domingo, 5 de junho de 2011

Democracia: a Russia pode aprender com o Brasil?

Por Stanilaw Calandreli


from VoaNesws/RussiaWatch - James Brooker

Quando será que os russos atingirão a maturidade política dos brasileiros?

Quando será que os russos terão a possibilidade de eleger governadores estaduais e os prefeitos das grandes cidades, e terem eleições livres e competitivas para o congresso e à presidência, como os brasileiros?

Estas questões soam um pouco ofensivo para muitos russos. Afinal, o Brasil era uma mera colônia Portuguesa de bananeiras e coqueiros no momento em que Ivan, o Terrível forjava o núcleo de um Estado moderno nos desertos nevados da Rússia.
Mas o avanço rápido em cinco séculos na Rússia e no Brasil teve aproximadamente o mesmo peso econômico. Cada um tem uma economia de US $ 2 trilhões. Ambos são membros fundadores do grupo BRICS de nações emergentes.

A comparação política é oportuna pelo fato de que a Rússia embarca em um ano eleitoral, elegendo o parlamento em Dezembro e um novo presidente em Março.

Acabo de chegar da minha primeira viagem de volta ao Brasil após16 anos. Fazendo ao todo um total de dez anos, de 1980 a 1995, fui correspondente no Brasil para os jornais americanos. Esses foram os anos-chave na transição do Brasil da ditadura para a democracia.
Os russos, se alguma vez pensarem seriamente sobre o desenvolvimento político do Brasil, admitirão que a democracia vem naturalmente a uma sociedade do Novo Mundo nas Américas.

De fato, 150 anos atrás, a Rússia e o Brasil estavam praticamente no mesmo lugar: eram sociedades escravocratas governada por imperadores. O Czar aboliu a servidão na Rússia em 1861. A escravidão foi abolida no Brasil em 1888, sendo o último país do hemisfério ocidental a fazê-lo.

No Brasil, a abolição da escravatura levou à derrubada do imperador e começou uma sucessão de 75 anos de golpes militares, governado por partidos oligárquicos civis, um governo levemente fascista durante a Segunda Guerra Mundial e, finalmente, a "Revolução" de 1964 liderada pelos militares. Pelos próximos 21 anos, uma série de generais do Exército, vestidos em ternos e gravatas, liderou o Brasil.

O cenário político da Rússia de hoje é muito semelhante ao cenário do Brasil, quando da minha primeira visita, como um estudante universitário, há 35 anos atrás, em 1976.
Russos de hoje são regidos por aquilo que alguns dos latino-americanos de então chamavam de "ditabranda" - ou ditadura suave. A palavra "ditadura", ou ditadura rígida, se aplica hoje aos regimes dos governos de Cuba ou Bielorrússia.
Como no Brasil dos militares, a Rússia de Vladimir Putin tem uma grande mídia escrita livre. Mas a mídia eletrônica - TV e rádio – operam sob pesada censura. Como no Brasil dos militares, a liderança nacional da Rússia manipula as eleições e os partidos políticos para garantir a sua continuidade no poder.

No Brasil dos militares, o fraco Congresso era, pelo menos, uma "caixa de ressonância" ou "câmara de eco" nacional. O Duma (Congresso) da Rússia não pode sequer aspirar a isso. Em 2005, Boris Gryslov, o presidente da Duma atual, repreendeu outro deputado, dizendo que o Parlamento “não é um lugar para debates políticos".
E como no Brasil, nunca seus presidentes militares apareceram em público em seus uniformes do Exército, a estafe do Primeiro-Ministro da Rússia não distribui fotos históricas de Vladimir Putin, em seu uniforme de coronel do KGB.
Nas atuais ruas da Rússia, o menor "protesto não autorizado" é encarado com cassetetes e camburões. No último exemplo, no sábado, policiais uniformizados e à paisana interromperam uma tentativa de manifestação pelos direitos dos homossexuais. Fazendo uso da truculência, detiveram cerca de 30 pessoas em frente ao Kremlin.

Então,como o Brasil realizou sua grande mudança a partir de um sistema político autoritário da década de 1970 para a democracia civil de hoje?

