo, não estão tendo um papel muito mais político? O G20 não é um resultado positivo da crise?
SACHS - O G20 é uma maneira de afundar paulatinamente as Nações Unidas, é um poder paralelo, um poder usurpado. O meu presidente, o da França [Giscard D'Estaing], convidou alguns dos seus pares para um fim de semana num hotel cinco estrelas na Martinica e foi assim que começou o G-7. Com a implosão da União Soviética, virou G8. De repente, isso está sendo ampliado para G-20. E daí? G20, G18, G31... Ao mesmo tempo, o prestígios das Nações Unidas vai se erodindo. Vejo que não há mais como o G8 evitar se transformar em G20, mas ao mesmo tempo não creio que a solução esteja aí. A solução está numa reforma do sistema das Nações Unidas. Qual o edifício que não precisa de uma reforma depois de quase 60 anos? O G20 não está ajudando para a reforma. Ao contrário, está postergando os problemas.

PERGUNTA - O que é fundamental nessa reforma?
SACHS - O papel dos emergentes.

PERGUNTA - Ou seja, o sr. defende que o Brasil, por exemplo, tenha assento definitivo no Conselho de Segurança?
SACHS - Isso é o mínimo, mas a reforma não pode ficar só no Conselho de Segurança, que só é importante quando tem fogo, é o Corpo de Bombeiros da ONU. Vamos ver o sistema todo. O Banco Mundial e o próprio FMI têm uma culpa histórica pelos desmandos do neoliberalismo que eles apoiaram, ou deflagraram. É uma enorme satisfação ouvir o Lula dizer que, em vez de o Brasil chegar com o chapéu na mão no FMI, é o FMI que tem de chegar de chapéu na mão ao Brasil. Tudo bem, é uma pequena satisfação, mas vocês, Brasil, ainda não têm capacidade de se contrapor a isso, por dentro do FMI, por dentro do Banco Mundial.

PERGUNTA - O sr. acredita em crise do neoliberalismo e no fim da hegemonia americana?
SACHS - Não há dúvida quanto a um enfraquecimento da hegemonia americana e à falta de limites claros do neoliberalismo. Nós estamos sentados sobre escombros de paradigmas falidos, do socialismo real, do neoliberalismo, que não fez nada daquilo que pregou nesses 30 anos, e da Social-Democracia, que aderiu à posição de dizer sim à economia de mercado e não à sociedade de mercado. Acuados, vários países europeus foram longe demais nessa posição e não vão a lugar nenhum. Precisamos botar a cabeça para funcionar e colocar em circulação ideias novas.

PERGUNTA - Como não há vácuo de poder, quem ou o que emerge para ocupar o enfraquecimento relativo dos EUA?
SACHS - Não é tão simples assim, um desce, outro sobe.

PERGUNTA - Na economia, por exemplo, a China já passou o PIB da Alemanha e continua crescendo rapidamente.
SACHS - A China é para mim a maior incógnita para o futuro, eu não consigo entender a fundo o que está acontecendo agora lá, com um governo autoritário, uma fraseologia socialista e uma aposta forte numa conversão capitalista acelerada. Até mesmo na questão do ambiente, eles são dúbios: se você olha as políticas de proteção ao ambiente, são os maiores investimentos do mundo; se você olha o estado deles, é o país que tem sofrido as maiores devastações ambientais, com rios que não chegam mais ao mar. Um quebra-cabeça chinês.

PERGUNTA - E o Brasil?
SACHS - Não sei se o Brasil vai saber aproveitar, mas talvez seja o país em melhores condições para desempenhar um papel de liderança na terceira grande transição depois da revolução neolítica há 12 mil anos e da energia fóssil nos séculos 17, 18, que mudou definitivamente a face do mundo. Agora, entramos na terceira transição, a coevolução da espécie humana com a biosfera, a biocivilização moderna, que não vai ser de um dia para outro, pode durar até um século.

PERGUNTA - Quais suas expectativas para Copenhague?
SACHS - Tenho um medo enorme em relação a Copenhague, mas, se a Europa, o Obama e alguns emergentes se reúnem de repente e chegam a um compromisso, pode haver uma reversão importante.

PERGUNTA - O que seria uma reversão importante?
SACHS - Levar a sério a transição para uma economia de baixo carbono e acelerar o processo. Mas, para se ter uma política ambientalmente e socialmente correta, é preciso um Estado forte, não de um mercado.

PERGUNTA - Qual o peso da troca de Bush por Obama?
SACHS - Por um lado, um peso enorme, porque, sem Obama, o pessimismo seria total, irrevogável e negro. Com Obama, há alguma chance. Mas os grandes articulistas, inclusive o próprio Paul Krugman, mal dissimulam uma decepção. O Obama apostou que poderia fazer um governo bipartidário e já perdeu essa ilusão. E vai ter que pesar muito os argumentos contra e a favor, porque vai enfrentar uma eleição no ano que vem para o Congresso. Se perder, ele vai estar frito.

PERGUNTA - De outro lado, o Obama marcou muito uma posição mais aberta, tanto na campanha quanto já depois da posse. Ele tem condições de chegar a Copenhague sem ratificar nitidamente essa posição?
SACHS - Não tenho dúvidas sobre a importância histórica da eleição do Obama, mas ainda não dá para ter certezas e fazer prognósticos sobre o que será de fato o governo Obama, porque não dá para medir ainda o embate dentro dos EUA, só dá para saber que eles estão com problemas muito sérios e com o dólar indo para o brejo.

PERGUNTA - Ou seja: pelo que o sr. diz, o mundo todo está dependendo de duas grandes incógnitas, que são os EUA e a China?
SACHS - O fato é que nós estamos condenados a um G2, a China e os EUA. Com um paradoxo, porque é a maior potência capitalista do mundo e o último país que se diz socialista no mundo, e os dois estão numa situação de interdependência incrível, precisando de um acordo para definir o jogo. A China está sentada sobre uns US$ 1,3 trilhão do Tesouro americano e não quer perder isso. Por outro lado, se os EUA cederem a algumas pressões chinesas e os chineses começarem a gastar pelo mundo, o que vai acontecer?

PERGUNTA - Como fica a União Europeia nisso?
SACHS - A Europa está muito dividida, e o que nós construímos lá é um escândalo, porque foi justamente quando prevalecia a social-democracia na maior parte dos países que nós construímos um imenso monumento à madame [Margareth] Tatcher [ex-primeira-ministra linha dura do Reino Unido]. A UE foi e está muito impactada pelo neoliberalismo. Não creio que tenha peso significante.

PERGUNTA - É para levar a sério essa aliança estratégica entre a França e o Brasil?
SACHS - Eu, por ter sido envolvido na cooperação entre França e Brasil, fico muito satisfeito com essa aproximação, mas não posso deixar de lamentar que ela tenha sido feita pelo lado do armamento, não por outra coisa.

PERGUNTA - É só armamento mesmo, ou envolve um alinhamento político em foros internacionais, por exemplo?
SACHS - Faço votos para que seja e em outras coisa também. Será?

PERGUNTA - O sr. é sempre cético?
SACHS - E não só quanto à aliança. Eu sou bastante cético em relação à própria França, o que ela representa atualmente e qual será o real impacto da crise. Dá para imaginar um avanço mais rápido dos grandes emergentes diante dos europeus e, na minha avaliação, aliás, vocês não estão aproveitando suficientemente esse espaço.

PERGUNTA - O Lula não está? Nem mesmo politicamente?
SACHS - Não. Chegou um momento para que o Brasil seja um lugar onde se discuta o mundo. O protagonismo do Brasil deve aumentar não só a nível de comércio, onde está sendo empurrado para as commodities, mas também a nível da produção intelectual, cultural, política. O Brasil precisa surfar nessa onda altamente favorável aos emergentes e surfar, particularmente, nessa onda que é o enorme prestígio pessoal do Lula. Como disse o Obama, "he is the guy" ["esse é o cara"].

PERGUNTA - A Copa em 2014 e as Olimpíadas de 2016 já não são passos nessa direção?
SACHS - Olha, foi uma sorte o problema com o helicóptero no Rio não acontecer três semanas antes. Já imaginou a posição do Brasil na decisão das Olimpíadas?

Fonte: site folha online.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

CORRUPÇÃO: O INIMIGO DA REPÚBLICA

O filósofo Renato Janine Ribeiro trata do tema no volume "A República", da série Folha Explica. O livro contrapõe os ideais republicanos originais a seus "inimigos" --a monarquia, a corrupção e o patrimonialismo-- e questiona qual república é possível hoje.


O INIMIGO DA REPÚBLICA (2): A CORRUPÇÃO

Qual a sua idéia de corrupção? É quase certo que você fale em desvio, por um administrador desonesto, do dinheiro público. É a idéia que se firmou hoje em dia. Mas, antes disso, a corrupção era termo mais abrangente, designando a degradação dos costumes em geral.

Como a corrupção veio a se confinar no furto do bem comum? Talvez seja porque, numa sociedade capitalista, o bem e o mal, a legalidade e o crime acabam referidos à propriedade. Por analogia com a propriedade privada, o bem comum é entendido como propriedade coletiva - e até como bem condominial, aquele do qual cada um tem uma parcela, uma cota, uma ação.

Mas o bem comum é diferente, por natureza, do bem privado. No estatuto de uma sociedade comercial, é obrigatório incluir o destino a dar aos bens, caso ela se dissolva. Se constituo uma firma com um sócio, caso a fechemos repartiremos os bens que pertencem a ela. Mas isso é impossível quando se trata da coisa pública. Há certos "bens" que só ela produz e que não podem ser divididos: virtudes, direitos e uma socialização que não só respeita o outro como enriquece, humanamente, a nós mesmos.

