segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sem organização popular não existe democracia direta.

"AS LEIS NÃO BASTAM.
O LÍRIOS NÃO NASCEM DA LEI" (Drummond de Andrade - do poema Nosso Tempo)


Tenho convivido com todos os debates no interior do PT e organizações de matriz socialista e/ou de esquerda envolvendo a participação popular e a construção da democracia. E um dos temas mais prementes ao movimento popular em sua luta emancipatória é a organização da democracia direta. O PT, em seu último Congresso Nacional, colocou esta questão como prioritária. Em todos os debates um ponto nos parece claro: a democracia direta é resultado da organização popular e não pode ser construída por decreto, sob o risco de virar uma extensão burocrática do aparelho do Estado. Um bom exemplo deste movimento é o do Orçamento Participativo. Funcionou durante 8 anos em Porto Alegre, sob a coordenação do então prefeito Tarso Genro. Funcionou de uma forma mais precária em São Paulo, com Luiza Erundina, no Distrito Federal, com Cristovão Buarque e o mesmo parece ter acontecido em Belo Horizonte.
Mas porque não fincou raízes sólidas ainda? Em nossa avaliação antes ou em conjunto com o Orçamento Participativo é preciso aprofundar as práticas de democracia direta nas organizações populares. A base seria a constituição de bases populares organizadas a partir de grandes mobilizações locais e tendo como prática demandas concretas da população. Esta iniciativa dependente menos do aparelho do estado (nacional, estadual ou municipal) e mais da ação, por exemplo,dos sindicatos e das organizações econômicas criadas no âmbito da Economia Solidária (cooperativas populares legítimas). A economia solidária é um modo de produção não-capitalista. Na região do Quebec, no Canadá, os sindicatos (que apoiaram a criação da CUT) construiram organizações sólidas de cooperativismo legítimo, que hoje representam um terço do PIB nacional. Estas organizações (do Quebec) tem demonstrado grande disposição de apoio, com tecnologias de gestão apropriadas, às organizações nascente no Brasil.

Algumas reflexões sobre esta questão merecerem ser examinda, como a seguir:
Tarso Genro, um dos principais mentores da mais importante experiência de democracia direta do Brasil
– o Orçamento Participativo de Porto Alegre – esclarece, a esse respeito, que "dar força cogente ao controle público não-estatal significa aprofundar o regime democrático e dar conseqüência `a combinação da democracia representativa com a democracia direta, prevista no art. 1º , par. único , da própria Constituição. Esta combinação ‘civiliza’ o Estado, gerando um controle externo, capaz de limitar sua lógica corporativa, ou seu atrelamento a interesses puramente privados." (Genro e Genoino, l995).
Secundo, predomina amplamente no Brasil, no âmbito da democracia participativa, a sua
modalidade semi-indireta, como é o caso dos diferentes conselhos (de saúde, da criança e do adolescente, dos direitos humanos, etc). Nestes, com efeito, o cidadão não participa pessoalmente da gestão pública, ou de sua fiscalização, mas através de representantes da entidade que integra - os quais detêm, via de regra, mandato fixo.
Tertius, a representação de interesses, tão combatida por Bobbio, existe apenas em alguns colegiados. Predomina a presença de organizações da sociedade civil voltadas para o interesse público, cultivando, nesse processo, uma postura crítica em relação ao corporativismo.
No caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre, a crítica ao corporativismo chega a se constituir no leitmotiv de Tarso Genro - exatamente o oposto do que temia Bobbio. Segundo Genro, ex-Prefeito da capital do Rio Grande do Sul, os oito anos de experiência do Orçamento Participativo levaram a comunidade a uma compreensão crescente do que "é preciso incorporar as suas reivindicações às lutas mais gerais do povo por transformações estruturais da sociedade brasileira". Nesse processo, as lideranças "passam a compreender não só os limites do poder público, como também a própria relatividade de suas necessidades, comparando-as com outras mais urgentes e importantes". Assim, a prática participativa se aperfeiçoa na medida em que "o que era carecimento, necessidade, demanda muda de qualidade mediante o processo participativo e adquire natureza política, fazendo do indivíduo um cidadão". (Genro e Souza, 1997: 50-51).
Por outro lado, por sua própria natureza, muitos órgãos semi-estatais que não se envolvem com a disputa pela apropriação do excedente, tais como Conselhos de Direitos Humanos, Tutelares, de Segurança, etc, vêm contribuindo decisivamente para a construção de um ethos voltado para o fortalecimento da res publica, tendo como fulcro questões de interesse universal e coletivo.
Mesmo os órgãos que definem e implementam políticas setoriais - onde a questão central é a de como repartir o fundo público - ainda que portadores de um certo viés corporativista, não são necessariamente dominados por ele. Na avaliação de Doimo, os Conselhos setoriais, vinculados à definição e implementação de políticas sociais, seriam até "alternativas deliberadamente formulados dentro do espírito ativo-propositivo, voltado a romper o corporativismo pontual das demandas locais e a instaurar perspectivas para toda a coletividade, através de políticas regulatórias" (Doimo, 1995, 215-126).

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