quinta-feira, 10 de setembro de 2009

EDUCAÇÃO COMO MERCADORIA (2)

(CONTINUAÇÃO)
É nesse contexto que precisa ser compreendida a investida contra Paulo Freire, educador de renome internacional, reduzido por Veja ao “autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Veja desrespeita a inteligência do leitor, ao fazer questão de ignorar que Paulo Freire, ao lado de Josué de Castro e de Milton Santos, encontra-se entre os acadêmicos brasileiros mais conhecidos no exterior. O sistema de busca do Google registra 1,65 milhão de ocorrências de Paulo Freire, número somente comparável, entre os grandes nomes de educação no Ocidente, a John Dewey, com 1,63 milhão; Pestalozzi, com 1,75 milhão; e Rudolf Steiner, com 2,52 milhões.
Na Wikipédia, Paulo Freire recebe tratamento igualmente relevante. É considerado “um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial”, segundo informa a versão em espanhol da enciclopédia eletrônica; ou como “um dos mais influentes pensadores da educação do século vinte”, segundo a versão em inglês. Aí pode ler-se que a Pedagogia Crítica de Paulo Freire inspirou a criação de dois institutos de educação na América do Norte: um no departamento de Educação na Universidade da Califórnia, um dos mais prestigiados no ranking da revista US News & World Report, e outro na Universidade McGill no Canadá. O verbete Paulo Freire ocorre no Wikipédia nas versões francesa, italiana, inglesa e espanhola entre outras, destacando-se a extensão de sua ocorrência na versão alemã, que lhe reserva um artigo de 21.400 caracteres, o dobro destinado ao cientista e político norte-americano Benjamin Franklin.
A Paulo Freire atribui-se o mérito – universalmente reconhecido pelos vários prêmios internacionais que recebeu, entre os quais o de Educação para a Paz, da UNESCO — de avançar no pensamento educacional, ao promover uma síntese das idéias de seus predecessores, como John Dewey. Para todos eles, o aluno está longe de ser um recipiente passivo no qual os professores depositam o seu estoque de conhecimento. Os alunos são os sujeitos ativos da educação – e o que deles se espera é que comecem por fazer as perguntas, que certamente lhes ocorrem da experiência de sua imersão no ambiente familiar e social. As respostas serão procuradas num exercício de imersão social semelhante, exercício praticado pela humanidade desde que se constitui em sociedade organizada, responsável pelas conquistas da cultura e civilização.
Isso significa dizer que a pedagogia de Paulo Freire – ou de Dewey, a quem Veja covardemente não ousa desqualificar – define a educação como o lugar onde indivíduo e sociedade se constroem, capacitando-os para a mudança social, nos termos também definidos no “Relatório da UNESCO sobre Educação para o Século XXI” (1996), onde se assinala que a educação não somente deve promover as competências básicas tradicionais, mas também proporcionar os elementos necessários para se exercer plenamente a cidadania, contribuir para uma cultura de paz e para a transformação da sociedade, para o que se propõem quatro pilares para a aprendizagem: “aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos”.
A escola não pode reduzir-se a um adestramento para a conversão do aluno em mercadoria. O desenvolvimento humano não é sinônimo de mercado nem de crescimento econômico. O mercado ou o crescimento, por si só, não promovem a equidade nem reduzem a pobreza. Desenvolvimento implica eqüidade como resultado do exercício dos direitos sociais — e a promoção da eqüidade é uma tarefa pública, por excelência. Não é possível promover a equidade sem a democracia — e a democracia, longe de ser apenas um método de eleger os governantes, é o modo de se construir e exercitar a vida em comum, em proveito recíproco, a despeito das diferenças. Por isso, como dizia Paulo Freire, “estudar não é um ato de consumir idéias”. A democracia exige cidadãos capazes de criá-las e recriá-las.

Texto de autoria de Rui Falcão, jornalista, advogado e deputado estadual pelo PT de São Paulo

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