terça-feira, 18 de agosto de 2009

A ECONOMIA SOLIDÁRIA PRECISA FORMAR SEUS ADMINISTRADORES (Parte 2)

Um Estudo De Caso

Dentre as diversas experiências acompanhadas pela ADS, podemos identificar no caso específico desta região da Bahia, os seguintes aspectos:

a) Presença de valores culturais de solidariedade que contribuem para a construção de organizações solidária (Cooperativas de crédito, por exemplo).

b) Presença de valores culturais que constituem barreiras para as ações de emancipação, tais como uma percepção mágica/fatalista dos fenômenos sociais (“Está assim porque Deus quer”)

No preâmbulo de sua dissertação Reginaldo destaca:
“(...)Esta pesquisa tem como foco os processos de desenvolvimento cultural e organizacional necessários à formação de mercados financeiros formais em regiões de baixa-renda. Para tanto, analisa o caso das cooperativas de crédito da região sisaleira da Bahia, uma experiência notável de inserção de populações de baixa renda no mercado financeiro. Com o acesso a serviços financeiros a baixos custos e a capacitação e assistência técnica proporcionadas pela associação dos pequenos produtores, os agricultores passaram a investir em atividades econômicas mais adaptadas ao clima semi-árido, ter acesso a novos mercados, planejar melhor a produção e o consumo, elevar a renda e promover o desenvolvimento local. Nessa região em que os sertanejos encontravam-se, e uma parte ainda é, dependentes de monopólios tradicionais que se perpetuavam através de vínculos personalistas de controle, os sertanejos contraem constante endividamento junto a comerciantes locais(...)”.
“(...) A ação das Comunidades Eclesiais de Base e dos sindicatos de trabalhadores rurais, a partir dos anos 70, foi decisiva para promover um processo de desenvolvimento cultural e a formação de uma densa rede de organizações que possibilitaram ampliar o acesso dos agricultores ao mercado financeiro e a novos canais de comercialização (...)”.
“(...) Por meio de uma análise interdisciplinar e crítica da realidade concreta e dos conceitos da sociologia econômica, da economia institucional, da teoria dos sistemas agrários e da antropologia, são reconstruídos os processos históricos que levaram à formação de cooperativas, é analisada a influência do clima sobre os mercados, é investigada a racionalidade econômica do sertanejo e são desvendadas as estruturas sociais que sustentam as novas organizações econômicas e o desenvolvimento recente da região sisaleira da Bahia (...)”.
Estes são os fundamentos metodológicos da pesquisa. E como já dissemos, faremos apenas alguns registros, do sistema simbólico que permeia a relação dos sertanejo neste universo específico.


O desencantamento do sertão e a construção de uma nova racionalidade

Obs: O texto que se segue é de autoria de Reginaldo Sales Magalhães.