No sábado passado, enquanto a polícia russa estava espancando gays e seus simpatizantes em Moscou, eu estava em Florianópolis, Brasil, almoçando uma moqueca de camarão com Robert Schimidt, advogado e veterano no assunto do longo e vagaroso movimento brasileiro na mudança para um regime civil pleno.

"A expansão da sociedade civil é fundamental", disse ele. "Em um ano no início da década de 1980, grupos de bairro começaram a se formar em Florianópolis."
Como um repórter no Brasil no início de 1980, lembro-me de ter pensado que essa proliferação de grupos não-governamentais, associações de bairro, grupos religiosos, grupos ambientalistas, grupos de mulheres e sindicatos independentes eram apenas aborrecimentos. Para efeito de notícia, como poderia esses fenômenos fundamentados nas raízes populares se compararem com a pirotecnia da guerra civil em El Salvador, os casos de violência de Augusto Pinochet no Chile, e Maggie Thatcher revertendo a ocupação argentina nas ilhas Malvinas?

Mas para o Brasil, essa transição para a democracia foi A História.
No plano político, estes grupos não-governamentais levaram à formação do Partido dos Trabalhadores, o primeiro partido brasileiro verdadeiramente oriundo das raízes populares. Este é o partido que superou as expectativas de classe e colocou no palácio presidencial Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-engraxate cuja educação formal parou na quarta série.

Este é o partido que levantou as expectativas de gênero, vencendo a eleição de outubro passado com Dilma, a primeira mulher a se tornar presidente do Brasil. (Em uma medida da distancia ideológica percorrida, Dilma Rousseff, filha de imigrante búlgaro comunista, iniciou sua carreira política na faculdade, fornecendo armas para um grupo de guerrilha marxista de combate à ditadura militar.)
Mas, além de contribuir para o sucesso político do Partido dos Trabalhadores, a expansão de grupos não-governamentais no Brasil contribuiu para um crescimento do sentimento de cidadania entre os brasileiros comuns. O crescimento econômico do Brasil contribuiu muito para esse processo, passando mais de 23 milhões de brasileiros da pobreza para a classe média na última década.
Em contrapartida, os governantes autoritários da Rússia parece terem se congelados em 1976, com medo da sociedade civil.

Sob o pretexto de combater as "revoluções coloridas", eles restringem severamente grupos não-governamentais na Rússia. Eles treinam grupos de jovens filiados ao Kremlin, chamados de Nashi, Jovem Guarda e outros, para travarem batalhas de rua contra os dissidentes e os movimentos políticos independentes. Esta é uma segunda natureza do primeiro-ministro Vladimir Putin, cujos primeiros 10 anos na KGB em Leningrado dedicou a revirar tudo em volta, monitorando os estrangeiros e combatendo os dissidentes locais.
Sob Putin, o sistema político da Rússia parece estar cada vez mais distante da sociedade civil e da participação popular.

A "eleição" de outono passado para prefeito de Moscou, foi emblemática. Em certa manhã de outubro passado, os 10 milhões de habitantes de Moscou acordaram sabendo que o nome de seu novo prefeito, literalmente da Sibéria, era Sergei Sobanyninera um desconhecido para os moscovitas. Mas era bem conhecido no Kremlin: ele era o chefe da estafe de Vladimir Putin.

Presumidamente para dar aos moscovitas um sentimento de participação política, a televisão estatal transmitiu ao vivo da Cidade de Moscou a votação do Conselho para o candidato do Kremlin. Teve até um pouco mais de suspense do que os votos nos dias do comunismo. Isso foi 32 a favor, 2 contra.
Os argumentos do Kremlin de que os moradores da maior cidade da Europa não têm a maturidade política suficiente para eleger seu próprio prefeito ecoam os argumentos feitos há 40 anos pelos militares brasileiros sobre São Paulo, a maior cidade da América do Sul. Ao longo da década de 1970, os prefeitos de São Paulo foram nomeados pelos generais. Eleições livres e competitivas foram restauradas na década de 1980.

A questão permanece: Será que a Rússia seguirá o caminho do Brasil, movendo-se para uma democracia plena?

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