quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Carta do Senador Suplicy ao STF sobre o caso Cesare Battisti

"Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal

De tantas partes do Brasil e da Itália, nestas últimas semanas, tenho recebido cartas e ouvido perguntas relativas ao motivo que me levou a expressar-me a respeito do caso do italiano Cesare Battisti e, em especial, de maneira favorável à decisão do Ministro Tarso Genro de conceder-lhe refúgio político.

Em 2007, a arqueóloga, historiadora e escritora Fred Vargas procurou algumas pessoas com histórico em defesa dos direitos humanos no Brasil, uma vez que desejava relatar-lhes o que se passava com o italiano Cesare Battisti. Recomendaram-lhe que procurasse especialmente a mim e ao jurista Professor Dalmo de Abreu Dallari. Por esta razão, a recebi em meu gabinete no Senado, onde Fred Vargas explicou-me, longamente, a sua convicção de que Cesare Battisti - então preso na Polícia Federal em Brasília e cuja extradição estava sendo solicitada pelo governo da Itália - em verdade não era culpado dos crimes de homicídio que lhe eram imputados pela Justiça Italiana.

Visitei-o pela primeira vez na sede da Polícia Federal. Encontrei-o em uma cela com aproximadamente 12 pessoas, com a saúde em estado precário e dificuldade de ler e escrever, embora seja escritor. Na ocasião ele me contou boa parte de sua trajetória. De como, ainda muito moço, participou de atividades consideradas subversivas contra o Estado italiano, como membro da organização Proletários Armados pelo Comunismo, PAC. Disse que, em maio de 1978, quando soube do sequestro e assassinato do Primeiro Ministro Aldo Moro, ficou extremamente impressionado, a tal ponto que tomou a firme resolução de nunca cometer qualquer crime de sangue, de nunca utilizar armas para matar ou ferir qualquer ser humano.

Percebi então que as condições de prisão não eram as mais adequadas, principalmente considerando seu estado de saúde. Reforcei junto ao Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., a solicitação do Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh de transferi-lo para outra dependência, o que aconteceu, e ele foi removido para o Complexo Penitenciário da Papuda.

Desde essa época, a senhora Fred Vargas já veio ao Brasil outras quatro vezes, e em diversas ocasiões a acompanhei em suas visitas ao preso. Sou testemunha da sua extraordinária dedicação para desvendar em profundidade todos os episódios da história de Cesare Battisti verificando, a cada momento, os inúmeros detalhes de tudo que ocorreu ao longo de sua vida: os processos aos quais foi submetido, todas as acusações feitas e as distorções que caracterizaram muitas delas, bem como os procedimentos de seus julgamentos.

Fred Vargas ganhou diversos prêmios por seu trabalho de arqueóloga e historiadora como, por exemplo, aquele que desvendou os tipos de pulgas que causaram a peste durante a Idade Média. Escritora de romances policiais, quatro de seus livros estão na lista dos mais vendidos na França e na Itália, estando em primeiro lugar, "Um Lugar Incerto". Impressionada com os detalhes dos processos, resolveu dedicar todo o seu tempo e energia nos últimos dois anos para mostrar às autoridades responsáveis pela justiça na Itália, na França e agora, no Brasil, que Cesare Battisti realmente cometeu ações armadas, como assaltos a bancos e outros estabelecimentos, pelos quais foi condenado a 12 anos de prisão, mas nunca cometeu assassinatos.

Notei que Fred dedica-se formidavelmente a desvendar a verdade completa dos fatos. Ela também coletou as provas necessárias, por meio do trabalho de uma grafóloga francesa oficial, de que as procurações feitas em nome de Cesare Battisti para designar seus defensores foram falseadas durante os processos que ocorreram na Itália, nos quais Battisti foi denunciado por pessoas que se beneficiaram do instrumento da delação premiada, não sendo devidamente defendido e, por fim, condenado à prisão perpétua.

De minha parte, fiquei persuadido que Fred Vargas tem razão e luta com grande coragem para ser ouvida. Por esse motivo encaminho a Vossas Excelências, Ministros do Supremo Tribunal Federal, a carta em que essa escritora procura transmitir-lhes as principais razões de sua convicção da inocência de Cesare Battisti em relação aos quatro assassinatos que lhe são atribuídos. Creio que constitui um documento de especial relevância para a decisão que esse Egrégio Tribunal está por tomar diante da solicitação recente do Governo da Itália.

Anexo, ainda, o parecer do Professor Dalmo de Abreu Dallari, especialmente elaborado para a "Folha de S. Paulo", que lhe encaminhou cópia dos autos do processo de Cesare Battisti na Itália. Em sua análise dos documentos, o Professor Dallari alega que encontrou mais de dez vezes a afirmação de que Cesare Battisti integrou um grupo que se formou e desenvolveu ações "com a finalidade de subverter a ordem do Estado". Não cabe dúvida, portanto, que a ação de Battisti, segundo a palavra da justiça italiana, era de natureza política. É importante frisar que o Estado italiano, através da manifestação apresentada ontem pelo eminente advogado Nabor Bulhões, solicita ao STF opinar sobre a natureza política ou comum dos crimes atribuídos ao extraditando. Conforme frisou o Professor Dallari, são os próprios autos do processo que confirmam a natureza política dos delitos. Isto também é asseverado pelo ex-Presidente e Senador Francesco Cossiga.

Como é do conhecimento de Vossas Excelências sou de origem italiana e tenho o maior apreço por aquele país. Dentre as pessoas que mais admiro e cujas vidas contribuíram para formar os meus ideais estão grandes cientistas da humanidade, como os italianos Galileu Galilei, Giordano Bruno, Nicolau Copérnico e Leonardo da Vinci, que tinham por propósito maior de vida descobrir a verdade, uma coisa essencialmente humana. Tenho a certeza de que a decisão que será tomada por Vossas Excelências será inteiramente respeitada pela querida Itália de meu avô e de meu bisavô, pois estará baseada na verdade dos fatos, oriunda do considerável esforço de pessoas que a buscaram a fundo, como no caso da escritora Fred Vargas.

Quando de minha última visita a Cesare Battisti, em janeiro último, ao lado de Fred Vargas, perguntei-lhe a respeito das declarações feitas por Pietro Mutti à revista "Panorama", que repercutiram no Brasil, com especial destaque pela revista "Veja", a qual destacou que aquele chefe dos PACs reiterava suas denúncias, assim como outra participante da organização. Perguntei a Cesare se a foto de Pietro Mutti era atual. Ele disse que era do tempo em que eram companheiros. E que as afirmações de Mutti e da Sra. Maria Cecília Barbeta não eram verdadeiras. Afirmou que nunca um Juiz ou qualquer autoridade policial um dia lhe perguntou: "Você matou?". Foi então que sugeri que ele próprio escrevesse uma carta aos Ministros do STF com o relato completo dos fatos. Ele assim resolveu fazer. Mais do que isso, está disposto a relatar pessoalmente a Vossas Excelências tudo o que diz nesta carta que logo chegará às suas mãos. Disse-me também que está pronto a confirmar a todos os familiares das vítimas, pessoalmente, que não foi responsável por estes homicídios. As informações de Fred Vargas - que estudou profundamente os processos - de que não há nenhuma testemunha ocular, a não ser as beneficiadas com a deleção premiada, que tenha declarado ter visto Cesare Battisti cometer qualquer dos quatro assassinatos, também são relevantes.

Estou à disposição e renovo sentimentos de elevado respeito e consideração."

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