Pensar o mau político como corrupto e, portanto, como ladrão simplifica demais as coisas. É sinal de que não se entende o que é a vida em sociedade. O corrupto não furta apenas: ao desviar dinheiro, ele mata gente. Mais que isso, ele elimina a confiança de um no outro, que talvez seja o maior bem público. A indignação hoje tão difundida com a corrupção, no Brasil, tem esse vício enorme: reduzindo tudo a roubo (do "nosso dinheiro"), a mídia ignora - e faz ignorar - o que é a confiança, o que é o elo social, o que é a vida republicana.

UM TEMA REPUBLICANO

Pode haver corrupção em outros regimes, mas sem esse nome ou sem os perigos que traz para a república. Lembremos a tipologia de Montesquieu: há três regimes, monarquia, república e despotismo. O despotismo é um fantasma; reside no Oriente; é a grande ameaça à política, porque nele tudo é comandado pelo desejo. Os súditos do déspota desejam muito, porque, com os nervos excitados, são sensíveis a toda impressão externa. Daí que sejam lúbricos, luxuriosos, imediatistas.

O império da lei é impossível sob o calor. Não havendo autodisciplina, só pela irrestrita repressão externa se dá o controle social. Para conter o desejo sexual das mulheres, é preciso trancá-las num harém e castrar os homens que as vigiam. No calor, governar é reprimir.

O curioso é que nesse regime -- mais uma caricatura que um retrato fiel dos sultanatos orientais -- não há o tema da corrupção. Como se corromperia um regime cuja essência já é a degradação (a corrupção) do ser humano? Mesmo que os ministros saqueiem os cofres, não existe, no despotismo, uma regra da honestidade, uma medida do equilíbrio, um padrão da decência. Sem regra, medida ou grau, não há como falar em desregramento, em desmedida, em degradação. A corrupção só cabe quando o regime social e político valoriza o homem. Não é o caso do despotismo.

Será o da monarquia? Nela, o princípio é a honra, e portanto uma valorização está presente. O nobre preza mais a honra que a própria vida. É isso o que limita o arbítrio do soberano. Mas há dois pontos a assinalar. Primeiro, poucos têm honra - só os grandes. Segundo, a monarquia é uma hábil construção para que de um princípio filosoficamente falso - a desigualdade natural entre os homens - decorram resultados socialmente positivos. A engenharia política aqui faz que o mal produza o bem.

O preconceito é valorizado na monarquia. Dele resulta uma sociedade que, se respeita a lei, não é pela repressão externa, nem pela autodisciplina ou pela convicção de que é justo acatá-la. Em suma, na monarquia há um uso sábio daquilo que, em linguagem republicana, seria corrupção: ela dá bons frutos. Há privilégios, há desigualdade, há apropriação privada do que seria o bem público. Mas isso é da essência do regime, e é usado por ele para evitar males piores, que estariam no arbítrio do rei, tornado déspota. E por isso não é correto falar, aqui, em corrupção.

Corrupção só pode haver, como nome, num regime que a vê como negativa, como má - num regime cuja existência é diretamente ameaçada por ela. É a república. Seus padrões são altos. Nela, o bem pessoal é requisito para produzir o bem social. Individualmente, tenho de agir bem. Só quem atinge esse nível de conduta é cidadão, na república. Ou, inversamente, apenas dos cidadãos se pede esse patamar de comportamento. Não se exige isso das mulheres, escravos, estrangeiros e de todos os que terão uma cidadania reduzida ou negada. Em outras palavras, a república é o regime da ética na política.

A CORRUPÇÃO ANTIGA

Há dois tipos de corrupção, na república, conforme ela seja antiga ou moderna. Na república romana, falava-se em corrupção dos costumes. O cidadão romano é o pater famílias. O nome "pai de família" não quer dizer que ele tenha filhos: seu significado é político e não biológico. Ele é o chefe da família, o varão que nela manda. Se um menino perder o pai e o avô, pode ser pater ainda bebê. Será "pai" de sua mãe, avó, tios e irmãos.

O pater manda na casa. Costuma-se dizer que a lei romana lhe conferia direito a punir e até matar as mulheres a ele subordinadas, mesmo a mãe, a esposa, as irmãs. Não é bem isso. É pior. Nenhuma lei lhe dá esse direito, simplesmente porque o membro da cidade é ele, e não as pessoas suas subordinadas. Elas não são cidadãs, mal têm identidade pública. Punir quem pertence a sua "família" é direito privado do pater, e não público.

O eixo do controle que o pater exerce sobre os seus passa pela moral. Um homem que não controle as mulheres que dele dependem é infame e será punido pelos magistrados que cuidam da moral. Essa moral não é apenas sexual (a vitoriana será exagerada e centralmente sexual), mas em parte o é. Discrição, autocontrole, contenção são alguns de seus termos principais.

É talvez em Roma que se elabora, ou se aprimora, um traço fundamental das sociedades mediterrânicas, que ainda perdura em alguma medida: a idéia de que a mulher não tem honra própria, mas porta a honra - ou desonra - do homem seu senhor. Violar ou desrespeitar uma mulher se torna assim a melhor via para infamar seu marido, irmão ou pai. Quem perde a honra não é ela, são eles. Daí que, ao se vingarem, eles às vezes matam também a mulher que - mesmo se foi violentada - serviu de veículo para eles serem desonrados.

Portanto, na república antiga, o centro da corrupção são os costumes. É preciso as pessoas serem decentes, para que haja república. Nisso se inclui a contenção sexual, mas sobretudo a capacidade de fazer passar o bem comum à frente do pessoal. Evoquemos Múcio Cévola, que - estando Roma cercada - vai ao acampamento dos inimigos matar o general deles. Erra e é preso. Vão executá-lo. Mas ele queima o próprio braço numa chama, sem um gemido sequer de dor, dizendo que assim o castiga pelo fracasso de seu intento. Horrorizados, apavorados diante de gente tão resoluta, os inimigos debandam.

Não há prova dessa história, que talvez não passe de lenda, mas o importante é que ela educou gerações de romanos na convicção de que o fim público passa à frente de qualquer elemento particular. Como escravos, mulheres e estrangeiros não sentem assim, é óbvio que não terão a dignidade de cidadão.

Contrastemos a coragem de Múcio Cévola com a dos exércitos orientais, descritos por Montesquieu nas Cartas Persas (lembrando sempre que ele exagera em suas referências ao mundo islâmico). Os soldados do sultão se batem até a morte, mas - diz ele, na carta 89 - sua valentia não é a de quem preza a si próprio, e sim a de quem se despreza. É medo (ao sultão) tornado coragem (diante do inimigo). Não é o caso do romano. A cidade é o que o realiza. É o que dá sentido à sua vida.

Daí, finalmente, que na república antiga a educação seja fundamental. Ninguém age - naturalmente - como Múcio. Pela natureza estamos mais perto da conduta feminina. As mulheres são os seres mais naturais. Querem satisfazer seus desejos. Desejam enfeitar-se, ter prazer. Precisam ser contidas - a fim de contermos nossa tendência natural a ser como elas. A educação do cidadão será permanente, pois em última análise pode fracassar. Não é uma educação como a moderna, que desde o Emílio de Rousseau (Émile, ou_De l'éducation_, 1762) acredita em transformar o ser humano em algo melhor e estável. A educação do cidadão antigo é interminável, porque não há como estabilizar seu produto. O homem pode - sempre - decair e corromper-se.

A LIBERDADE PESSOAL

A corrupção moderna é outra. É verdade que, quando a França institui sua Primeira República, durante a Revolução, muitos sonham com Roma, mais talvez que com Atenas. Mas isso não dura. E já os Estados Unidos, ou antes deles a Inglaterra monárquica, mas constitucional, haviam-se aberto para uma república de exigências aliviadas - como veremos com Mandeville.

Benjamin Constant (1767-1830), político liberal franco-suíço de tanto impacto no século 19 que um republicano brasileiro foi batizado com seu nome, criticou aqueles, como Rousseau, que davam tal importância à Antiguidade que não conseguiam ver as reais características dos novos tempos. Esse foi, disse, o erro dos revolucionários que quiseram restaurar a sociedade antiga, na qual a coletividade era tudo e o indivíduo, nada.

Para os antigos - explica Constant - a liberdade importante era a da pólis grega, da civitas romana. O cidadão aceitava sacrificar-lhe tudo. Mas nos tempos modernos a liberdade que conta é a do indivíduo, que não admite ser oprimido pelo coletivo. A coletividade para nós é um peso, um fardo. O convívio político e mesmo social se tornou custoso. Ampliou-se enormemente a vida privada, como área de produção econômica, como tempo de lazer e como espaço em que escolho os valores e fins mais preciosos de minha vida.

Disso resultam duas coisas. Primeiro, aumenta incrivelmente nossa liberdade - insistindo: como indivíduos, como pessoas. Escolho minha profissão, minha religião, meu amor. Cada vez preciso dar menos satisfação disso. Mas, se isso passa a constituir minha liberdade, é porque se esvazia o alcance social das escolhas. Se antes do século 17 tantas sociedades puniam severamente quem adotava uma religião distinta da dominante, era porque passava pela religião o elo social. Quando um budista se abstém de carne, um muçulmano de vinho, um judeu de porco, ele dá à sua religião um alcance bem maior do que no mundo leigo que a modernidade cristã construiu.