“Na década de 70, os “círculos bíblicos”, as celebrações coletivas e as festas religiosas foram as primeiras e mais elementares experiências de construção de uma nova coesão social na região sisaleira. As práticas religiosas populares eram organizadas por leigos, lideranças comunitárias, que além da missão religiosa conduziam discussões sobre a realidade local, os problemas dos agricultores, sobre a importância das organizações e do levantamento e articulação das suas reivindicações. Foi deste trabalho religioso que surgiram as primeiras associações comunitárias e as oposições aos sindicatos locais que, à época, restringiam sua atuação a serviços médicos e previdenciários. Esta foi a porta de entrada de um processo longo de racionalização da vida dos sertanejos. Foi também uma condição fundamental para viabilizar a formação de organizações que exige, ao mesmo tempo, plena racionalidade econômica, cooperação e projeto social: as cooperativas de crédito.
Não é à toa que as duas pioneiras e mais bem sucedidas experiências de organização de cooperativismo de crédito protagonizadas por agricultores familiares de baixa renda, no Brasil, têm esta característica histórica em comum. A pesquisa de mestrado de Rodrigo Junqueira (2003) revela que sem o trabalho de base feito pela Igreja desde os anos 60, o tecido social do sudoeste paranaense nem de longe teria a densidade que permitiu a profusão de organizações e do ambiente de mobilização e confiança que o caracteriza.
Na região sisaleira não havia, até os anos 70, uma única esfera das relações sociais que não estivesse completamente enraizada nas tradições e permeada por uma visão mágica sobre a natureza. Mas, a partir desta época, com o trabalho pastoral, começam a surgir novas organizações que provocam uma ruptura com o tradicionalismo. De forma aparentemente contraditória, é a própria Igreja, normalmente acusada por seu conservadorismo, que ocupa um papel central no início de um longo processo de transformação cultural de uma importante parcela da população da região.
Como foi, então, que um trabalho religioso exerceu tão importante influência na formação de organizações econômicas? Segundo Antônio Flávio Pierucci, na sua análise sobre o conceito weberiano de “desencantamento do mundo”:
“não é possível explicar nem mesmo a economia e seus diversificados desenvolvimentos sem levar a sério os aspectos essenciais da história cultural, sobretudo da vida religiosa” (Pierucci, 2003: 179).
Mas que relação é esta que existe entre religião e economia? Em grande parte da literatura brasileira, nem a imagem da Igreja, muito menos a dos sertanejos, está relacionada à construção de iniciativas econômicas inovadoras. As tradições rurais são popularmente identificadas com o arcaico, frente a um progresso inexorável que vigoraria nos e a partir dos centros urbanos.
“A vida tradicional sobreviveu até aqui em muitas áreas, embora mais ou menos alterada. Parece difícil que possa, daqui por diante, resistir à expansão capitalista. (...) A conseqüência geral é a incorporação progressiva destas áreas (...) à esfera da economia moderna; processo que repercute fundo em toda a organização da vida social, com rupturas de equilíbrio que podemos verificar nos planos ecológico, econômico, cultural, social e psíquico – inter-relacionados e solidários” (Cândido, 2001:204).
Em diversos momentos históricos, quando a Igreja teve papel ativo, mesmo que raramente explícito, em processos de mudança social, foi exatamente no enfraquecimento das tradições rurais em favor da construção de um padrão cultural “moderno”. O “Pagador de Promessas”, de Dias Gomes, é um ícone do conflito entre a visão mágica e ingênua das pessoas do campo, representadas por Zé do Burro, e a Igreja representante de uma sociedade urbana, moderna, individualista, insensível e injusta. O resultado do choque cultural é a morte das tradições rurais, frente ao racionalismo, a sedução e sobejo da moderna cultura urbana.
É bem verdade que em alguns momentos a Igreja, ou melhor, o messianismo católico, serviu de alimento espiritual para grandes revoltas populares, como no início do século XX, com os movimentos do Contestado, em Santa Catarina e Paraná, e Canudos, na Bahia.
No entanto, a ação da Igreja Católica no sertão do sisal, assim como em várias regiões rurais brasileiras, escapa a estes padrões. Neste capítulo, será discutido como a ação da Igreja local, a partir dos anos 70, por meio da formação das Comunidades Eclesiais de Base, promoveu a formação de uma nova visão de mundo por parte dos sertanejos. Visões mágicas sobre a natureza e visões tradicionais sobre a sociedade foram, aos poucos substituídas por uma visão crítica e racional da realidade.
Este primeiro estágio foi fundamental para assentar as bases de uma segunda fase em que mudanças sociais se processaram na região. O processo de racionalização, puxado pelas organizações econômicas, e a formação de uma nova cultura política, impulsionada pelas organizações sociais. A partir de relações comunitárias de cooperação, que garantiam condições mínimas de sobrevivência, foram forjadas relações associativas que permitiram novas conexões com o mercado. O trabalho de capacitação e assistência técnica, e as primeiras organizações financeiras desenvolvidas pela Apaeb levaram a uma importante transformação na visão dos agricultores sobre o clima e sobre os recursos naturais do sertão, como também provocaram importantes mudanças no comportamento econômico dos sertanejos. “ Obs: APAEB: Associação dos Pequenos Agricultores do Município de Valente.
Apresentar uma vertente não-folclórica da pesquisa dos elementos simbólicos e das experiências culturais dos sertanejos, de uma região específica do interior da Bahia constituiu o nosso propósito inicial. Deste o início consideramos a força da cultura da solidariedade como um importante recurso de resistência das populações excluída das condições básicas de sobrevivência, como um espaço de intervenção da educação. Desta forma procuramos mostrar como a antropologia e a filosofia podem contribuir significativamente para estes processos de emancipação, constituindo um fator de grande esperança para uma ação educacional comprometida com a cidadania.

Nenhum comentário: