O texto abaixo relata uma experiência na cidade de Juiz de Fora, MG. Serve, provavelmente, para qualquer cidade mineira. Minha experiência como professor de filosofia do ensino médio, em Sete Lagoas, MG, me trouxe a uma busca de reflexão sobre nossas dificuldades na organização do ensino no município. Os problemas não são particulares a Sete Lagoas; trazer para cá esta reflexão apenas me permite localizar meu campo de atuação. Confiram:
Faltam professores na primeira semana de aula
Mariana Nicodemus Repórter
O ano letivo da rede estadual de ensino começou, na última quarta-feira, já com graves problemas. Com o atraso na designação de servidores para cargos vagos, realizada dois dias antes do início das aulas, algumas turmas conheceram o recorrente drama da falta de professores logo no primeiro dia de atividades. O Instituto Estadual de Educação (Escola Normal), maior unidade da rede em Juiz de Fora, no Centro, tinha déficit de pelo menos dois professores do ensino fundamental naquele dia, de acordo com a vice-diretora da escola, Fátima Pereira. Levantamento feito pela Tribuna, no final do turno da tarde, identificou, pelo menos, seis turmas do colégio que ficaram sem atividades em um dos horários do dia. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) não realiza concursos há cinco anos, e, para suprir a carência de profissionais, docentes estão sendo obrigados a assumir disciplinas para as quais não têm habilitação adequada e bacharéis em faculdades diversas, sem formação pedagógica, são autorizados a atuar como professores.
A vice-diretora do Instituto Estadual de Educação, onde uma classe do 7º ano (antiga sexta série) teve apenas uma matéria durante toda a tarde, e os alunos passaram o dia pelos corredores da escola, confirma que o "problema pontual" ocorreu devido à proximidade entre a designação de professores substitutos, realizada na segunda-feira, e o início das aulas, na quarta-feira. Como a lista de selecionados precisa ser aprovada pela SEE antes que o professor seja oficialmente contratado, a burocracia impediu que os profissionais começassem as atividades junto com o ano letivo. Segundo Fátima, a situação não se repetiu na quinta-feira, quando os contratos já estavam assinados.
Porém, o problema não se restringe ao início do ano e a uma escola. Uma professora de inglês que atua como substituta em diversas unidades da rede afirma que é comum encontrar turmas de ensino médio que estão há mais de dois meses sem aulas e, quando é contratada, não há tempo hábil para recuperar a matéria e ministrar todo o conteúdo previsto para o ano.
A diretora da subsede de Juiz de Fora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Victória de Fátima Melo, explica que a situação ocorre porque existe um período mínimo de licença para que o docente possa ser rendido. "Um professor regente de turma do ensino fundamental, por exemplo, só é substituído depois de 15 dias licenciado. Antes disso, não há substituição, e essas crianças ficam sem aulas caso não haja outro profissional na escola que possa assumir as turmas. Para professores que atuam nas bibliotecas, esse prazo chega a dois meses." Passado esse período, a escola envia solicitação à Superintendência Regional de Ensino (SRE), que encaminha o pedido à secretaria. O edital para designação só pode ser aberto após a autorização do Estado, o que, de acordo com ela, costuma levar mais de uma semana.
Segundo a diretora da SRE em exercício, Maura Couto Gaio, a responsabilidade de manter o quadro de professores completo é da direção da escola, já que as designações são processadas de acordo com dados informados por cada unidade. "No momento em que a direção detecta que o cargo está vago, entra com processo para que seja preenchido. A autorização é imediata, e o edital pode ser aberto, convocando para seleção 24 horas depois." A lista de vagas disponíveis é atualizada diariamente e postada no site www.educacao.mg.gov.br/webjzf. Na última chamada, foram oferecidas 124 vagas (ver quadro), sendo o cargo de professor da educação básica regente de turma do ensino fundamental o com mais oportunidades - 15
Docentes despreparados assumem disciplinas
Em uma tentativa de equilibrar o quadro de pessoal das escolas sem que seja necessária a nomeação de concursados, professores sem a formação adequada estão sendo obrigados a lecionar disciplinas para as quais não foram preparados. Embora a legislação permita a manobra - que não impede a falta de docentes nas escolas - , há casos de profissionais formados em geografia e história, por exemplo, dando aulas de filosofia e sociologia, apesar de terem tido contato com os assuntos apenas durante a faculdade, em cursos introdutórios, e não terem experiência na área. Em outras matérias, como matemática, física e química, os professores, escassos no mercado, são substituídos por engenheiros, bioquímicos e bacharéis em faculdades diversas, sem formação pedagógica.
A resolução 1.773, de dezembro de 2010, da Secretaria de Estado de Educação (SEE), determina que "a atribuição de aulas entre os professores deve ser feita no limite da carga horária obrigatória de cada cargo". Quando não há turmas disponíveis para que o mínimo de 18 aulas por semana seja cumprido, o profissional é remanejado para matérias para as quais não está habilitado. O problema é mais frequente entre os docentes efetivados pela Lei 100, de 2007, que correm o risco de serem desligados da SEE caso percam parte nas turmas para as quais foram contratados e não sejam realocados em um mês. "Esses professores se veem obrigados a aceitar as aulas para não perder o emprego", afirma a diretora do Sind-UTE, Victória de Fátima Melo.
