sábado, 21 de agosto de 2010

PORQUE TRIPUDIAR SOBRE NOSSOS COMBATENTES? ISTO AGRIDE A MINHA HISTÓRIA E DE TODOS OS COMPANHEIROS.

Não faz muito tempo resgatei neste Blog um pouco da história daqueles da minha geração que decidiram participar ativamente no combate à ditadura militar, instalada no Brasil a partir do golpe de 64. Para nós sempre vinha à lembrança a coragem daqueles que participaram da Resistência Francesa contra a truculência de Hitler. Sem nenhuma censura aos companheiros que na atualidade receberam indenizações pelos danos sofridos na ditadura, preferi não requerer este benefício. Minha participação, como militante da Ação Popular (APML)sempre foi um ato de doação. A redemocratização do país foi minha indenização. Tenho convicção que a combatente Dilma não se envergonha deste passado. Pelo contrário, temos motivo de nos orgulhar dele. E minguem irá tripudiar sobre nossa história. Ninguém. Veja abaixo os comentários de Mino Carta:
A guerrilheira, ainda

Por Mino Carta

Por que a revista da Globo desenterra o passado da candidata de Lula?

O passado de Dilma. Documentos inéditos revelam uma história que ela não gosta de lembrar: seu papel na luta armada contra o regime militar. Para explicar a foto em branco e preto estampada na capa de uma Dilma mocinha é o que nos conta a revista Época da semana passada. Não costumo ler a publicação da Globo, mas, alertado pelo leitor Wilson Moreira, de Curitiba, desta vez vou a ela, tomado de curiosidade.

Por que a semanal de uma empresa de comunicação devota da candidatura de José Serra à Presidência da República entrega-se à evocação do passado da antagonista? Haverá quem diga: todos sabem que a candidata de Lula militou na luta armada contra a ditadura e as reportagens de Época se destinam a esclarecer os fatos, documentos à mão. Obra oportuna, portanto. Meritória. E não seria o caso de dizer necessária?

A mídia da Globo não declina a devoção a que me referi acima. Pelo contrário, como o resto dos seus mais ilustres companheiros midiáticos, não perde a ocasião de declarar sua isenção, a qual seria própria do jornalismo verdadeiro, fator indissolúvel da profissão. Trata-se de besteiras dignas de figurar no Febeapá do saudoso Stanislaw, mas as besteiras, abundantes nas nossas paragens, pesam menos, muito menos que a hipocrisia.

Certo é que o qualificativo guerrilheira baila na boca dos frequentadores dos recantos finos para acompanhar o nome da candidata de Lula, quando não é suficiente para identificá-la por si próprio, como seria Perigo Público nº 1 nos tempos de Al Capone.

Leio os dois textos que compõem a reportagem, um sobre a Dilma guerrilheira, outro sobre a Dilma prisioneira. Bem trabalhados, eu diria sem ares de professor. O que me intriga é a pensata. A ideia que pautou os diligentes repórteres. Não, não solfejarei que gostaria de apostar em razões do mais puro jornalismo, voltado à missão de iluminar o caminho dos leitores. Aí eu mesmo mergulharia em hipocrisia.

Confesso que me toma, a soprar na zona miasmática situada entre o fígado e a alma, a convicção de que o intuito de Época foi oferecer munição à campanha de Serra e à ojeriza dos eleitores que apreciam a repressão e temem os reprimidos. Dilma, aliás, nunca pegou em armas e não portava uma na hora da prisão, conforme o depoimento de quem a prendeu. Sem contar que um ou outro dos entrevistados não me pareceram confiáveis, porque ressentidos, presas de velhos rancores.

Pois é, a guerrilheira. Não sei se, de fato, Dilma Rousseff não gosta de lembrar o passado. Sei, porém, que não tem razão alguma para se envergonhar dele. Alguém disse que os moços dispostos a se engajar na luta armada pretendiam transformar o Brasil em “um Cubão”. Sim, a revolução castrista empolgava mínima parte da juventude brasileira, nacionalista a seu modo e prisioneira do confronto entre os dois impérios, URSS e EUA, este para nós, na função de seu quintal, significava a condição de súdito colonizado. A sujeição.

Cuba não é um Brasil, e a revolução de lá foi popular em uma acepção aqui impossível. As diferenças são evidentes e nem por isso foram percebidas por aqueles jovens inquietos que pretendiam enfrentar uma ditadura capaz de ser sanguinária, e sempre ancorada no apoio americano. Inviável apostar então, no país-continente, na adesão de um povo resignado, herdeiro da escravidão.

Digamos que foram sonhadores destemidos, jovens no entanto, em um momento histórico que incendiava o mundo ocidental e que via o Brasil e a América Latina entregues a ditaduras exercidas com extrema violência e com a bênção de Washington. Até Guevara acreditou em uma solução de verdade irrealizável e morreu, assassinado e solitário, cercado por olhares indiferentes. O povo só sabia viver sua miséria.

A história da humanidade é pontilhada pelo exemplo de jovens que ousaram até limites extremos para combater a prepotência. Muitos deles, inúmeros, são celebrados como heróis no mundo todo. Por exemplo, os maquis franceses e os partigiani italianos. Guerrilheiros contra as ditaduras de Hitler e Mussolini, e na maioria de esquerda.

Está na hora de reconhecermos, uma vez por todas, os nossos heróis, acima da retórica dos tradicionais, e espero obsoletos, donos do poder, e a hipocrisia da mídia que os interpreta. O Brasil não virou um Cubão, mas quem lutou contra a ditadura entra na galeria. •

P.S.: O editorial da Folha de S.Paulo de quinta 19 pretende que, ao escolher Dilma, Lula portou-se como se fosse possível tratar a política qual vida familiar ao apresentar “uma candidata que ninguém conhece”. Se fosse, o presidente teria agido como os donos da mídia que colocam seus filhos na direção de jornais, revistas, tevês. Teste: o autor do editorial é: A) Santo; B) Poeta; C) Esquecido.



Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redação@cartacapital.com.br

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/politica/a-guerrilheira-ainda

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