O que significa o casamento se tornar escolha pessoal? A justificação romântica é que assim escolho um cônjuge com o coração. Mas quer isso dizer que eu seja mais feliz? Não é óbvio. O casamento como contrato entre famílias tinha menor sentido sexual e sentimental, mas seu alcance social fazia dele um espaço de maior satisfação pública. Modernamente, estamos condenados a buscar a realização, a felicidade, no plano privado, quase íntimo. Perdemos a dimensão pública e sofisticamos a particular, a pessoal. Não é uma crítica; é uma constatação. Houve ganhos, mas também custos, uns e outros enormes.

A segunda conseqüência da modernidade é, assim, a redução do espaço público. Tornou-se exíguo. Os costumes passaram, de sociais ou grupais, a individuais. Surgiu a vida psíquica como campo cada vez maior de indagação, de perplexidade, de escolha. Ora, isso torna praticamente absurdo pensar em costumes como fiadores da república. Quando o valor básico é o da realização pessoal, como queimar a mão ou sacrificar a sexualidade a um ideal social? Ao contrário: se alguém nos propuser um ideal que passe por tais custos pessoais, provaremos que só pode ser um falso ideal, gerador de males sem fim e até de doenças. E provaremos isso tão bem quanto um antigo provaria o contrário.

A CORRUPÇÃO DESPOLITIZADA

Mas a idéia de corrupção dos costumes não desapareceu de um momento para o outro: provavelmente passou por duas fases. Para os antigos, ela ameaçava a república. Quando a França retoma uma república mais próxima da romana, em 1792-3, a corrupção e seu antônimo, a virtude, voltam à cena. Mas isso dura pouco. Daí a dois anos, Robespierre, o Incorruptível, é deposto e guilhotinado. Na vitória dos moderados - ou corruptos, como outros os vêem -, é interessante que as roupas femininas se tornem vaporosas e que em fins da década de 1790 mulheres da sociedade até exibam em público os seios nus.

Poucas sociedades se dispõem a pagar, pela república, o preço da contenção dos costumes; talvez o último movimento a fazê-lo tenha sido o Khmer Rouge, que tomou o poder no Camboja em 1975 e chacinou um terço da população, querendo purificá-la. Alguns temas republicanos, reativados em nossos dias, correm o risco de resultar em crime contra a humanidade.

Essa foi a primeira fase, tentando-se reciclar Roma em Paris. Mas não sumiu o tema da corrupção dos costumes. Não deu certo articulá-lo com a república, mas ele ressurgiu, fortíssimo, com os vitorianos. É curioso: Constant mostrou que não pagaríamos, pela república moderna, o sacrifício de nossa vida íntima. Mas se pagou esse preço, pela monarquia moral da rainha Vitória. A contenção dos costumes veio não com a república, com o regime da autonomia ou do autogoverno, mas com o da heteronomia, do moralismo, das reverências à realeza.

Nessa segunda fase, a corrupção tornou-se tema exclusivamente moral. Sustentou, é claro, uma política - mas sustentou-a de maneira não clara e explícita, como na república romana, e sim implícita e indireta. Até porque a contenção dos costumes era apresentada não como a condição para uma política (se quiserem ser livres politicamente, abram mão da liberdade íntima), e sim como a única conduta decente. No século 19, quando alguns religiosos cristãos, chocados com o deboche sexual dos polinésios, procuraram ensinar-lhes um modo tido como decente de ter relações sexuais (o papai-mamãe, como chamamos, ou a missionary position, como ficou conhecido em inglês), o que faziam era transmitir essa moral única para toda a humanidade. A política - no caso, a destruição de uma cultura em proveito da ocidental - vinha a reboque, discreta, escondida.

Enfim: a contenção e a corrupção dos costumes deixaram de ser tema explicitamente político e essencialmente republicano. Ocultaram a dimensão política e favoreceram a opressão. Nossos políticos da República Velha podiam ler Cícero e reprimir as mulheres de sua família: com isso nada efetuavam de republicano. Temas romanos podiam ser repetidos, mas tinham-se tornado vitorianos.

NOSSO PROBLEMA

A corrupção continua, porém, sendo um tema republicano - só que com outro sentido, outro conteúdo. Ela ainda é o grande perigo para a república. Como esta valoriza o bem comum, todo desvio dele para o particular a ameaça. Mas nossa idéia de corrupção é mais fraca que a antiga.

Chamamos de corrupção o furto do patrimônio público. Ora, isso faz esquecer que o bem público tem natureza distinta do bem particular ou da propriedade privada. Muitos se referem ao Estado como se fosse equivalente a um indivíduo ou empresa. Com isso, ficam na perspectiva patrimonialista, cujos problemas vimos no capítulo anterior.

Uma saída para a pouca importância, hoje, do tema da corrupção seria apostar na educação. Diríamos: a corrupção ameaça a república, mas não se resume no furto do dinheiro público. O corrupto impede que esse dinheiro vá para a saúde, a educação, o transporte, e assim produz morte, ignorância, crimes em cascata. Mais que tudo: perturba o elo social básico que é a confiança no outro. Quem anda por nossas ruas, com medo até de crianças pequenas, e depois se espanta com a descontração das pessoas em outros países pode sentir o preço que pagamos por não vivermos numa república - por termos um regime que é republicano só de nome.

A saída educativa é indispensável. Mas ela exige dar à educação dos costumes um sentido distinto do que teve no antigo pensamento republicano. Não se trata mais de conter a sexualidade, de promover a castidade e a discrição. Os costumes viáveis, a educação desejável em nosso tempo têm a ver com a realização pessoal. Será preciso combinar essa promoção de si com o respeito devido ao outro. E será necessário, mais que tudo, recuperar - ou reinventar - a idéia de que haja algo, no espaço comum a todos, que seja mais do que um simples arremedo social da propriedade privada.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

COPENHAGUE: ESTAMOS VIVENDO O FIM DE ALGUMA COISA? E O QUE ESTÁ NASCENDO?

Começou nesta segunda (7/12) em Copenhague (Dinamarca) a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15). Até o dia 18, negociadores de mais de 190 países terão a difícil missão de chegar a um consenso sobre o novo acordo climático para complementar o Protocolo de Kyoto depois de 2012.
O desafio inclui a conciliação de interesses de países ricos e nações em desenvolvimento para chegar a níveis de redução de emissões de gases de efeito estufa que evitem o colapso climático do planeta. Também está em jogo a definição de um mecanismo para compensar a redução de emissões pelo desmatamento de florestas e dos valores do financiamento dos países ricos para os que os mais pobres se adaptem às consequências da mudança do clima, conta que até agora não está fechada.

Os diplomatas chegam a Copenhague sob pressão para evitar o fracasso do encontro, alardeado nas últimas semanas por organizações ambientalistas que temem que a COP-15 termine apenas com um acordo político, sem medidas efetivas para salvar o clima. A expectativa ficou menos sombria após o anúncio de metas e compromissos de países como os Estados Unidos, a China, Índia e o Brasil.

Grande poluidor e único país rico a não assinar o Protocolo de Quioto, os EUA prometeram corte de 17% das emissões até 2020. A China, numa conta mais complicada, anunciou compromisso de corte entre 40% e 45% por unidade de Produto Interno Bruto (PIB) até 2020, o que na prática ainda significa dobrar as emissões do país. A conta brasileira é de redução entre 36,1% e 39,8% até 2020, o que segundo o governo, vai evitar o lançamento de mais de 1 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera.

Mesmo com parte dos números na mesa, é improvável que a reunião de Copenhague defina o novo regime global para complementar o Protocolo de Quioto. Nos últimos meses, reuniões preparatórias e encontros multilaterais não foram suficientes para fechar pontos importantes do acordo, que, pela regras da Organização das Nações Unidas (ONU), só pode ser aprovado por consenso.

Um dos principais nós é o impasse sobre o financiamento de ações de adaptação e mitigação nos países em desenvolvimento. O dinheiro tem que vir dos países desenvolvidos, mas até agora não há sinal de acordo sobre os valores. Os mais pobres argumentam que são necessários pelo menos US$ 400 bilhões por ano. A melhor proposta na mesa por parte dos países industrializados prevê aporte de cerca de US$ 140 bilhões, mas parte do dinheiro teria que vir dos países em desenvolvimento, caso do Brasil, da China e Índia.

Geralmente representados por diplomatas e ministros, chefes de Estado importantes no jogo da negociação climática já confirmaram presença em Copenhague em algum momento das próximas duas semanas. O norte-americano Barack Obama, o francês Nicolas Sarkozy, a alemã Angela Merkel, o britânico Gordon Brown e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão com passagens marcadas para a capital dinamarquesa.

Além de governos, participam da COP-15 representantes de organizações não governamentais, observadores internacionais e ativistas de todo o mundo. Em duas semanas de reunião, o número de participantes deve passar de 30 mil.

(Agência Brasil)

Fonte:Mercado Ético

domingo, 6 de dezembro de 2009

Desafio para Evo Morales: Neoliberalismo ou radicalizar a Democracia.

O presidente da Bolívia e candidato à reeleição, Evo Morales, disse neste domingo que os bolivianos que forem às urnas hoje decidirão se estão "com a mudança" ou se voltam ao neoliberalismo, que, destacou, não trouxe nenhum benefício ao país.

Morales fez esta afirmação após votar em uma escola do município Villa 14 de Septiembre, localizado na região do Chapare (Cochabamba, centro).

