sábado, 3 de janeiro de 2009

UMA EDUCAÇÃO PARA A FILOSOFIA NA HISTÓRIA BRASILEIRA

“(...)Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera(...)”.
(Trecho de A Flor e a Náusea - Carlos Drummond de Andrade)

O desconforto intelectual e existencial de falar no significado da Filosofia da Educação no período contemporâneo encontra uma excelente síntese neste trecho de um poema de Carlos Drummond. Tomado pela angústia de um prisioneiro de si mesmo, o poeta se questiona sobre seus limites: devo seguir até o enjôo? Posso sem armas revoltar-me? Como romper esta prisão se “O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinação e espera?”.
Das bibliotecas colhemos toda sorte de reflexões e modelos conceituais que buscam retratar os caminhos para a educação.

“Preso à minha classe” inicio esta reflexão reproduzindo comentários sobre pontos de vistas desenvolvidos por alguns colegas em nossos diversos Fóruns de Filosofia e tentando, ao mesmo tempo, amenizar uma sensação de impotência perante a seguinte indagação: nós somos possíveis como educadores? Educar é adestrar? Educar é facilitar processos de emancipação?

Confesso que demorei mais do que o de hábito para avançar em minhas reflexões. E por uma razão elementar: eu não sei o que dizer. Ou melhor, sentia como falso (resposta burocrática) o caminho de minhas reflexões. E ainda sinto. O motivo reside em uma pergunta, para a qual não tenho resposta, qual seja: a educação é um processo verdadeiro, do ponto de vista de minhas crenças em valores como emancipação?
No início de minha carreira fui professor de História para cursinho pré-vestibular: tenho a convicção que meus alunos passaram a ter uma boa visão crítica da história, mas mais de 50% foi reprovado no vestibular. Então fomos para uma segunda etapa. Fizemos um contrato coletivo: durante 6 meses usando um modelão de um cursinho, famoso por sua habilidade em promover adestramento para passar no vestibular, repassei este modelo para os alunos. O índice de aproveitamento no vestibular foi bem elevado. Mais tarde encontrei diversos alunos, que haviam abandonado o curso, por profunda decepção com o sistema de ensino. Nunca mais lecionei para pré-vestibular.
Tratar do assunto Filosofia da Educação trouxe-me à lembranças estas experiências, para a quais não consegui elaborar internamente uma resposta legítima como já disse.
Todavia em minhas pesquisas fui costurando diversos retalhos e identificando pensadores, que a despeito de todas as dificuldades, ainda mantém uma esperança no papel da educação como recurso de transformação. Um texto de Lêda Dantas, intitulado EDUCAÇÃO E PROJETO EMANCIPATÓRIO EM JÜRGEN HABERMAS, contém no final do artigo um resumo interessante, que reproduzo abaixo.
Na perspectiva de Habermas, a educação deve contribuir para o projeto emancipatório e universalista. Este projeto é informado por um novo conceito de razão: a razão comunicativa. Essa é uma razão processual, que embora transcendente num sentido, ou seja, ultrapassa os contextos de vida e encontra a unidade na multiplicidade das vozes, situa todo o conteúdo no terreno do contingente. Isto significa que não há definição a priori da substância desse projeto. A razão comunicativa é fundamentalmente um procedimento, não podendo determinar conteúdos de antemão. A verdade do projeto de emancipação, então, estará sempre sendo submetida a uma crítica permanente nos contextos específicos, ainda que esse procedimento racional obedeça a princípios universais.
Habernas conseguiu superar, pelo menos em parte, o profundo pessimismo da Escola de Frankfurt. Pessimismo este fundado no desolamento da falta de alternativas para os modelos filosóficos que encantaram a esquerda até os anos 70. A idéia de emancipação como processo revolucionário mostrou-se uma quimera, ganhando corpo o desalento e desencanto por uma metodologia de educação que resgatasse os humanos do tédio e da “náusea” (“Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta” Drummond de Andrade).

Neste cenário o que pode o pesquisador bem intencionado? Reiterar que o capitalismo globalizado sucumbirá, enfim, vítima de suas contradições, abrindo um novo tempo, pela superação dialética da história, na versão mais elementar do marxismo? É uma utopia e por mais estranho que pareça a alguns e, por mais desconfortável para aqueles que preferiram “abandonar o barco”, nosso referencial continua sendo a nossa história. E é nesta história da jornada humana que nos inspiramos e buscamos referências no brilhante pedagogo Paulo Freire:

“(...)O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será " aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade". Vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização(...)”

Provavelmente uma das grandes dificuldades de examinarmos este papel da Filosofia da Educação como um espaço de reflexão crítica seja o fato de estarmos no “olho do furacão”. Estamos vivemos o próprio acontecer desta história, como relatamos seguindamente neste Blog.

Mas os contra-pesos da Economia Solidária continuam no horizonte da busca de respostas legítimas para estas questões. Esta é pelo menos a minha esperança, porque este é um campo de suposições e opiniões, onde nenhum certeza se sustenta.

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