segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Modelo social-desenvolvimentista, na visão de Pochmann.

Posso até não concordar com todas as teses do Pochmann, mas existem mais pontos de convergências do que de divergência entre nossas posições. No artigo abaixo Pochmann fala de um novo modelo social-desenvolvimentista. Eu tenho defendido a emergência de um modo de produção fundado em um sistema de Rede social e econômica solidário. Dois pontos são fundamentais neste modelo: o papel do Estado democrático, de hegemonia popular e a organização sócio-econômica da produção e distribuição fundada nos princípios do cooperativismo legítimo. Não vejo que minhas teses encontrem-se em qualquer antagonismo com o texto que reproduzimos a seguir.


O esgotamento do projeto desenvolvimentista imposto pela crise da dívida externa no início da década de 1980 não tornou o País órfão de um modelo econômico e social por muito tempo. A partir do fim dos anos oitenta do século passado, o Brasil internalizou gradualmente o modelo neoliberal.

O entendimento de que o Estado faria parte apenas dos problemas existentes levou à formulação de diversas profecias que não foram realizadas com o passar dos anos. Exemplo disso foi o próprio comportamento econômico durante os anos de hegemonia neoliberal. Pelo lado internacional, constatou-se que a opção pela inserção passiva e subordinada gerou grande fragilidade externa. Cada instabilidade externa produzia internamente a interrupção da expansão produtiva e enormes consequências sociais negativas.

Com isso, a variação média anual do Produto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 2,3%, favorecendo a financeirização da riqueza como medida de compensação crescente à tendência de baixa na taxa média de lucro do setor produtivo.

Assim, coube ao Estado a submissão plena ao regime de ajustes fiscais permanentes por meio do contingenciamento ao gasto público, da privatização do setor produtivo estatal e da elevação da carga tributária.

A opressão do gasto público se revelou necessária à eficácia da macroeconomia financeira, responsável pela transferência média anual de mais de 6% do PIB na forma de pagamento de juros aos segmentos rentistas. Mas o ajuste fiscal permanente trouxe, em consequência, o desajuste social, uma vez que as regiões metropolitanas mantiveram a taxa de pobreza acima de 2/5 da população, e mais de 1/3 dos brasileiros submetidos à condição de baixa renda.

Ao disciplinar 19% do PIB para o gasto social, a experiência neoliberal comprimiu a expansão real do salário mínimo, bem como manteve menos de 14% da população receptores de medidas de garantia mensal de renda. A desigualdade na renda do trabalho manteve-se próxima de 0,6 no índice de Gini, enquanto a participação do rendimento do trabalho ficou abaixo de 40% da renda nacional.

Nos últimos anos, contudo, o Brasil passou a acusar importantes sinais de transição para o modelo social-desenvolvimentista. A identificação básica de que o Estado faz parte das soluções dos problemas existentes não implicou reproduzir os traços do velho modelo nacional desenvolvimentista vigente entre as décadas de 1930 e 1970. Pelo contrário. De um lado, pela reafirmação da soberania nacional, o que exigiu uma profunda reorientação da inserção internacional, com a passagem da condição brasileira de devedor para a de credor de organismos multilaterais (FMI), a formação de significativas reservas externas e o redirecionamento do comércio externo e cooperação técnica para o âmbito das relações Sul-Sul. Assim, as crises externas deixaram de expor a sociedade brasileira às mesmas dificuldades observadas durante a vigência passada do modelo neoliberal.

De outro lado, os compromissos firmados com o avanço do sistema produtivo permitiram a expansão econômica nacional anual na média de 4,2%, bem como a queda da despesa pública com a financeirização da riqueza para quase 2 pontos percentuais do PIB inferiores aos vigentes durante o predomínio do modelo neoliberal. Com isso, houve tanto a ampliação no gasto social para 22% do PIB (quase 3 pontos percentuais a mais do que nos anos 1990) como o atendimento de mais de 1/3 da população brasileira com mecanismos de garantia mensal de renda.

O resultado social se mostrou evidente, com a queda na taxa de pobreza para menos de 1/3 da população e a desigualdade de renda do trabalho abaixo de 0,40 do índice de Gini nas regiões metropolitanas.

A recente volta da mobilidade social, que inclui no consumo de massa milhões de brasileiros e transforma a antiga figura da pirâmide social numa nova, parecida com uma pera, mostrase fruto do avanço do ainda incompleto socialdesenvolvimentismo.

Os próximos anos, se este modelo for mantido e aprofundado, poderão indicar o quanto pode ser reduzida a distância que separa o país real daquele que os brasileiros acreditam realmente que possa vir a ser.

*Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).


Fonte:http://www.fpabramo.org.br/portal/

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