quinta-feira, 29 de abril de 2010

Conservadorismo derrota democracia: crimes do Estado não são crimes

STF tem 5 votos a 2 pela manutenção da Lei de Anistia
Do UOL Notícias*

Como já era esperado, o ministro Marco Aurélio também votou pela improcedência da ação apresentada pela OAB que questiona a aplicação da Lei de Anistia sobre os agentes do Estado que praticaram torturas durante o regime militar (1964-1985). Com isso, o placar do julgamento está cinco a dois para a manutenção da Lei de Anistia; ainda falta o voto do ministro Celso de Mello e o possível posicionamento do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso.

Marco Aurélio destacou que não enxergava motivo nem mesmo para julgar a ação, já que não existiria, segundo ele, controvérsia jurídica no caso. Ele, que costuma qualificar o regime militar como um "mal necessário", havia adiantado posteriormente que considera a anistia uma "virada de página".

Até o momento, acompanharam o voto do ministro relator Eros Grau, pela manutenção da Lei de Anistia, os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio. Já os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto entenderam que a ação da OAB era parcialmente procedente.

Os demais ministros ainda devem apresentar seus votos,que ainda podem ser modificados durante a sessão. O ministro José Antonio Dias Toffoli está impedido de votar no caso, pois estava na AGU quando o órgão deu parecer contrário à ação. Outra baixa é o ministro Joaquim Barbosa, que está de licença.

O ex-presidente do Supremo, Gilmar Mendes, começou seu discurso dizendo que o voto de Grau foi “um voto memorável”. Ele também relembrou a posição do relator da ação afirmando que a OAB foi uma protagonista da construção da Lei de Anistia. “Ainda como um jovem estudante de direito, lembro das discussões sobre o modelo de anistia. A OAB participou e foi construtora deste modelo”, disse.

Já Ellen Gracie afirmou que não se faz transição pacífica entre um regime autoritário e uma democracia plena sem a existência de concessões recíprocas. “A anistia foi o preço que a sociedade pagou para acelerar o processo de redemocratização”, disse.

Segundo a ministra, não é possível rever retroativamente a história para que assuma “contornos mais palatáveis”.

Anteriormente, o ministro Ayres Britto havia votado pela revisão da Lei da Anistia, julgando parcialmente procedente a ação apresentada pela OAB, assim como o fez o ministro Ricardo Lewandowski . "Perdão coletivo é falta de memória e de vergonha (...) O torturador é um monstro, um desnaturado, um tarado. Não se pode ter condescendência com um torturador”, disse Ayres Britto

Ele justificou seu voto dizendo que “exclui qualquer interpretação que signifique estender a anistia a qualquer tipo de crime hediondo, como a tortura, por exemplo”.

Para Lewandowski, os agentes públicos que cometeram crimes comuns não estão anistiados automaticamente, mas seu voto abre a possibilidade para que eles sejam formalmente acusados e futuramente julgados por esses crimes. A decisão final caberia ao juiz, na análise caso a caso dos processos.

Ele disse ainda que os crimes cometidos com crueldade não podem ser considerados como políticos ou a ele relacionados. “Se assim fossem, teríamos casos de pedofilia, estupro e genocídio sendo classificados como meros crimes políticos”.

Já o ministro relator Eros Grau e a ministra Cármen Lúcia votaram pela manutenção da Lei de Anistia.

Utilizando o mesmo argumento apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria Geral da República (PGR) durante a sessão de ontem, a ministra disse que “não se pode negar que a anistia brasileira resultou de uma pressão social e foi objeto de debate de diversas personalidades e entidades, dentre estas, o próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB”.

“Não vejo como reinterpretar uma lei, 31 anos depois”, disse a ministra.

Este é o primeiro julgamento importante com o ministro Cezar Peluso no comando do Supremo.

Ontem, durante a leitura de seu voto, de 76 páginas, o ministro relator Eros Grau disse que, no Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário não está autorizado a alterar e reescrever a Lei da Anistia. “Quem poderia revê-la seria exclusivamente o Poder Legislativo”, disse Eros Grau. O relator citou decreto do Chile que concedeu anistia naquele país e posterior pedido de alteração no Senado. “Como se vê, a revisão da Lei da Anistia será feita pelo Poder Legislativo.”

Eros Grau disse ainda que "a decisão pela improcedência da ação não exclui o repúdio a qualquer tipo de tortura. Há coisas que não podem ser esquecidas”, complementou.

Posições
A vice-presidente do Instituto Tortura Nunca Mais, Vitória Grabois, afirmou hoje que o Brasil é o país da América Latina mais atrasado no que se refere à punição de militares. Ela considera conservador o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau no julgamento da revisão da Lei de Anistia.

Segundo ela, as entidades que defendem a modificação da lei buscam uma maior transparência e divulgação dos crimes que aconteceram no regime militar. “A nação precisa saber o que fizeram essas pessoas que cometeram crimes de lesa humanidade, prenderam, mataram e torturaram dezenas de brasileiros. Não somos revanchistas, nós queremos justiça e verdade”, destacou.

Na ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), a OAB pede que o Supremo dê uma interpretação mais clara ao artigo 1º da lei, defendendo que a anistia não deveria alcançar os autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, abuso de autoridade, lesões corporais, desaparecimento forçado, estupro e atentado violento ao pudor, contra opositores ao regime político da época.

*Com informações do Última Instância e da Agência Brasil

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