Insegurança Prestando serviços ao Estado há seis anos, em uma escola na Zona Norte, um professor de geografia, que preferiu não ser identificado, assumirá horários de filosofia e sociologia este ano para garantir o vínculo. "Existem, no colégio, professores habilitados para essas cadeiras que perderam as turmas para mim. Como constam disciplinas de introdução à filosofia e à sociologia no meu histórico, fui autorizado a trabalhar na área, mas nunca dei aula dessas matérias e terei que aprendê-las para ensinar aos alunos, que são os mais prejudicados", reclama.
Outra docente, formada em história, ministra as aulas de filosofia de uma escola no Centro desde o ano passado. "Dou aulas de história há 20 anos e, de repente, me vi obrigada a trabalhar com outra coisa. Não domino o conteúdo, então aviso aos alunos que vou aprender com eles, mas entro insegura na classe", afirma, acrescentado que, no colégio onde trabalha, as aulas de artes são lecionadas pela professora de inglês. No ano passado, apenas 20 das 49 escolas estaduais da cidade contabilizavam 79 professores certificados a atuar em área diferente da de sua competência, de acordo com levantamento da SRE.
Problema em física, química e matemáticaPara a diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE) em exercício, Maura Couto Gaio, a organização do quadro de pessoal das escolas acontece de acordo com a resolução 1.773, que inclui, como último recurso para a ocupação do cargo, a possibilidade de profissional autorizado assumir disciplinas para as quais não é formalmente habilitado. "É claro que a gente espera que, quanto mais especializada for a formação do professor, melhores sejam as aulas. Mas, enquanto profissional, compete ao docente se preparar e reunir condições para atuar em outra área. O servidor tem que seguir a resolução do Estado, embasada e sem qualquer intenção de prejudicar o aluno", afirma.
Ela admite que profissionais sem formação pedagógica atuam como professores, principalmente em matemática, física e química. "Os cursos de licenciatura dessas matérias formam poucas pessoas, e o mercado fica sem profissionais. A escola, às vezes, abre edital para essas vagas mais de uma vez e não aparece ninguém. A gente supre com o professor autorizado, que é aquela pessoa que fez ciências biológicas ou bioquímica, por exemplo, e, pelo histórico acadêmico, pode lecionar química."
A assistente técnica educacional da SRE, Sílvia Deotti, explica que o Certificado de Autorização Precária (CAP), com validade de um ano, é concedido para que profissionais não especializados possam concorrer às vagas de designação, ou seja, àquelas que não foram preenchidas por concursados, efetivados pela Lei 100 ou vinculados à SEE. Se pela análise do histórico de um engenheiro, por exemplo, é verificado que disciplinas relativas à física foram cursadas, ele é autorizado a lecionar a matéria, de acordo com critérios da resolução 1.724, de novembro de 2010. Segundo Sílvia, as disciplinas com maior carência de professores são matemática, química e física, mas a maioria dos pedidos de CAP é para filosofia e sociologia.
"Em uma cidade com inúmeros cursos de licenciatura, é inadmissível que isso aconteça com a frequência que estamos vendo. Essa situação absurda ocorre não por falta de professores habilitados, mas por uma política da SEE, que não realiza concursos há cinco anos", destaca a diretora do Sind-UTE, Victória de Fátima Melo.
'Professor não pode virar joguete'"As políticas sociais e de contratação colocam o professor como um operário, que pode atuar em qualquer frente, e não é bem assim", comenta a professora da Faculdade de Educação da UFJF, Maria da Assunção Calderano, pesquisadora da área de formação de professores e trabalho docente. Ela afirma que pesquisa realizada no ano passado em várias cidades mineiras apontou que um dos fatores determinantes para o mau desempenho de escolas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é a descontinuidade do exercício pedagógico. "O professor só consegue fazer bom trabalho quando conhece a cultura daquela escola e pode participar e contribuir com aquela sociedade", afirma sobre a constante substituição de educadores nas redes públicas. "Esse problema precisa ser observado com atenção para que o professor não vire joguete e tenha condições de oferecer aos alunos uma formação continuada."
Para Assunção, o estudante também é prejudicado quando é orientado por um profissional que não está apto a lecionar um determinado conteúdo com qualidade. Porém, a professora acredita que a formação docente precisa ser interdisciplinar, indo "além do conhecimento específico de cada área". "O especialista, de qualquer setor, que é apenas especializado, em alguma medida deixa de entender um problema por completo. Existem elementos necessários e importantes para que a pessoa dialogue com outras áreas, se não fica à deriva", destaca. "Isso revela tanto um problema de formação docente, já que o curso não preparou o professor para compreender e atuar em outras situações, e de formação básica, porque o aluno desse professor não vai ter aula de qualidade."
Quanto à falta de preparação de bacharéis que atuam como professores, a pesquisadora lamenta que, muitas vezes, o conteúdo especializado prevaleça sobre os aspectos pedagógicos. "Há pessoas que sabem muito bem matemática, mas não sabem ensinar. E também existe gente que tem facilidade para lidar com o ambiente de sala de aula, mas enrola o conteúdo. O problema está nesse conflito, quando as pessoas acham que essas áreas não podem dialogar." Ela acredita que profissionais com dificuldades de conseguir emprego em seu setor "baixam as expectativas", indo para a educação e se tornando professores pela prática. "Entendo que a educação não consiga atender a demanda, mas é preciso que haja qualificação adequada."
Postado por Sind-UTE Subsede Juiz de Fora às 11:57
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