domingo, 7 de fevereiro de 2010

A Europa tem um papel indispensável na construção das alternativas. Mas será capaz de trocar a segurança pela ousadia? Quarta Hipótese

Uma das características mais marcantes da cultura política que se articula nos Fóruns Sociais Mundiais (FSMs) é a aposta no multiprotagonismo. Ao contrário do que ocorria em períodos anteriores, não há sujeitos sociais – classes, sensibilidades políticas ou regiões do mundo – vistos como mais importantes ou estratégicos que outros.

Apesar de sua heterogenidade evidente, a Europa expressa um conjunto de tradições que serão provavelmente indispensáveis na construção das novas alternativas. As revoluções que marcaram os séculos 18 a 20 inspiram o desejo de revirar de alto a baixa ordens sociais injustas – ainda que nosso objetivo não seja mais, hoje, a “conquista” do poder. O welfare state, mesmo sem questionar a essência das relações capitalistas, revela a possibilidade de reduzir a desigualdade e construir serviços públicos excelentes. Mais recentemente, há maio de 1968 e sua crítica radical a todas as estruturas de submissão social. Retomada depois no movimento pacifista dos anos 1980 e no associativismo europeu do final do século passado, ela é certamente uma das fontes principais em que o FSM e o altermundismo beberam.

Visto de fora e de longe, porém, o continente dá hoje a impressão de estar distante destas tradições. Parece inseguro e intimidado, diante emergência, na cena mundial, de novos atores — que enxerga como interessados em roubar seu espaço. Refugia-se nas vitórias do passado: o poderio econômico, o padrão de vida e consumo, a estabilidade e conquistas sociais que restaram dos “anos gloriosos”. Nos últimos anos, a própria União Européia – que, apesar de suas contradições despontava como um ator ambicioso nas relações internacionais – refluiu e passou a se debater em crises internas.

Esta dificuldade de buscar o novo contagia os a sociedade civil, os movimentos sociais e a esquerda institucional. É temerário divisar, no panorama do Velho Continente hoje, um movimento que possa cumprir o papel dos camponeses bolivianos ou indianos; uma ação operária inovadora como as ocupações de fábricas na Argentina; um processo de afirmação social parecido ao dos imigrantes nos Estados Unidos ou jovens das periferias do Brasil. No vácuo aberto por esta paralisia, o que tem se afirmado são as tendências mais retrógradas. Vitórias dos partidos de direita em quase toda parte; afirmação de lideranças grotescas, como Berlusconi; avanço da xenofobia.

As visões estrangeiras têm sempre o risco da superficialidade. Mas o papel que a Europa pode cumprir na construção das alternativas requer tal diálogo. Por isso, este texto se fecha com duas opiniões telegráficas, de quem muito espera dos europeus

A primeira é em favor de uma abertura aos imigrantes. A Europa foi capaz de atrair, para seu território, uma diversidade étnica e cultural incomparável, expressão de uma riqueza de conhecimentos, experiências e técnicas sociais talvez nunca antes reunida. Mas esta potência formidável é desperdiçada, porque os imigrantes são vistos apenas como braços para o trabalho rude e fontes de problemas. Livrá-lo das humilhações e perseguições que os constrangem seria suficiente para trazer à tona uma vibração cultural de enorme poder renovador, hoje sufocada. Os europeus sabem disso: em países como os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina, sua presença em outros tempos, na condição de emigrados, foi decisiva para transformar muito positivamente os costumes, a cultura, as próprias lutas sociais.

A segundo palpite é, como receita contra o pessimismo, um Velho Continente menos… eurocentrado. Os europeus têm toda razão de se orgulhar das conquistas políticas da modernidade. Graças a suas lutas, surgiram e se consolidaram instituições que tornaram as sociedades humanas mais justas e livres, nos últimos séculos. Entre muitas outras, a democracia contemporânea, a liberdade de imprensa, o voto universal, a representação por meio de partidos políticos, a separação entre os poderes, a laicidade.

Mas que fazer se mudanças sociais profundas estão corroendo a eficácia de algumas destas instituições, esvaziando seu sentido, tornando-as inócuas? E se, além disso, estão surgindo – inclusive em outras partes do mundo — formas políticas novas para restabelecer e aprofundar os mesmos princípios emancipadores que animaram os desbravadores da Renascença, os filósofos do Iluminismo ou os teóricos do Socialismo?

Fechar os olhos a estas inovações e lastimar a realidade – porque elas não correspondem às fórmulas previstas pelos grandes sábios europeus?

Uma atitude alternativa, construída a partir de outras tradições européias, poderia ser descrita reunindo dois dos célebre slogans estampados nas barricadas de Paris, em maio de 1968. Um deles provoca os que perderam a esperança: “O tédio e contra-revolucionário”. O outro sugere um sentido e uma urgência para a ação: “Corra, companheiro, o velho mundo está atrás de você”…

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