terça-feira, 16 de junho de 2009

VIOLÊNCIA POLICIAL NA USP EM 2009: DEPOIMENTO DE UMA AMIGA E PROFESSORA NESTA UNIVERSIDADE

Peço desculpas pela extensa mensagem, mas dado o ocorrido se faz necessário.
Escrevo-lhes hoje, no feriado, com uma mistura de imensa indignação e grande tristeza. As atitudes da atual reitora da USP, com uso de força policial (incluindo aí a tropa de choque da PM) dentro do campus Butantã da Universidade é inadmissível!

Talvez vocês tenham visto algumas reportagens, talvez não.

Preferi fazer um relato pessoal do que presenciei de perto no dia 09/06, em contraponto às versões oficiais que têm saído em diversos jornais (excetuando-se uma reportagem que saiu na Record no fim da tarde, início da noite do dia 09/06 e da Folha de São Paulo no dia 10/06/09, no caderno Cotidiano).

Na 3a. feira, 12h, um grupo grande de funcionários, estudantes e professores da USP, UNESP e UNICAMP, reuniram-se em frente à reitoria da USP, em um ato de protesto à presença, desde o dia 01/06, da tropa de choque e da PM no campus Butantã, com o pretexto de um processo judicial de reintegração de posse de algo que não havia sido tomado (nem ocupado, invadido ou seja lá como queiram se referir).

No ato, houve distribuição de flores por professores, apresentações diversas de estudantes (performances), declarações de funcionários, docentes e alunos, além de representantes de outras instituições. O ato durou cerca de duas horas e meia, a partir do qual, realizou-se uma marcha, organizada pelos funcionários e pelos estudantes, em direção ao portão 1 da USP até av. Alvarenga.

Lá houve diversas manifestações, incluindo um momento em que um grupo de pessoas jogou próximo à tropa de choque, que se encontrava em um canto da rua Afrânio Peixoto, inúmeras flores. Havia também gritos de “Fora Pm” (referindo-se à saída da PM e da Tropa de Choque do campus), combinados com pessoas que mostravam à tropa de choque livros ou flores.

A tensão que poderia haver aí referia-se à presença desnecessária da tropa de choque nessa manifestação, cujo sentido era apontar de modo pacífico a contradição entre o discurso da reitoria de ser “aberta ao diálogo” e as constantes negativas de se agendar reuniões de negociação e a presença ofensiva da tropa de choque em uma universidade pública e dita democrática.

Ao final dessa manifestação um grupo de alunos permaneceu um pouco mais na av. Alvarenga, enquanto os outros manifestantes decidiram voltar à universidade, por volta das 16h30.

Nesse momento, decidi permanecer por perto, com receio de alguma ação repressiva da polícia com relação aos alunos, que logo decidiram voltar a USP.

Meu receio deveu-se à movimentação que começou a ocorrer de carros policiais (que até então não estavam lá), perto de onde se encontravam os alunos.

Voltando à universidade, próximo à Faculdade de Educação (FE), esses alunos resolveram parar para mais uma manifestação, encontrando um grupo de PMs de moto. Parte dos alunos, gritando “Fora PM” do campus, dirigiu-se aos policiais, que se sentiram acuados. Logo em seguida, porém, apesar da tensão, os policiais saíram dali, sem maiores problemas.

Daí por diante não pude acreditar no que vi. Estava no outro lado da avenida, que se encontrava interditada, próximo a algumas pessoas, quando quase fomos atropelados por duas caimhonetes da PM que vieram repentinamente na contramão. Posicionaram-se para atacar os alunos, que nesse momento só estavam se manifestando com palavras, gritos e faixas e parando o trânsito da cidade universitária. Tudo isso foi muito rápido. Os policiais começaram a atirar bombas de gás lacrimogênio, a tropa de choque armou-se e direcionou-se contra os alunos, com cacetetes, gás pimenta, balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e as chamadas “bombas de efeito moral”, que fazem um grande estrondo e invariavelmente lançam estilhaços. “Detalhe”: essas bombas também atingiram pessoas que estavam andando a pé pela avenida, pessoas no ponto de ônibus, pessoas que estavam dentro de carros etc.

O pânico foi geral e isso foi o estopim do que foi visto em grande parte da mídia.

A partir daí, alguns manifestantes começaram a arremessar o que encontravam para se defender (incluindo aí sim pedras).

Mesmo quando essas pessoas pararam de atirar pedras e já haviam se dispersado e fugido para outros lugares ou quando parte dos alunos levantaram as mãos para cima, pedindo que os policias parassem de atirar, a tropa de choque seguiu marchando e atirando, e o contingente de PMs aumentando ainda mais.