"O povo hoje tem direito a decidir conscientemente se continua se aprofundando na democracia ou se retorna ao neoliberalismo, se está com a mudança ou se está com o neoliberalismo. É isso que o povo boliviano decidirá com seu voto", disse Morales à imprensa.

O governante, que chegou ao colégio por volta das 8h45 (10h45 de Brasília), acompanhado da filha Eva Liz e de alguns líderes sindicais, foi aplaudido pelos eleitores presentes no local.

Morales se disse otimista em relação às eleições gerais, mas preferiu não "cantar vitória" antes do tempo, uma vez que o resultado da disputa entre os oito candidatos à Presidência "está nas mãos do povo".

O presidente também pediu ao povo que participe ativamente da eleição, à qual se referiu como "histórica", já que acontece sob a primeira Constituição boliviana aprovada por um referendo.

Em seguida, o chefe de Estado destacou que, também pela primeira vez, os indígenas poderão escolher diretamente seus representantes na futura Assembleia Legislativa Plurinacional.

Morales deve voltar a La Paz nas próximas horas. A partir das 17h (19h de Brasília), ele receberá ministros e líderes de setores sociais na residência presidencial. Antes das 23h (1h de Brasília), fará um pronunciamento sobre o resultado das eleições.
fonte:site PT

sábado, 5 de dezembro de 2009

"O que esperar de Copenhague" ?

Henrique Andrade Camargo, analisa para o jornal eletrônico "Mercado Ético" aspectos fundamentais, do encontro mundial que reunira mais de cem países, na capital da Dinamarca, Copenhague. Serão onze dias, com início na próxima segunda feira, dia 07 de dezembro. Os desafios não são poucos. Mas há um fato no mínimo curioso: pela primeira vez a questão ambiental tomou conta do dia a dia das pessoas no Brasil. Enchentes em escala sem precedentes, tufões, secas, mudanças climáticas repentinas passou a ocupar o cotidiano dos brasileiros e outros povos.Acompanhe abaixo as reflexões de Henrique Camargo.

É sempre bom reforçar que um pouco de meta é muito melhor do que não ter meta nenhuma. Claro que isso não quer dizer que esse pouco seja suficiente. Imagino que as negociações climáticas da COP15, que começam na segunda-feira (7/12), em Copenhague, vão seguir esse roteiro.
As principais nações do mundo já apresentaram publicamente o que vão (ou não) colocar nas mesas de negociações. O Brasil surpreendeu, sendo o primeiro entre os BRICs a anunciar que tipo de medidas planeja para contribuir com a mitigação das mudanças climáticas. Apesar de ser uma proposta controversa, com diversos pontos dúbios e obscuros, como a previsão de emissões de CO2 pelo país em 2020 e como serão financiadas as medidas para diminuir essas emissões, o governo brasileiro não tinha nenhuma obrigação legal (mas, sim, dever moral) de propor metas. O país, ao contrário das nações mais desenvolvidas, não tem culpa da maior parte do carbono já concentrado na atmosfera.

O fato é que a iniciativa brasileira pressionou outros governantes que evitavam o assunto. Não demorou muito e os EUA, a China e a Índia, três dos grandes poluidores do planeta, também disseram o que vão levar a Copenhague.

Mas de acordo com o Fórum Humanitário Global, organização dirigida pelo ex-secretário geral das Nações Unidas, Kofi Annan, as metas até então apresentadas não são suficientes para evitar um grande desastre. Para a entidade, ainda é preciso um pouco mais de esforço das nações mais ricas para que o planeta siga na rota da sustentabilidade de maneira mais consistente.

As metas divulgadas até agora, se cumpridas, podem significar um aumento de 5% na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Esse volume causaria uma elevação da temperatura média da superfície terrestre acima dos 2°C, considerada a marca segura para se evitar os piores cenários. Como lembra Annan, as mudanças climáticas já são altamente perigosas mesmo com um aquecimento global médio inferior a 1°C.

Mas se o ex-diretor-geral da ONU acha que um pouco mais de esforço bastaria para chegar a um acordo desejável, James Hansen, cientista climático que dirige o Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, acredita que o acordo como vem sendo desenhado será um completo desastre. Para ele, seria melhor que se começasse a fazer um outro, novinho em folha.

A verdade é que as nações desenvolvidas são resistentes em assumir suas responsabilidades na concentração de carbono na atmosfera. Um exemplo pouco (ou nada) divulgado, foi uma declaração do presidente da República Tcheca, Václav Klaus, que esteve na semana passada no Brasil. Em reunião com o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, Klaus queria saber o motivo da empolgação do brasileiro em ir para a COP15. Mendes disse que aquela poderia ser uma oportunidade para garantir recursos dos países ricos para a preservação da floresta. O tcheco, incrédulo, disse que não podia acreditar em seus ouvidos.

Outro ponto que causa agonia é a derrota pré-anunciada da conferência. A última delas foi feita nesta quinta-feira (3/12), pelo presidente Lula e pela chanceler alemã, Angela Merkel. Eles disseram que não vai ser desta vez que um acordo ideal sairá do papel. Apesar disso, a chanceler considera que haverá avanço em Copenhague.

Mas soa suficientemente bem um avanço que não garanta a segurança de centenas de milhões de pessoas que vivem nos países mais pobres? Mesmo não sendo eles os culpados pelo caos climático, serão os que mais vão sofrer com o aquecimento global.

Isso não parece justo para mim. E para você?

(Mercado Ético)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Ladislau Dowbor: MICROECONOMIA PARA ECOLOGIA

A produtividade sempre foi vista como um conceito positivo. Fazer mais coisas com menos esforço, ganhar mais dinheiro com menos investimento, obter mais grãos por hectare, tudo isto aparece como um processo de gestão mais racional, e se associa a outros conceitos positivos como competitividade, just-in-time, kaiban, kaizen, total quality management e assim por diante. Estamos todos correndo para aumentar a produtividade.

A conta que fazemos é errada, por uma razão simples: não abarca a totalidade do que devemos contabilizar. Um exemplo prático é o da agricultura. As propriedade de mais de 10 mil hectares cultivam, segundo o nosso antigo e ultrapassado censo agrícola (e enquanto não nos chegam as tabulações do último), entre 4 e 5% da terra que ocupam. Na parte cultivada, apresenta bons rendimentos de toneladas de graõs por hectare. No entanto, se dividirmos o produto obtido no estabelecimento agrícola não pela área plantada, mas pela área ocupada, a produtividade fica ridícula. E a realidade é simples: terra que não se usa, nem se deixa usar, pode ser posta de lado para efeitos de cálculo de produtividade?

Os pequenos produtores rurais, responsáveis por 70% da alimentação que chega às nossas mesas, cultivam e média 65% da terra que têm, pois buscam aproveitá-la ao máximo. Mais do que isto. Enquanto a monocultura nas grandes extensões utiliza a mão de obra sazonalmente, para o plantio e a safra, na agricultura familiar há sempre coisas a fazer, desde melhorar a irrigação até consertar a cerca. E os diversos subprodutos são aproveitados, desde o esterco das galinhas para a horta, até os resíduos de legumes para os porcos e assim por diante. Trata-se aqui de um cálculo de produtividade integrado, envolvendo a terra, a mão de obra, os subprodutos, a reprodução da fertilidade do solo.

As florestas da Indonésia estão sendo liquidadas para plantio de palmas destinadas à produção de azeite e de bio-combustíveis. Como calcular a produtividade? Sem dúvida, a produtividade energética da palma é muito melhor do que a do milho norte-americano. Mas é só esta produtividade que interessa? Como não foi avaliada como produtiva a capacidade de absorção de CO2 da floresta, e nem a sua contribuição em termos de economia florestal, a conta é errada, pois não leva em consideração o conjunto dos custos. E uma contabilidade incompleta leva a contas erradas, e estas por sua vez levam a decisões erradas.

A origem do erro não está na capacidade aritmética dos contadores, mas na estreitez da visão micro-econômica. O investidor em óleo de palma na Indonésia ou na Malásia não está interessado na emissão de gazes de estufa, pois ninguém vai cobrá-lo por isto. Nem nos eventuais impactos na pluviosidade, pois isto representa custos difusos, que o conjunto da sociedade vai pagar. Ou seja, a apropriação dos lucros é individual, mas a conta das externalidades é social. Com isto, fica fácil mostrar que o empreendimento é produtivo. Inclusive, permite sugerir que a empresa que colhe os frutos é produtiva, enquanto o Estado que conserta os danos gera custos. Esta dualidade contábil não faz sentido.

Tem mais. Como os custos difusos são repassados para a sociedade em geral, quem melhor assegurar o repasse minimiza os seus custos de produção, e se torna mais competitivo relativamente às outras empresas do mesmo setor. Chamamos isto de mercado, competição. O resultado, é que o mercado leva a uma corrida de quem mais consegue jogar para a sociedade os custos do processo produtivo. Isto representa um aumento da produtividade micro-econômica às custas da queda da produtividade sistêmica. E como consertar é muito mais caro do que adequar preventivamente os processos produtivos, todos perdem, e a produtividade sistêmica fica prejudicada.

Lester Brown faz um cálculo simples. Encher com etanol o tanque de um destes SUV modernos sugadores de combustível, exigiria uma quantidade de grãos equivalente ao que seria necessário para alimentar uma pessoa durante um ano.1 É produtivo isto? Do ponto de vista do governo americano, a ameaça climática permitiu aprovar subsídios para os produtores de milho, ganhando assim uma (falsa) imagem de amigos do clima, e encher os bolsos dos amigos, o que gera rendimentos eleitorais. Os grandes grupos da corn-belt, equivalente em termos políticos do nosso agro-negócio e da bancada ruralista, agradecem. Hoje resistem a ferro e fogo a qualquer redução dos subsídios, ainda que se tenha provado que em termos de produtividade energética e de impacto climático a iniciativa é tecnicamente errada. As empresas apenas apresentarão a “conta estreita”, de quanto produziram ou exportaram.

