Jasseir Alves Fernandes, da CUT, sublinha relevância do tema para a soberania alimentar - Entre os inúmeros temas debatidos no Fórum Sindical Mundial, realizado em Dakar, capital do Senegal, de 6 a 11 de fevereiro, um ganhou particular relevância: “Economia solidária e comércio justo”. Nada mais natural, quando as transnacionais do alimento, com sua fome insaciável de lucro, avançam sobre o continente africano, comprando parcelas imensas das melhores terras para exportar.
Além de roubar daqueles países qualquer perspectiva de “soberania alimentar”, a desnacionalização do território empurra para as periferias das grandes cidades parcelas expressivas da população rural. Se levarmos em conta que na maior parte da África, 70% da população total sobrevivem da agricultura de subsistência, teremos a dimensão da catástrofe provocada por relações imperialistas que aprofundam, ao extremo, a exploração.
No continente, mas também na América e na Ásia, as transnacionais colhem os frutos da especulação de alimentos transformados em commodities, enquanto semeiam a fome e a miséria que aflige centenas de milhões de seres humanos. Esta ação, obviamente, é respaldada pelos governos dos países capitalistas centrais, os mesmos que erguem imensas barreiras para os imigrantes que ficam desempregados por obra, graça e desgraça da sua política. Como toda prática neocolonial, o receituário é visto como incontestável por muitos dos governos locais desnacionalizados, que passam a praticar o servilismo mais atroz.
De acordo com Jasseir Alves Fernandes, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores, que representou a entidade no debate sobre “Economia Solidária e Comércio Justo”, os movimentos sociais vêm se articulando em redes de cooperação para se contrapor à lógica perversa do agronegócio transnacional. Assim, explicou, “além de buscarem um comércio justo, Sul-Sul, as entidades têm articulado com organizações europeias para garantir uma maior valorização para os seus produtos, o que tem significado um diferencial no preço de 30 a 40%”, possibilitando que os agricultores se mantenham em suas terras e não sejam obrigados a venderem sua produção a preços aviltantes.
“Com práticas de comércio justo temos conseguido um sobrepreço, que é um tipo de prêmio social. Por exemplo, numa saca de café, um percentual vai para a comunidade que está produzindo. Num contêiner, que leva cerca de 300 sacos de café, as empresas dão um plus para ser investido em melhorias sociais das comunidades”, informou Jasseir.
O dirigente cutista lembrou que no Brasil, após muita mobilização e debate com o governo federal, o presidente Lula assinou um decreto no dia 17 de novembro do ano passado reconhecendo esta prática de comércio. “Foi o primeiro marco regulatório no mundo nesta questão e vai ajudar na conformação de políticas públicas mais eficazes para o setor”, frisou Jasseir, apontando que este é um avanço significativo, inclusive para a mensuração do impacto que tem a economia solidária em nosso país. Atualmente, disse, há 22 mil empreendimentos mapeados, mas há uma projeção da existência de mais de 80 mil.
“O Programa Nacional de Aquisição de Alimentos para a Merenda Escolar (PNAE), que garante pelo menos 30% da aquisição da agricultura familiar, é o maior programa do mundo da relação de comércio justo. Esta é uma experiência que todos queriam conhecer, pois a segurança é algo essencial para os agricultores familiares, já que muitas vezes o agricultor tem produto e não tem preço e outras tem preço mas não tem produto para ofertar”, ressaltou.
Jasseir lembrou que aproveitou o Fórum Social Mundial para apresentar a questão do ponto de vista sindical, frisando que a economia solidária é um eixo estratégico da ação cutista. “Mostrei que, para nós da CUT, a economia solidária não está só no discurso, que inclusive fez parte da Plataforma da Classe Trabalhadora para as eleições de 2010, mas que está na prática da Agência de Desenvolvimento Solidária (ADS), tocada pela nossa Central, através do Conexão Solidária. A prática do comércio justo está sendo cada vez mais incorporada pelo sindicalismo cutista através de empreendimentos como a Unisol e a Unicapes, conformando uma rede de 1.500 cooperativas, associações e empresas recuperadas”.
Entre os exemplos de ponta existentes, com os quais se pode estreitar relações, citou Jasseir, há a Cooperativa Chico Mendes, da Itália, que conta com 500 lojas, e a Rede de Lojas da Argentina, que querem comprar café brasileiro, adquirido via sistema CUT, pois avaliam que esta é uma parceria forte e estratégica. “Nossa participação foi importante para demonstrar que o movimento sindical dá atenção ao tema da conformação de redes e que quer dialogar com o conjunto dos movimentos sociais para atuar de forma coordenada, a exemplo do que já acontece na América Latina. Ampliamos o contato com redes da África e da Ásia, fundamentalmente, que são países com população rural bastante empobrecida e muitas vezes desarticulada”, acrescentou.
Conforme Jasseir, “a lógica imperialista determina o que e como fazer, ditando ordens, impondo preços e prioridades, numa lógica de submissão. Nós estamos comprometidos em construir algo diferente”. Por isso, esclareceu o dirigente cutista, “também debatemos com o governo brasileiro, que tem tido importantes iniciativas com o continente africano, para que não reproduza formas de ‘cooperação’ que não dialogam, que não levam em conta o respeito à cultura local e as opiniões dos envolvidos”.
Fonte: CUT / Leonardo Severo, de Dakar - Senegal
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