terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

APOLOGIAS: DE SOCRATES A DRUMMOND

(...) Amor é compromisso
com algo mais terrível do que o amor?(...)

(Poema: Mineração do Outro – Carlos Drummmond de Andrade)


Um texto escrito por Platão citando um outro filósofo paradigmático e, que independentemente de ter sido historicamente real, é tão real quanto a força dramática do trecho do poema de Drummond de Andrade transcrito acima.
Em primeiro lugar não custa repetir os traços elegantes, fortes e dramáticos da Apologia. Eu encerraria aqui qualquer pretensão de comentário, se o texto se apresentasse apenas como um poema. Mas, sem deixar de ser poema de feição apaixonada é também uma elaboração filosófica e é, sobretudo um repto. Senão vejamos:

Qual a essência da “Apologia”? – De uma forma quase grosseira, diria que a obra é um libelo em defesa da Verdade. Mas de que verdade estamos falando, uma vez que esta verdade é um compromisso com uma coerência, daquilo que Sócrates tinha como mais valioso que a própria vida. A Verdade pode ser terrível? Sem dúvida e, nesta medida, ela chega ser “não humana”; ela é divina. É uma medida da dimensão absoluta de Deus, assim como acreditava Sócrates.

Sendo acusado de corromper os jovens e de ateísmo, Sócrates é levado a julgamento e finalmente, condenado à morte.

Na Apologia Platão pretende reproduzir a defesa de Sócrates perante seus acusadores e sua postura perante a sentença.

Para Sócrates, ao acusá-lo, seus juízes praticavam um ato ignóbil, injusto e maldoso. Cabia a Sócrates através dos seus argumentos impedir seus juízes de cometer uma maldade; esta era o sentido de sua defesa. Sócrates não receava sua condenação; mas sendo condenado, não teria sido capaz de impedir os seus juízes de alcançar a verdade.
Mesmo esta nova afirmativa em face do próprio discurso da Apologia revela alguns paradoxos: em todo o texto há um sentido de predestinação e fatalidade. Sócrates esperava ser condenado. É como se ele soubesse que estava jogando um jogo de cartas marcadas. Mas sendo assim porque o tamanho empenho na sua defesa? Arriscamos a dizer que seu compromisso com a verdade obrigava-o a esta defesa, ainda que seu desfecho já fosse esperado.

Assim Sócrates faz a sua defesa: ele precisava fazê-la. Não para alterar o resultado de um julgamento que ele já antevia, mas como um compromisso com a maiêutica: é preciso manter o compromisso de dar à luz à verdade. Aqui vemos a figura de um arquétipo: o Sócrates Herói, aquele que se despoja da própria vida para salvar valores universais. Desta forma que dissemos: Sócrates não é humano.
Sócrates alcançou seu propósito, de fazer a defesa da Verdade, com a própria vida? Este sem dúvida é um dilema. Que verdade maior pode existir do que a vida, que só algum sentimento de orgulho e superioridade pode desprezar? Desta forma por mais robusto que seja o exemplo de Sócrates resta uma anti-lição: o auto sacrifício em defesa de uma idéia. Esta é a senda de muitos heróis, é verdade. Mas não é menos trágica para aqueles que se propõem ensinar os jovens. Afinal não é precisamente isto o que fazem todos os fundamentalistas contemporâneos e em nome de um Deus (sua Verdade) se imolam como homens bombas? Não é isto o que faziam os kami-kasis japoneses na segunda guerra mundial? No fundo Sócrates acreditava que a morte lhe traria maiores benesses, como os fundamentalistas islâmicos e os soldados suicidas japoneses. Parodiano Drummond: - A vida é um compromisso como algo mais terrível que a própria vida, ou seja, o medo da vida?

2 comentários:

Anônimo disse...

Sócrates busca a defesa da verdade, apesar de antever sua morte. No julgamento não responde diferentemente daquilo que ensinava aos seus seguidores e por isso não encontro razão para equipará-lo aos suicidas. Na seqüência ao julgamento, além disso, diz aos que o acompanhava que a morte não era o fim senão como se conhecia no censo comum. Kami-kases buscam, por outro lado, a morte como caminho à verdade. Ou seja, são posições inversas.

Anônimo disse...

A vida é um compomisso com "o que está além da vida". Essa era parte da teoria de Platão, seguida de perto por Plotino.

Focado nisso o Sócrates platônico não considera qualquer semelhança com os homens-bomba