Já a algum tempo temos discutido as possibilidades da economia solidária, da ação (e poder) local, do poder das organizações não governamentais locais, da estrutura em rede, viabilizada por tecnologias como a Internet, da agricultura familiar, da empresa de pequeno porte familiar urbana. Estas são apenas algumas referências de algo que já está acontecendo como uma revolução estrutural e não apenas compensatória. Acompanhe:
No cálculo político dos que apostaram na possibilidade de um colapso do capitalismo, faltou sempre um elemento essencial: no lugar deste sistema, o quê? Um conjunto tão vasto e complexo de relações sociais pode simplesmente desaparecer, sem algo que as substitua – e sem que a inércia as recomponha?
Na raiz destas questões, há dois fenômenos político-teóricos, de caráter distinto. O primeiro é o fracasso simultâneo da socialismo leninista e da social-democracia – as duas tradições em que bifurcou, no século 20, o pensamento anticapitalista predominante (o anarquismo inviabilizou-se antes). Esta derrota tem sentido histórico positivo (por abrir caminho para uma crítica muito mais profunda às sociedades “de mercado”), mas produz, por enquanto, uma enorme lacuna. Provisoriamente, não há alternativa sistêmica ao capitalismo. Nesta fase, o desejo de virar a página precisa, portanto, materializar-se em ambições políticas de outra natureza – ainda que de mesma intensidade… É decisivo, por exemplo, alimentar as formas de resistência e alternativa que se desenvolvem no interior das relações capitalistas – um exemplo clássico é a economia solidária.
O segundo fenômeno é uma descoberta política. Uma das marcas da pós-modernidade é a difusão do capitalismo. Ele já não concentra a extração de valor na fábrica, nem o exercício de poder no Estado. Procura associar-se à própria vida – daí o termo biopoder, criado por Michel Foucault e aprofundado por Toni Negri.
Mas disso decorre um avesso. Também o pós-capitalismo pode ser tramado nas relações quotidianas – não apenas a partir do Estado e da fábrica. Os modelos de produção e criação colaborativa, nos quais não há apropriação privada dos saberes, estão conquistando terreno em pontos cada vez mais próximos aos centros mais dinâmicos da vida econômica e social: a informática e a antiga “indústria cultural”, por exemplo. Poucos anos após o surgimento dos blogs, o antigo oligopólio da mídia entrou em crise e está abrindo espaço para um novo paradigma, que pode dar a todo ser humano o direito de participar das narrativas sociais do presente.
Quem continuar concebendo a transformação social como um processo que começa com a tomada do poder será, contudo, incapaz de levar estes movimentos em conta – ou de perceber sua relevância e ajudar a aprofundá-los. O raiz do pessimismo não estará, portanto, nos fatos – mas na falta de olhos para enxergá-los…
Nenhum comentário:
Postar um comentário