A conjugação dos mecanismos perversos de mercado – quanto mais se jogar para a sociedade os custos indiretos, mais se é competitivo – e dos mecanismos políticos de apropriação de poder pelas corporações, gera a destruição das matas, a poluição dos mananciais, a quimização dos lençóis freáticos, o acúmulo de desempregados nas periferias urbanas, e o aprofundamento dos desequilíbrios sociais através da apropriação dos resultados da produção por poucos grupos nacionais e internacionais.

O conceito de produtividade sistêmica do território está baseado numa análise integrada dos custos e benefícios para a qualidade de vida da população de uma determinada região, envolvendo o conjunto dos fatores, e assegurando que a própria base natural e produzida de riquezas seja mantida ou aumentada, e transferida para as próximas gerações. Viver às custas das futuras gerações, não tem nenhum sentido, nem ético nem econômico, ainda que faça todo sentido em termos de lucro corporativo, na forma atual de calcular a produtividade.

O elementar, neste caso, é cada município elaborar uma conta simples, uma bateria de indicadores de qualidade de vida do território, permitindo à comunidade responder a duas questões básicas: Estamos vivendo melhor? O caminho que adotamos é sustentável? Isto envolve duas alterações no modo como avaliamos o desenvolvimento.Uma se refere à visão sistêmica, outro à visão de longo prazo.

Os municípios no chamado “arco do fogo” da fronteira amazônica se revoltaram com o reforço do controle sobre o desmatamento. É compreensível. As madeireiras estavam fazendo muito dinheiro com um produto que não precisaram produzir, a mata nativa. Dizemos que é produção madeireira. Na realidade não é produção, é apropriação de bem público. É fácil ver que o processo não se sustenta no médio ou longo prazo. Mas para a população pobre local, a atividade das madeireiras significa empregos, e a fome no longo prazo é menos importante do que a perspectiva da falta de almoço hoje. Gera-se assim uma solidariedade perversa de destruição de riquezas naturais acumuladas. Para a madeireira, não tem importância, pois vai se deslocar para outra região, e o peão desempregado vai seguir. Para cada agente econômico individualmente, as coisas fazem sentido. Do ponto de vista do equilíbrio econômico do território, é absurdo. Como substituir a “fronteira móvel” destrutiva pela dinâmica estável de uma prosperidade em construção? Não se escapa da necessidade de fazer a conta completa dos custos e benefícios para a sociedade, no médio e no longo prazo.

Cada município tem um determinado acervo de potenciais econômicos. Em muitas localidades, encontramos terra parada, pessoas desempregadas na cidade, e insuficiências alimentares. Uma breve análise aponta para a subutilização dos fatores, e para os direcionamentos necessários dos investimentos e dos esforços de organização econômica e social. O desemprego representa um custo elevado, não só em sofrimento humano e desequilíbrios sociais, como em produtividade não aproveitada. Seria natural calcular o desemprego como custo, multiplicando o número de desempregados pela valor médio de produção per capita na comunidade. Como seria natural calcular o hectare não utilizado de terra como custo em função da produtividade média das terras da mesma comunidade efetivamente cultivadas.

Semelhante exercício tem de ser feito com a valoração do tempo perdido. Tres horas por dia perdidas no trânsito em São Paulo, por exemplo, para os cinco milhões de ocupados que se deslocam para o trabalho, a 10 reais a hora, representariam 150 milhões de reais por dia. Ganhar uma hora por dia, por exemplo com ampliação do metrô e dos corredores de ônibus, representaria 50 milhões de reais de economias, o que permitiria financiar um quilómetro de metrô a cada quatro dias. Seriam exagerados os 10 reais, ou as 3 horas? Podemos mudar as cifras um pouco, mas isso não mudaria a realidade. A contabilidade incompleta nos faz perder de vista onde estão as reais oportunidades de melhorar a produtividade sistêmica do território.

A realidade é que na ausência de um sistema confiável e decente de transporte coletivo, as pessoas se vêm forçadas a recorrer ao transporte individual, o que emperra o trânsito, e faz com que todos se vejam parados por excesso de meios de transporte. A conta que hoje fazemos é que as vendas de carros aumentam, o que por sua vez aumenta o PIB, o que seria bom. E tem mais, como todos andam em primeira e segunda, aumenta o consumo de combustível, e temos mais hospitalizações com acidentes e doenças respiratórias. Aqui também aumenta o PIB, e às vezes também o emprego. E o emprego tende a ser visto sempre como positivo, ainda que resulte de atividades negativas em termos de qualidade de vida.

Na cidade de Piraí, no Rio de Janeiro, o wi-fi urbano cobre a cidade com sinal banda-larga de internet. Com isto a mercearia passa a buscar melhor preço, em caso de ruptura de estoque vai buscar em outra mercearia do bairro, as pessoas se deslocam menos porque quem viaja não são elas, e sim os bits, o que é bem mais barato. Este tipo de iniciativas, o acesso à banda larga internet, ou a fluidez do transporte coletivo, torna todos os agentes econômicos mais produtivos, gerando economias que são externas à empresa, mas internas ao território. É uma elevação da produtividade sistêmica.

Para introduzir um cultivo destinado a biocombustíveis, não basta contabilizar o balanço energético, as emissões evitadas e a renda gerada para o produtor. Precisamos saber quantos empregos são gerados, pois se a monocultura mecanizada expulsa o agricultor do campo, alguém terá de suportar os custos da favelização e do desemprego na cidade vizinha. E precisamos saber os impactos em termos de água, tanto em termos de uso como de contaminação com agrotóxicos, que por sua vez prejudica atividades de pesca, e gera outros custos. Importante também saber se se trata de empregos que qualificam as pessoas, levando-as a patamares tecnológicos mais avançados, ou pelo contrário as tranca num ciclo de sobrevivência miserável. A contabilidade sistêmica busca identificar os efeitos induzidos, positivos ou negativos.

A “vaca holandesa” não é apenas internacional. Um município invadido por uma monocultura de agro-negócio de grande escala, exporta o seu produto, e termina importando todos os seus alimentos, frequentemente de grandes distâncias. Vira um município de pobres onde alguns ricos fazem muito dinheiro. Um município precisa saber onde são gastos ou investidos os recursos gerados por produtos nele desenvolvidos. Inclusive onde são aplicados os recursos depositados nos bancos pelos residentes do município, e em que atividades.

Tudo isto aponta para uma outra contabilidade, em cada localidade. Indicadores de qualidade de vida que mostrem se o objetivo maior, de que as pessoas vivam melhor, está sendo realmente atingido. Indicadores de sustentabilidade que mostrem a que ponto as condições de vida atual são conquistadas pela expansão das capacidades produtivas no longo prazo, ou por uma simples dilapidação do capital natural heradado. Quantificação em moeda dos custos reais dos processos produtivos, agregando-se os custos de reposição do capital natural consumido, do desemprego, do tempo perdido, das doenças geradas.

Metodologias não faltam. As informações estão quase todas disponíveis, nos agentes públicos e privados. Falta o bom senso de organizar as contas.


*Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”, “O Mosaico Partido: a economia além das equações”, “Tecnologias do Conhecimento: os Desafios da Educação”, todos pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org – Contato ladislau@dowbor.org

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

TALENTOS DA MATURIDADE: UM DOS TRABALHOS VENCEDORES.

Paraneia

...ele arquejava agonizando
– Pode falar de morte e de vida na mesma estrofe?
...ele arquejava
o sangue jorrava da boca em verde cascata
– Pode mandar para o inferno
os senhores:
Roland Barthes, Gerard Genette e Levi Straus?
(e que vá o professor também para o inferno)
...ele arquejava, os olhos baços de quem
quase nada quer
Quando eu era menino gostava de brincar
nas grandes casas vazias
para sentir o cheiro de tinta fresca
e brincar com o eco de minha voz
repetindo
repetindo
rep
...ele morria jogado no chão
– Pode morrer alguém de súbito numa rima?
Já tive uma amante nojenta
que saiu pulando pelada
depois que fez amor comigo
(logo naquela noite que eu estava tão romântico...)
– Pode fazer anarquia no verso?
Aquele passarinho morto na mão de meu pai
é o quadro que Portinari não pintou
Um dia, um palhaço quis voar e pediu
as asas a uma borboleta
a borboleta morreu de rir
o palhaço morreu no chão
Sabe aquela estrela mais gorda no céu?
Ela é minha, vou fugir pra lá
quando ficar famoso
só para não dar entrevistas
– Pode ficar doido no soneto?
Aí ela me olhou longamente
apagou o cigarro e me disse uma frase de Descartes
(a frase já esqueci, mas não consigo esquecer
como ela estava bonita naquele dia)
é preciso falar de saudade
nessa porcaria de poesia
senão não tem graça:
Quando faz noite fria me lembro dela
...ele morreu de bruços
na calçada com uma facada nas costas
choveu muito e eu fui pra rua
gosto de ficar todo chovido
(porque água e poesia matam
a quem não sabe brincar com elas, sei disso)
Agora vou falar do meu amor
para acabar esse poema direitinho:
ela é meu mar de ondas
que vão e que vêm
Eu sou o rochedo náufrago
Tentado me afogar, mas não consigo
– Será que podia falar de amor nesse poema, gente?

