terça-feira, 2 de março de 2010

UMA NOVA VISÃO DO MERCADO A PARTIR DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Como eu havia dito em minha primeira contribuição eu gostaria de apresentar novos aspectos do que poderia ser um dilema "concorrencial" na produção de alimentos face o plantio destinado ao biocombustível.
Vou inicialmente fazer uma referência sobre as pesquisas do professor Ricardo Abramovay e do Reginaldo Magalhães. Trabalhei com ambos no período em que fui coordenador de projetos à Cooperativas Populares, na Agência de Desenvolvimento Solidário - ADS, instituição de fomento, ligada a UNITRABALHO, ao DIEESE e à CUT. Nesta época a ADS com apoio e parcerias públicas e privadas ajudou a criar, com base em São Bernardo, SP, a UNISOL BRASIL, uma grande associação de cooperativas legítimas, comprometidas com a economia solidária, e apoiadas pelos maiores sindicatos filiados à CUT como os dos metalúrgicos, dos bancários de SP e dos agricultores familiares. A pesquisa de Abramovay buscava novas respostas para a inserção destes atores em um espaço, até então, exclusivo dos empresários. Tanto o Ministério do Desenvolvimento Agrário como o SEBRAE e a Cáritas contribuíram decisivamente para as pesquisas de campo. O foco da pesquisa era avaliar a capacidade empreendedora dos agricultores familiares participarem de forma inclusiva no programa do Biodiesel. Posteriormente o governo federal lançou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) com um enfoque de forma declarada, a integrar agricultores familiares à oferta de bicombustíveis e, por aí, contribuir ao fortalecimento de sua capacidade de geração de renda.O interessante é que o objetivo governamental de vincular a produção de biodiesel à geração de renda para agricultores familiares recebeu imediatamente a adesão de dois atores cujas relações recíprocas oscilam de forma permanente entre o conflito e a indiferença: grandes empresas processadoras de matérias-primas para a produção de biodiesel e o movimento sindical de trabalhadores rurais.Este vínculo declarado entre a oferta de matérias-primas para a produção de biocombustível e a geração de renda pela agricultura familiar – sob o patrocínio do Estado, sob a operacionalização de empresas privadas e com a legitimação contratual por parte do sindicalismo - parece ser inédito, no plano internacional . E no próprio Brasil é a primeira vez que se organiza uma política em que o Estado cria condições para que parte importante da oferta de matéria-prima para uma determinada indústria venha de unidades produtivas que, sem esta intervenção, dificilmente teriam participação expressiva no mercado. É uma intervenção estatal de natureza muito diferente da que marca as políticas de crédito (PRONAF) ou as de transferência de renda (bolsa-família), onde o Estado aloca recursos diretamente para certo público. Este reflexão apóia-se, teoricamente, em duas perspectivas. Sob o ângulo agronômico e energético, considera possível a concepção e o funcionamento de sistemas integrados de produção de energia e alimentos capazes de se contrapor ao ceticismo com que parte importante da literatura internacional sobre o tema encara o avanço da produção mundial de biocombustíveis . Mas o funcionamento destes sistemas – segunda perspectiva - supõe formas de organização dos mercados voltadas explicitamente a finalidades sociais e ecológicas em que a abertura de oportunidades de geração de renda para os mais pobres e os critérios de sustentabilidade ambiental se incorporem de maneira orgânica a sua própria operação.
Este processo não acontece desancorado de uma base teórica. Ao contrário, o que temos aqui é uma visão contemporânea de novos arranjo dos mercados, a partir de uma visão que supera a noção neoclássica. Mercados não são construções abstratas e impessoais. São, isto sim, construções sócio-históricas, que se estruturam em novas formas de organização das forças produtivas. A novidade aqui é o papel do Estado e dos sindicatos de trabalhadores como atores ativos na oferta de insumos.
Neil Fligstein constrói uma teoria sociológica baseado na idéia de que, contrariamente ao que postula a teoria neoclássica, os atores, nos mercados, não buscam maximizar seus interesses (seu lucro) e sim estabilizar suas relações para reduzir os riscos a que estão submetidos por sua exposição ao sistema de preços. Esta estabilização se faz em torno de quatro elementos básicos, sem os quais nenhum mercado pode funcionar. Em primeiro lugar é fundamental que os direitos de propriedade dos atores estejam claramente definidos, embora suas formas de definição e aplicação sejam variadas: veremos, por exemplo, que a matéria-prima para a produção de biodiesel tem que ser oferecida pelos agricultores à empresa, mas sob certas condições, fora das quais os direitos de participação no mercado, de oferecimento do produto para a PETROBRÁS – e, portanto, o aproveitamento das oportunidades econômicas que a propriedade oferece – ficam ameaçados. O segundo aspecto decisivo do funcionamento de um mercado está em sua estrutura de governança, ou seja as “regras gerais que definem as relações de concorrência e cooperação e definem a própria maneira como as firmas se organizam” . Defini-se aqui governança como “...as medidas que os atores envolvidos nas trocas usam ou implementam para mitigar os riscos associados às trocas econômicas”. O importante, no nosso caso é a diversidade dos atores que interferem de forma direta no estabelecimento destas regras. O terceiro elemento em torno do qual se estabiliza um mercado são suas regras de troca, que garantem a aplicação a todos das condições sob as quais o mercado funciona, por meio, por exemplo, de padrões monetários ou da submissão a acordos comerciais.Pode-se dizer que o “comprador não necessita apenas encontrar um produto que corresponda a suas necessidades de preço e qualidade razoáveis. Ele precisa também encontrar um vendedor que lhe ofereça garantias e serviços de sua preferência e o comprador tem que confiar que o vendedor vai agir como prometido”. No nosso caso, o importante é a participação dos sindicatos na mobilização dos produtores, bem como a garantia de compra do produto por parte da PETROBRÁS. O quarto elemento é especialmente importante no âmbito deste estudo e a ele Fligstein dá o nome de concepções de controle. Eles refletem os acordos tanto no interior das firmas, quanto nos mercados em torno da validade de certas normas de funcionamento, do alcance e dos limites de práticas de concorrência e de cooperação. As regras a partir das quais um determinado mercado se regula não são o fruto espontâneo de sua evolução, mas contam com a participação ativa tanto de forças sociais organizadas como do próprio Estado. Provavelmente estas teorias estarão no centro dos debates da chamada "Ecologia Profunda", na definição de Fritjof Capra.

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