quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

TALENTOS DA MATURIDADE: UM DOS TRABALHOS VENCEDORES.

Paraneia

...ele arquejava agonizando
– Pode falar de morte e de vida na mesma estrofe?
...ele arquejava
o sangue jorrava da boca em verde cascata
– Pode mandar para o inferno
os senhores:
Roland Barthes, Gerard Genette e Levi Straus?
(e que vá o professor também para o inferno)
...ele arquejava, os olhos baços de quem
quase nada quer
Quando eu era menino gostava de brincar
nas grandes casas vazias
para sentir o cheiro de tinta fresca
e brincar com o eco de minha voz
repetindo
repetindo
rep
...ele morria jogado no chão
– Pode morrer alguém de súbito numa rima?
Já tive uma amante nojenta
que saiu pulando pelada
depois que fez amor comigo
(logo naquela noite que eu estava tão romântico...)
– Pode fazer anarquia no verso?
Aquele passarinho morto na mão de meu pai
é o quadro que Portinari não pintou
Um dia, um palhaço quis voar e pediu
as asas a uma borboleta
a borboleta morreu de rir
o palhaço morreu no chão
Sabe aquela estrela mais gorda no céu?
Ela é minha, vou fugir pra lá
quando ficar famoso
só para não dar entrevistas
– Pode ficar doido no soneto?
Aí ela me olhou longamente
apagou o cigarro e me disse uma frase de Descartes
(a frase já esqueci, mas não consigo esquecer
como ela estava bonita naquele dia)
é preciso falar de saudade
nessa porcaria de poesia
senão não tem graça:
Quando faz noite fria me lembro dela
...ele morreu de bruços
na calçada com uma facada nas costas
choveu muito e eu fui pra rua
gosto de ficar todo chovido
(porque água e poesia matam
a quem não sabe brincar com elas, sei disso)
Agora vou falar do meu amor
para acabar esse poema direitinho:
ela é meu mar de ondas
que vão e que vêm
Eu sou o rochedo náufrago
Tentado me afogar, mas não consigo
– Será que podia falar de amor nesse poema, gente?

Adeivan Barbosa Ferreira

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