Adeivan Barbosa Ferreira

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O POEMA NÃO PREMIADO NO CONCURSO TALENTOS DA MATURIDADE

Proclamação do Vida

Em certa hora vespertina de abril
(o vento entretido com adjetivos celestes,
ligas de bronze, cimento e cristais)
arrisco na fuligem da cidade
que se promete em sangue
o verbo explosivo da vida.
Este desdobrar em dois
A promessa secretamente anunciada
Num ventre de fêmea,
Quando nem sequer pássaros mais ambíguos
Arriscavam-se no espaço definitivo de uma gaiola;
Quando nem sequer flores
Ousavam com seus perfumes
Povoar longas avenidas
Com seus flertes efêmeros!
O mistério transpôs os limites
De todas as gramáticas,
Todos os vocábulos,
Explorando num tatear de brisa
A multiplicação das células
Enfim, tornadas, fogo.
Viajo a antevéspera de tuas formas;
Teus braços, teus olhos, que um dia se abrirão
ao contorno das coisas domésticas,
Das estrelas, do tédio e da febre.
Teus lábios, hálito morno de flores,
Um dia obrigado ao silêncio
De discursos jamais recitados.
A força de tuas proteínas, os minerais
que compõem teu sangue, o poema que antecipa
teus primeiros passos,
como a valsa embriagada das constelações.
Meu filho –
Como poderei com forja rude onde aprendi o ódio
Ensinar-te o sorriso dos deuses?
Sinto teu coração repicar
O sino de um templo sagrado.
Sinto teus movimentos
No universo finito, onde lapidas
O brilho embaraçado do sol.
Sinto todo teu corpo
Que se prepara à moda dos guerreiros
Para saltar na praça central da república.
Ouço o sangue que percorreu tuas veias
E retornou em circuito de labirintos
Ao centro físico de minhas angústias.
Trazia uma linguagem, que nenhum sábio
Ousou traduzir, nos manuais primitivos
Da ciência que nos tornou anfíbios.
Em silêncio ouço teu canto de vida.
Vem meu filho. Poderei dar-te o dom da palavra.
Iniciá-lo no manejo de máquinas
Que jamais compreendemos
E no entanto
Compõe nossa mesa, na refeição matutina.
No diálogo mudo
Implantado em todos os canais de fala humana.
Se domingo, iremos ao parque dos leões.
Ao gabinete dentário, a um baile de máscaras.
Convém que entendas certas minúcias desta comédia.
Cruzaremos avenidas polvilhadas de símbolos,
Regras cívicas, fumaça e contravenções penais.
Cruzaremos terras minadas com o napalm, injustiça e medo.
Festejaremos todas as datas autorizadas no calendário.
!Fadas e pirilampos, meu filho, encontraremos no comércio
A título de liquidação!
Ainda assim eu te digo:
-Vem meu filho.
Vem me ensinar o sorriso dos deuses.

Frederico Ozanam Drummond

Confira os trabalhos vencedores:
http://www.talentosdamaturidade.com.br/galeria/index/cat/literatura/ano/2009/winners/1/ordem/vistos/busca/

Agricultura Familiar é mais eficaz do que agronegócio.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirmou que a Reforma Agrária deve ser vista como um importante passo na produção de alimentos e no combate à fome. “Para o Brasil, quanto mais Reforma Agrária, melhor”, disse, ao participar de entrevista a emissoras de rádio durante o programa Bom Dia, Ministro. Ele destacou que a agricultura familiar ocupa mais trabalhadores se comparada ao agronegócio – 15 contra um. Além disso, acrescentou, é 89% mais produtiva e gera R$ 677 por hectare ao ano. Já a agricultura em grande escala gera R$ 378 por hectare ao ano.

“Está faltando a gente continuar. O governo Lula fez 59% de tudo o que foi feito de reforma agrária na história do país, foram 45 milhões de hectares de terra e a gente tem que continuar. Temos que nos preocupar menos com a quantidade de famílias assentadas e mais com a qualidade”, disse Cassel. O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, destacou que mais de 80% da população brasileira vivem nas cidades e disse que, para que o país tenha mais conquistas na reforma agrária, é preciso avançar no que chamou de “reforma humana”.

“Defendemos o direito de propriedade, o mercado normatizado pelo Estado, queremos empreendedores, mas o direito de propriedade deve estar subordinado às exigências superiores do direito à vida, da dignidade humana. Não se admite mais a pessoa ter terra para fins especulativos. Na área rural, precisamos produzir alimentos e, na área urbana, precisamos de casas.”

fonte:http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=3510&eid=8

“No agronegócio não existe essa questão de produção ecologicamente correta”

Trabalhei durante 3 anos com o Fumagalli, na Secretarina Nacional de Formação, da CUT. Suas posições sempre foram muito coerentes na defesa de um movimento ecológico e ambientalista radicalmente democratico. Veja o resenha de sua entrevista para o site: www.amazonia.org.br.

O agronegócio visa somente o lucro e dificilmente irá ter uma real preocupação com as questões ambientais e relações de trabalho. A opinião é do Coordenador Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dirceu Fumagalli, que participou da divulgação dos dados preliminares do relatório de conflitos do campo. A região Norte foi a que apresentou os maiores índices de assassinatos e trabalho escravo do País.

De janeiro a novembro deste ano, nove lideranças, posseiros, indígenas e sindicalistas foram assassinadas no Norte do Brasil, área onde também foram encontradas 83 pessoas que trabalhavam em situações análogas à de escravo no mesmo período. Embora ainda seja líder, a região apresentou uma queda nos números de assassinatos e de trabalho escravo, se comparado a 2008, quando os índices foram 12 e 111, respectivamente.

Fumagalli afirma que um dos principais geradores desses índices é o avanço do agronegócio em regiões como Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que faz com que outras culturas, como a pecuária, avancem sobre a floresta. Dessa forma, segundo ele, aumentam os conflitos pela terra entre os pecuaristas, madeireiros e agricultores e as populações tradicionais. Uma briga entre o “interesse do capital e a luta pela dos trabalhadores e trabalhadoras”, como define.

Em entrevista ao site Amazonia.org.br, Fumagalli comenta a elaboração dos estudos de violência do campo e afirma que os dados podem ser ainda maiores. Segundo ele, a única solução para o enfrentamento do problema seria a reforma agrária, tendo em vista a necessidade de se reconhecer as terras tradicionalmente ocupadas e a desapropriação de latifúndios.

http://mercadoetico.terra.com.br/Fonte:

domingo, 29 de novembro de 2009

UM GAMBÁ EM MEU JARDIM.


Em abril deste ano eu já estava me instalando em uma casa na região da Cachoeira do Bom Jesus, no norte da ilha de Florianópolis. O local fica entre praias conhecidas como Canasvieiras, Ingleses, Jurerê entre outras. Cachoeira é uma praia que tem dependência de muitos serviços urbanos disponível em Canasveiras. Desta forma nos últimos 8 meses pelo menos umas três vezes por semana eu faço o percurso entre estas duas praias. Para quem não conhece a região vai aqui algumas dicas:
O nome Cachoeira do Bom Jesus deriva do Morro do Bom Jesus, onde existe uma cachoeira. Situada ao lado da Praia de Canasvieiras,apresenta as mesmas características naturais: mar de águas calmas e quentes. Tem boa infraestrutura, apresenta bons hotéis, pousadas casas e apartamentos para aluguel de temporada. Só que é mais sossegada do que sua vizinha; muito bom lugar para quem procura tranqüilidade para viver ou em férias, longe da agitação da cidade. Dista 30km do centro de Florianópolis. Como chegar de carro: segue-se a SC-401 até o Trevo de Canasvieiras, onde, na rotatória, se entra à direita e se segue no sentido de Ponta das Canas e Praia Brava,(há indicações).
Nos últimos 30 dias me surpreendi com uma extraordinária movimentação de tratores, na região do Sapiens Parque. Fiquei ainda mais surpreso quando vi as máquinas demolindo árvores, para a ampliação da estrada que liga Canasvieiras a Cachoeira do Bom Jesus. Logo fiquei sabendo que se tratava da movimentação para a construção da pista internacional do novo kartodromo de Florianópolis. E com data marcada para inauguração; seria em novembro de 2009. No momento em que escrevo este texto já está em sua fase final o Desafio Internacional da Estrelas, com a presença de 25 dos maiores pilotos do automobilismo internacional.
O desafio marcou estréia da nova pista da Arena Sapiens Parque, de 1.207 metros e que foi projetada pelo piloto Lucas Di Grassi, também presente na competição, com sugestões de Massa e Schumacher.
Intrigado com a intervenção desta obra no meio ambiente eu fiz uma breve pesquisa e logo encontrei na internet informações sobre a expedição da licença ambiental para a obra. Conversei com uma colega de pós-graduação da UFPA, onde realizamos especialização em Economia e Negócios Ambientais. Segundo esta colega a emissão de Licenças Ambientais em Florianópolis tem sido algo “meio complicado”. Como complicado? Não consegui entender a explicação. Mas no entendimento desta colega faltava maior rigor na emissão das licenças. Conversei também com um conhecido, dirigente de importante construtora de Floripa e ele preferiu comentar os benefícios da obra: serão, disse ele, 30 mil novos empregos diretos para o norte da ilha. A notícia é muito boa, mas não responde minha pergunta sobre o meio ambiente. Ontem à noite, mais ou menos as 23 horas, vi que minha cadela, a Pretinha, que temos em casa latia muito, de forma pouco usual. Insisti com a Pretinha para que ela fosse dormir. Nada, ela se mantinha sentada e vigilante em um ponto do jardim, próximo a um pequeno arbusto de palmas. Ela olhava para mim e olhava para o arbusto. Intrigado, resolvi ir até o local. Qual não foi minha surpresa a me deparar com um pequeno animal silvestre, do tamanho de um pequeno gato, peludo e com um focinho que lembrava um pequeno gambá. Para salvar o pequeno animal da intenção caçadora da minha cadela consegui recolhê-la com uma tela de limpeza de piscina e solte-ia numa mata próxima. Uma experiência inusitada para um paulistano recém chegado a esta Ilha de Magias. Mas fiquei com a pergunta: para onde os animais silvestres e insetos das matas abatidas no Sapiens Parque estavam indo? Enquanto faço esta pergunta a televisão começa a transmitir as emoções do torneio “Desafios das Estrelas”. Por onde estará circulando o pequeno gambá?

