segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Antropologia. Uma ciência da dominação?

O início dos anos 70 era recorrente no meio universitário a noção de que a antropologia era fundamentalmente uma ciência a serviço do capital, como poder hegemônico. Nas salas de aula os professores desta disciplina ( a professora Ruth Cardoso era uma boa exceção ) mal conseguiam dar as suas aulas, tendo que enfrentar as turbulências de um momento político, no auge da ditadura militar. Mas porque os ativistas de esquerda manifestavam uma tal ira contra a antropologia? O que ela continha de tão ameaçador, como um vírus letal capaz de aniquilar as consciências em processo de politização, com uma forte leitura marxista da história?
Apenas para situar o problema, dentro da perspectiva colocada no Fórum de nossos estudos iremos pontuar algumas questões, que constituíam desafios importantes para a intelectualidade engajada da época. Em linhas gerais poderiam destacar pelo menos três eixos fundamentais:
a)      Havia, e ainda há, uma teoria nas ciências humanas que a organização societária expressa uma forma de organização da vida social superior da organização tribal. A idéia básica é que o futuro de todas as tribos era um dia virar uma sociedade e, que isto representava um progresso para os humanos, que valia um investimento tanto político como científico. Não se admitia que a cultura tribal poderia ser preferível à organização societária, pelo seres que compartilhavam deste modo de vida. A vida tribal era sinônimo de atraso. E era precisamente neste espaço que se observaram os principais focos de estudo da antropologia. A tribo desfrutava de um isolamento que permitia ao investigador construir leis de relacionamento (fundada na estrutura da família tribal, nas relações de parentesco, na religião “primitiva”, nos tabus, nos ritos de iniciação entre outros) interpessoal sugestivo de alguma permanência ou universalidade, como estrutura. Não se esperava encontrar os mesmos traços culturais de uma tribo para outra, mas admitia-se a existência de estruturas com potencial de universalidade. As tribos precisavam ser isoladas e preservadas, como se faz com animais em extinção. Outros tentavam “emancipar” os humanos tribais, libertando-os de estruturas confinadoras. No Brasil, para os índios Kaiowas a produção de excedentes para a comercialização era inadmissível. Desta forma eles muitas vezes optaram trabalhar em esquemas de elevada exploração para fazendeiros, do que possuir uma cultura de milho, por exemplo, que gerando um excedente os permitira negociar, para fazer compras de outros bens necessário à tribo. Conheci antropólogos, muito bem intencionados, que viviam anos entre estes grupos étnicos, tentando convencê-los à mudanças de seus hábitos.
b)      O outro eixo fundava-se na noção da ausência de história na organização tribal. Não sendo uma estrutura de classe não possuíam história, tal como a entendemos.E não estando na história estes povos “estariam condenados” a uma existência linear, desprovida de progresso. Partia-se do pressuposto que era uma questão de tempo: logo estes povos  fariam seu contato com “os civilizados” iniciando seu aprendizado para um novo modo de vida. Alguns antropólogos consideravam fundamental criar salvaguardas, para que esta integração processar de forma menos predatória. Em última instância a relação era sempre dentro de um enfoque de poder:  o poder do civilizado versus a fragilidade do silvícola. O fato é que o pensamento marxista nunca chegou a produzir uma teoria que incluísse estes povos na estrutura burguês versus proletariado. Algumas vertentes tratavam-nos como povos explorados, portanto com algum potencial revolucionário.
c)      Todo este quadro estará com referência no padrão de análise dos povos dominadores: a forma de vida do homem tribal, seu habitat era extremamente hostil aos “invasores”.  E este habitat poderiam ser regiões montanhosas, como a morada dos vietcongs ou o terreno árido das tribos do deserto, no oriente médio.
d)      Qualquer que fosse o eixo de análise havia um ponto que a antropologia ajudou a construir: a noção do diverso, apenas como diverso, nem inferior, nem supeior. 

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