Consegui me refugiar na Faculdade de Educação, onde ainda sentíamos o cheiro forte do gás lacrimogênio.

O clima era de terror e tentávamos avisar o máximo de pessoas possíveis do que estava acontecendo e pedindo para saírem de lá de perto.


Segui com um grande amigo, que filmou o que houve desde o começo (ver no http://www.youtube.com/user/greveip) , até a praça do relógio, onde vimos mais e mais cenas absurdas. As explosões continuavam, havia uma espécie de neblina constante advinda das bombas lançadas intermitentemente. As pessoas que como nós estavam correndo e tentando fugir para outros lugares narravam-nos cenas semelhantes ao que vimos em frente a Faculdade de Educação, só que em outros pontos da USP (em frente à reitoria, no Crusp etc.). Em cima de nós, sobrevoavam três helicópteros da PM.



Sentíamo-nos acuados, estupefatos, apavorados, impotentes, diante de uma força policial absolutamente desmedida.

Fomos para um prédio da Escola de Comunicação e Artes (ECA) e depois para um do Instituto de Psicologia (IP). Lá encontrei um grupo de alunos e soube de alguns que haviam se machucado. Já era noite e os barulhos continuavam. Os helicópteros da PM permaneceram voando com os fachos de luz iluminando o chão, como quem procurava bandidos.

Sitiados. Essa era a palavra que melhor sintetizava o que muitos de nós vivemos.

Por telefone conversava com uma grande amiga, professora, que estava em uma assembléia de docentes na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), suspensa logo que souberam do que estava ocorrendo. Soube por ela que lá no prédio da História também haviam sido arremessadas bombas de gás lacrimogênio. Desde quando souberam do que havia ocorrido, um grupo de professores tentava entrar em contato com a reitora ou outro representante da Universidade que pudesse parar essa barbaridade. Em vão. Ninguém era localizado.

Por ironia, soube no dia seguinte, pelo jornal, que a reitora encontrava-se dentro da reitoria da USP. Em silêncio, assistindo a tudo. E sem fazer nada.

Alías, fez sim, foi a pedido e solicitação dela que esse efetivo todo foi deslocado para dentro do campus.

Apenas mais tarde, por volta das 19h30, efetivou-se o contato com o vice-reitor, por intermédio de um deputado estadual.

Uma comissão foi encontrar-se com ele solicitando a saída imediata da polícia do campus. O vice-reitor comprometeu-se a fazê-lo. E fez. Por duas horas o efetivo retirou-se da USP, voltando próximo às 23h. Continuava lá no dia seguinte, perto da reitoria.

A Universidade de São Paulo não é a casa de qualquer reitor, que deva ser guardada por policiais. E não se trata de arruaceiros, baderneiros, grupos radicais ou qualquer forma de desqualificação que se queira utilizar. Foram inúmeras as tentativas de conversa e negociação com a reitoria tanto em relação à pauta de reivindicações como em relação à retirada desse efetivo policial do campus. Em um local supostamente democrático, onde se privilegiaria o diálogo e a possibilidade de existência de posições diferentes ou discordantes, os conflitos passaram a ser tratados como casos de polícia. Ironicamente, foi muitas vezes lá na universidade que aprendi a atentar, criticar e me posicionar contrariamente a ações autoritárias. E foi lá também que muitas vezes vi esse autoritarismo expressar-se. O que lamentavelmente ocorreu no dia 09/06 foi expressão contundente da falta de diálogo e do autoritarismo vigente.

Sinto muito. E sentirei ainda mais se houver silêncio diante do ocorrido.

Não se trata de algo episódico ou que possa ser minimizado como exceção.

Segue em anexo o relato de um professor da Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH), que acompanhou de outro lugar o que ocorreu próximo a FFLCH. Segue também declaração da assembléia de docentes da USP em 10/06/2009.

Fiquem à vontade para divulgar essa mensagem que lhes envio, caso queiram.

Se quiserem ainda enviar manifestações de repúdio ao que aconteceu, temos pedido que sejam enviadas à reitoria da USP, através do email gr@usp.br. Nesse caso, peço que enviem uma cópia para o meu email (tatineves@hotmail.com).

Abraços,

Tati.




Tatiana Freitas Stockler das Neves.
Psicóloga e pesquisadora do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho (CPAT) e pesquisadora e integrante do Laboratório de Estudos do Imaginário (LABI) do Instituto de Psicologia da USP.
Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e da Memória da USP (NIME).

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