sábado, 28 de novembro de 2009

MST: Os vencidos não se entregam, POR Luana Lila, em Carta Capital

No acampamento Rosa Luxemburgo, como em tantos outros ligados ao MST, as condições de vida são precárias. As lonas esquentam em demasia durante o dia, falta água e energia elétrica. Mas o que mais incomoda as 180 famílias acampadas nos arredores de Iaras, no sudoeste de São Paulo, são as tempestades. “Você nunca sabe se vai deitar e amanhecer em pé ou não. Tudo sai voando, eu tenho um medo terrível. Se cai granizo é pior ainda, porque você vê que a lona não vai resistir. Depois que passa, a gente sai para ver o que sobrou, todo mundo tem de se ajudar para reconstruir”, afirma Rosalina Beatriz de Oliveira, acampada há cerca de um ano.

A fazenda Agrocentro, que dá lugar ao acampamento, foi declarada improdutiva pelo Incra e aguarda a conclusão do processo de desapropriação. Para chegar lá, depois de três horas pelas modernas estradas do estado, o progresso do agronegócio se faz mais tímido e grandes buracos no asfalto dificultam a circulação dos veículos. Em seguida, o carro segue derrapando na areia grossa, ao longo de 32 quilômetros de estrada de terra cercada de plantações de eucalipto e cana.

Na fazenda o pasto deu lugar aos barracos de lona que surgem no horizonte. Com o sol forte na cabeça e a terra fervendo sob os pés, o olhar insiste na busca por um abrigo, mas são poucas as árvores que sobraram. No interior dos barracos a temperatura é insuportável.

Na varanda improvisada com um puxadinho de lona está Marta Pereira da Silva, que mora há oito meses no acampamento. Marta parece ter bem menos idade do que os 40 anos que sua certidão de nascimento aponta, mas está doente. Tem pressão alta e diabetes e toma mais de vinte comprimidos por dia.
Quando vai ao pronto-socorro, em Bauru, sempre ouve que a primeira coisa a fazer, se quiser continuar viva, é deixar o acampamento o mais rápido possível. Os médicos sabem que, da próxima vez que passar mal, ela pode não chegar a tempo ao hospital. Dependerá da boa vontade de um companheiro de carro ou da polícia, que já foi acionada em momentos de emergência e não apareceu. Marta prefere correr o risco: “Os médicos falam para eu sair daqui, mas e a minha terra, e a minha luta? ”

O acampamento Rosa Luxemburgo não está ali por acaso. Na região existem 50 mil hectares de terras públicas indevidamente ocupados por particulares. A história começou em 1920, quando a União adquiriu a área, que abrange os municípios de Águas de Santa Bárbara, Iaras, Borebi, Lençóis Paulista e Agudos, para a colonização de famílias de imigrantes. O problema é que as terras não foram discriminadas regularmente e, com o passar do tempo, particulares começaram a tomar conta e registrar as áreas em cartório.

Foi só a partir de 1994 que o Incra começou a fazer um levantamento da área pública total, conhecida como Núcleo Colonial Monção. Em 2002, o Instituto passou a identificar os ocupantes irregulares, concluindo que os atuais proprietários não são os mesmos que tomaram as terras originalmente, pois, ao longo dos anos, elas foram vendidas diversas vezes. Isso acaba dando bases para longas disputas judiciais, enquanto o Incra solicita a devolução das terras à União, mediante indenização. Ele se baseia em artigo da Constituição que determina que as terras públicas devem ser prioritariamente direcionadas à reforma agrária.

Para complicar ainda mais, além das terras públicas, existem na região onze fazendas, cerca de 15 mil hectares, que já foram vistoriadas e consideradas improdutivas pelo Incra, mas aguardam uma certidão de uso e ocupação do solo da prefeitura de Agudos para que o processo de desapropriação tenha início. Mas o prefeito Everton Octaviani, que por enquanto concedeu o documento apenas para a fazenda Agrocentro, afirma que, dos onze imóveis, ao menos quatro proprietários entraram com ações na Justiça contra o laudo de improdutividade. Quanto aos outros, o prefeito explica a demora na emissão do documento: “Eu ainda não emiti porque não quero que venham para o município essas famílias de outras localidades, que são do MST. Eu tenho negociado com o Incra e exijo que sejam colocadas ali famílias da minha cidade, famílias de trabalhadores que vão fazer um bom uso da terra, que vão produzir. Eu não posso dizer que só quero agudenses, mas preferencialmente de Agudos, e que não sejam do MST”.

No meio desse entroncamento de interesses estão centenas de pessoas que, após uma história de despejos violentos e promessas não cumpridas, aguardam um lote para se estabelecer. Rosalina é uma delas. Aposentada, ela trabalhou em Bauru durante muitos anos como atendente de enfermagem. Sua experiência é útil ao acampamento, assim como os ensinamentos familiares sobre o uso de ervas medicinais. “O tradicional do hospital não serve para nada aqui.”

Enquanto as famílias vivem no acampamento, as pequenas hortas pipocam lá e cá, fartas. São plantações de mandioca, abóbora, chuchu, almeirão e alface. Mesmo com a situação indefinida, eles já podem se alimentar do que plantaram, mas não expandem o cultivo por medo de ser expulsos a qualquer momento, como aconteceu diversas vezes com Francisca Ângela dos Santos: “Quando acontece o despejo, a gente tem de levar a casa inteira nas costas. A minha casa está toda aqui, você já pensou se for para sair dentro de 24 horas, o que vou fazer com isso? Eu tenho de levar os animais, o que não puder ir fica”.

As primeiras ocupações do MST na região datam de 1995, quando o movimento percebeu a complexidade agrária do local e vislumbrou uma possibilidade para o assentamento de suas famílias. Desde então, a disputa judicial entre o Incra e os fazendeiros rendeu alguns frutos aos trabalhadores. Segundo o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, entre Iaras e Bauru existem cerca de mil famílias assentadas. Algumas empresas preferiram fazer acordos de permuta nos quais cedem à União uma área equivalente à que ocupam, mas em outro local, para não perder as benfeitorias já instaladas. O mesmo tipo de acordo foi discutido durante seis meses com a Cutrale, mas ela decidiu continuar o processo judicial.

Para Paulo Beraldo, dirigente regional do MST, isso explica a ação do movimento na fazenda Santo Henrique, no início de outubro: “Ocupamos em 2008 em busca de um acordo para passar uma área equivalente para que a Cutrale não tivesse de mexer nas laranjas. Tendo o acordo, a gente respeitava aquela área como deles, só queríamos saber onde seria a nossa”.

O MST alega ainda que as acusações de depredação das benfeitorias da empresa e o roubo de funcionários não foram ações efetuadas por eles, e, sim, nas palavras de Paulo, por “alguém que se aproveitou da situação e, como estava lá, saiu na conta do movimento”. Segundo ele, alguns tratores destruídos estavam danificados na própria oficina da fazenda.

Enquanto as investigações sobre o caso não são concluídas, o superintendente do Incra critica a ação do MST na fazenda da Cutrale: “A reforma agrária não é um processo de revolução para fazer o socialismo. A reforma agrária implica um debate sobre a nossa dívida social. Estamos empregando uma família, dando condições de vida, de cidadania”.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=5573

"COP-15: Obama leva pouca coisa a Copenhague", relata Matthew Berger, da IPS

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, confirmou sua presença na próxima cúpula sobre mudança climática em Copenhague, mas a redução de emissões contaminantes que vai propor na capital dinamarquesa será inferior à oferecida por Brasil, Grã-Bretanha e Japão, e também abaixo da recomendada por especialistas. Após semanas de especulações sobre sua participação na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15), Washington confirmou na quarta-feira que Obama fará uma escala no dia 9 de dezembro em Copenhague, a caminho de Oslo, onde receberá o Nobel da Paz no dia seguinte.

A Casa Branca também anunciou que Obama levará à cúpula, que acontecerá de 7 a 18 de dezembro, uma proposta específica de redução na emissão de gases-estufa, embora seja inferior ao que muitos desejariam. O presidente apresentará uma meta de redução das emissões norte-americanas “em torno de 17% abaixo dos níveis de 2005, até 2020”, disse a Casa Branca. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) recomenda redução de 25% a 40% para os países industrializados até 2020, com relação aos níveis de 1990.

Em abril, a Grã-Bretanha propôs redução de 34% até 2020, enquanto o Japão prometeu baixa de 25% em suas emissões de dióxido de carbono para esse ano, ambos com relação aos níveis de 1990. O Brasil anunciou este mês estar disposto a reduzir suas emissões entre 38% e 40% até 2020. A redução de 17% proposta por Washington é a mesma do projeto de lei Waxman-markey sobre mudança climática que a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovará em junho.

Fonte: http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/NoticiasIntegra.asp?id_artigo=7792

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

SENADO APROVA POLÍTICA NACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Às vésperas da Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas) em Copenhague, o Senado o projeto que institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas. A proposta prevê um compromisso voluntário para a redução entre 36,1% e 38,9% das emissões de carbono na atmosfera estimadas para 2020. A meta já havia sido "[anunciada]": pelo governo. Como o texto foi modificado pelos senadores, volta para uma nova votação na Câmara.

A inclusão da meta no texto só foi possível após um acordo dos líderes governistas que condicionou os percentuais a edição de um decreto presidencial. Na prática, a meta só se torna lei se houver um decreto regulamentando e especificando como será executada.

Após longa disputa interna, o governo anunciou na última sexta a disposição de cortar a emissão de até 1,052 bilhão de toneladas de gás carbônico dos 2,7 bilhões que poderiam ir anualmente para a atmosfera em 2020 caso nada fosse feito. Os números anunciados representam um corte de 10% a 15% nas emissões de CO2 do país em 2005.
Pela proposta, fica recomendado ao Executivo que até 2020 o Brasil reduza as emissões dos gases de efeito estufa listados no Protocolo de Kyoto aos níveis de 1990, por meio da adoção do desmatamento zero no país até 2015, e da garantia de que nos próximos dez anos até 25% da eletricidade do país seja originária de fontes renováveis de energia.

O texto também recomenda a redução em 15% do consumo projetado de energia elétrica para 2020 por meio de medidas de eficiência energética; o estabelecimento de metas anuais da participação de fontes nuclear, óleo combustível e carvão mineral na matriz elétrica nacional; e a transformação de pelo menos 30% do território costeiro-marinho do país em áreas protegidas, ressalvadas as atividades de infraestrutura previstas na Lei 4771/65, que institui o Código Florestal.

A conferência está prevista para ocorrer entre os dias 6 e 18 de dezembro e movimentou o cenário eleitoral brasileiro a um ano das eleições.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/ambiente/ult10007u657568.shtml

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O HOLOCAUSTO DA FOME.

Recentemente denunciei a condição ilegal das condições de funcionamento da empresa CUTRALE, invadida pelo movimento MST, que usou deste expediente para tentar agilizar medidas de combate à fome, através do programas de assentamento dos "sem-terra". A mída preferiu contar a versão da CUTRALE e aceitar como prova documentos e fotos forjadas.A matéria da revista "Caros Amigos" é reveladora de uma ação perversa dos latifúndios, verdadeiros responsáveis pela morte por subnutrição de milhões de pessoas em todo o mundo.

Por José Arbex Jr.

“Pela primeira vez na história, mais de um bilhão de pessoas estão subnutridas no mundo inteiro. Isso representa cerca de 100 milhões a mais do que no ano passado e significa que uma a cada seis pessoas passa fome todos os dias. Este recente aumento da fome não tem sido consequência das fracas colheitas a nível global, mas sim resultado da crise econômica mundial, que tem reduzido rendas e oportunidades de emprego, assim como o acesso aos alimentos por parte da população mais pobre. (...) A crise espreita os pequenos agricultores e as áreas rurais onde trabalham e vivem 70% das pessoas que passam fome no mundo.”

O diagnóstico é feito por Jacques Diouf, diretor geral da FAO (órgão da ONU para a agricultura e alimentos), durante a celebração do Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro). Trata-se de uma crise “sem precedentes” na história mundial, afirma Diouf: entre 2006 e 2008, observou-se um aumento contínuo dos alimentos básicos. Notem a ironia: justamente nas áreas rurais, aquelas responsáveis pela produção de alimentos, “vivem 70% das pessoas que passam fome no mundo.”

“Na África Subsaariana, 80 a 90% de todos os preços dos cereais monitorados pela FAO em 27 países, continuam sendo 25% mais altos do que antes do começo da crise dos alimentos, dois anos atrás. Na Ásia e na América Latina e o Caribe, os preços são monitorados num total de 31 países, e entre 40 e 80 % do preço dos cereais mantêm mais de 25 % mais alto do que no período pré-crise dos alimentos. E a nível local, em alguns países, os preços dos alimentos básicos não sofreram qualquer tipo de baixa. Além disso, a produção continua sendo obstruída pelo aumento do custo dos insumos, – 176 % no caso dos fertilizantes, 70% sementes, 75% ração para os animais, tornando o investimento na agricultura extremamente difícil.”

O que Diouf não diz diretamente, mas apenas nas entrelinhas de uma linguagem diplomática que causa náuseas, é que a razão para o aumento da fome e da subnutrição, especialmente no campo, é bastante simples: a crescente concentração de riqueza, traduzida na implantação de vastos latifúndios que exploram monoculturas. Se aumenta a produtividade do campo mediante o uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas – afirmação, aliás, que deve ser analisada com muita cautela –, piora muito a situação de quem não tem acesso a essas mesmas tecnologias.

Um singelo dado, também divulgado pela FAO, mostra isso com grande clareza: em franco contraste com o crescimento da fome, da subnutrição e da pobreza nas áreas rurais, há um próspero crescimento das vendas de máquinas agrícolas cada vez mais sofisticadas, muitas delas guiadas por robôs orientados via satélite (com o sistema GPS). Entre 2000 e 2005, o comércio mundial de máquinas agrícolas cresceu à razão de 6% ao ano, muito mais do que a produção de comida no mesmo período (2,6% aa) e o da população mundial (1,2% aa). Entre 2005 e 2010, prevê-se um crescimento respectivo de 4,8%, 2,5% e 1,1%. Em termos absolutos, a demanda global por máquinas agrícolas cresceu de 53 bilhões de dólares em 2000 para 70 bilhões em 2005 e deverá chegar a 88 bilhões de dólares em 2010.

Mesmo levando-se em conta que as compras de máquinas pela Índia e pela China são, em boa parte, responsáveis pelo crescimento do setor, é óbvio que existe uma relação direta entre a crescente mecanização da agricultura e o aumento da fome, como consequência da concentração da propriedade e da renda. Nas grandes culturas mecanizadas, um único trabalhador pode cultivar cerca de 200 hectares, com altíssimo índice de produtividade (medido em toneladas de cereais por trabalhador por ano), graças a investimentos em tecnologia, bioquímica, seleção de sementes etc. Em contrapartida, menos da metade dos trabalhadores rurais dispõe de tração animal para tocar suas culturas, e cerca de 1/3 estão completamente à margem da “revolução verde”. São os camponeses pobres que formam o vasto exército de seres humanos forçados, quando podem, a vender sua força de trabalho por valores aviltantes em grandes plantações (não raro, os “salários” situam-se no limite de dois dólares diários, valor que serve de parâmetro de linha de pobreza para o Banco Mundial).

É óbvio que ninguém propõe, aqui, a destruição das máquinas e a volta à agricultura rudimentar como solução para a fome. Trata-se de fazer exatamente o oposto: colocar a máquina a serviço do ser humano. Para isso, comida teria que deixar de ser tratada como commodity, artigo de especulação negociado em mercados futuros, sem qualquer relação com a demanda real da população. O comércio da comida deveria ser submetido ao primado da segurança alimentar, priorizando o ser humano e não o lucro.

Mas, no pé em que está o “mercado globalizado”, a FAO há tempos admite a barbárie: a Cúpula Mundial da Alimentação definiu, em 1995, o objetivo de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que passam fome no mundo. E o que fazer com a outra metade? Atenção: estamos falando de 500 milhões de seres humanos condenados à morte por fome (isto é, se fosse mesmo possível mitigar as demandas de proteína da outra metade, hipótese cada vez mais longínqua).

É esse, concretamente, o contexto em que atuam a Cutrale (grileira de terras públicas, exportadora de suco de laranja e superexploradas do trabalho de seus empregados) e outras agroempresas. Elas não têm nada que ver com a “alimentação do povo brasileiro” ou de quaisquer outros povos, como quer fazer crer a asquerosa campanha de mídia destinada a criminalizar o MST pela ocupação das terras da Cutrale. São empresas que se destinam ao ramo da especulação financeira, como qualquer banco ou corretora da bolsa de valores, com o agravante de que operam com uma mercadoria sagrada, o alimento, e exploram aquilo que deveria ser tratado como um bem comum: a terra.

A “mídia gorda” e seus especialistas ocultam a profunda, total e inegável relação entre a especulação com o alimento e a tragédia que envolve 1 bilhão de seres humanos famintos (e mais de 2 bilhões em estado de subnutrição e expostos a todo o tipo de doenças e epidemias causadas pela falta de proteínas). Eles produzem, assim, uma total inversão de valores: são criminosos os que lutam em defesa do mais sagrado dos direitos humanos, o direito à vida, e são tratados como vítimas (e heróis) os monstros, os carrascos, os que especulam com a comida. Não há limite para a canalhice.

A “mídia gorda” fez absoluta questão de ocultar a reivindicação central do MST no “caso Cutrale”: a formação de uma comissão de investigação, integrada por personalidades respeitadas por toda a sociedade, para apurar a verdade dos fatos. Os donos da mídia sabem que isso não pode acontecer. Não está em jogo, apenas, saber se o MST destruiu ou não meia dúzia de pés de laranja, mas sim o significado do agronegócio para o Brasil e para o mundo. 1 bilhão de mortos vivos serviriam de testemunha de acusação em tal julgamento

José Arbex Jr. é jornalista


Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/